Mãe e filha brincam com uma mistura escura caseira quando a mãe pede para a criança lamber. Trata-se de bacalhau com leite. "Mãe, eu vou passar mal", diz a menina, que encontra insistência da genitora diante das câmeras e cede. Lambe a colher, faz careta, é surpreendida por um banho da substância derramada sobre sua cabeça e acaba vomitando brevemente. Tudo isso para uma audiência de 50 milhões de visualizações mensais no canal Bel para meninas.
Nos últimos dias, internautas, influenciadores e "internautas-investigadores" usaram esses e outros vídeos para colocar em evidência a tag #SalvemBelparaMeninas, denunciando um suposto comportamento abusivo da youtuber Francinete Peres, conhecida como Fran, que aparece sempre ao lado da filha, Isabel Magdalena, a Bel, de 13 anos, em vídeos produzidos em casa, desde 2013. Em algumas postagens, a mulher aparece aborrecida com a resistância da menina em embarcar no que está sendo proposto, por vezes, constrangida, em situações do cotidiano.
O assunto mobilizou a atenção de milhares de pessoas e de conselhos tutelares do Rio de Janeiro, estado onde a família reside. O órgão está recebendo denúncias de todas as partes do país. Com a pressão de internautas e programas de TV, o caso passou a ser oficialmente verificado pelo setor de defesa dos direitos da criança do município de Maricá.
Entre os denunciantes mais ativos está o grupo Treta das Blogueiras, que compilou cenas de vídeos de diversos anos da interação de mãe e filha e ainda publicou o depoimento de outra influência mirim, conhecida como Vicky Vlog, que narra o suposto encontro de uma amiga com a menina Bel na escola. "Ela foi conversar com a Bel na escola e a resposta da Bel foi que ela não ia poder conversar porque tinha que falar com a mãe antes, porque a mãe tinha que aprovar todo mundo que ela falava", contou, ainda opinando: "O ambiente escolar da Bel deveria ser onde ela podia ser a Bel, não a menina do YouTube (...) a menina vive basicamente pra fazer as vontades da mãe e do público, né?".
Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos. (Estatuto da Criança e do Adolescente)
De acordo com o conselheiro tutelar à frente da averiguação em Maricá (RJ), Jorge Márcio Freitas Lobo, uma equipe esteve nesta terça-feira (19/5) na residência da família Peres para averiguar denúncia de violência psicológica, ainda sem posse de qualquer vídeo. "A família se mostrou surpresa, mas receptiva; apenas no dia seguinte, recebemos um volume grande de vídeos e outros teores de denúncia e outra equipe foi à residência", conta.
Na quarta-feira (20/5), a garota teve indicação de encaminhamento para psicólogos do CREAS local, para escuta ativa, e o Ministério Público do Rio de Janeiro foi notificado para passar a atuar no caso.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (Estatuto da Criança e do Adolescente)
"Nessa segunda visita, os pais já estavam com argumentos de defesa. Mostramos o que poderia ser entendido de certas imagens e eles seguiram a linha 'fiz e não tive maldade', mas nós explicamos como a exposição está lá, as possíveis infrações ao ECA e o que poderia acontecer, que pode chegar a detenção de seis meses a 2 anos", discorre Freitas Lobo. Segundo o profissional, um colegiado do conselho tutelar foi reunido para discutir o caso, que será acompanhado até a garota atingir a maioridade e pode parar na esfera judicial.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (Estatuto da Criança e do Adolescente)
"Nessa segunda visita, os pais já estavam com argumentos de defesa. Mostramos o que poderia ser entendido de certas imagens e eles seguiram a linha 'fiz e não tive maldade', mas nós explicamos como a exposição está lá, as possíveis infrações ao ECA e o que poderia acontecer, que pode chegar a detenção de seis meses a 2 anos", discorre Freitas Lobo. Segundo o profissional, um colegiado do conselho tutelar foi reunido para discutir o caso, que será acompanhado até a garota atingir a maioridade e pode parar na esfera judicial.
Longa e polêmica estrada
Francinete começou no YouTube há oito anos, com um canal próprio. Em 2013, deu início a um canal com o nome da filha, em que sempre aparece interagindo, brincando, discutindo banalidades do dia a dia e fazendo propagandas, de itens de vestuário a brinquedos. A filha mais nova, Nina, já tem um canal conjunto com a família youtuber também. Juntas, as páginas têm impressionantes 18 milhões de inscritos e 4,6 bilhões de visualizações, sendo a "Bel", a mais famosa e assistida.
Em 2016, o Ministério Público de Minas Gerais chegou a abrir uma investigação sobre o canal, mas a condução do procurador Fernando Martins apenas focava em verificar se havia abusos e eventuais irregularidades quanto às publicidades e o caráter mercadológico do conteúdo veiculado, já que o público em questão é infantil. O inquérito civil 1.22.000.000752/2016-23, que se voltou até contra a Google no Brasil para que as peças publicitárias fossem identificadas ou removidas em caso de denúncias, teve como última movimentação o encaminhamento para o Tribunal Reginal Federal da 1ª região, desde fevereiro de 2019.
Os nomes Bel e Fran dispararam nas buscas do Google nesta segunda quinzena de maio. Dezenas de vídeos foram publicados no YouTube sobre a polêmica apenas nas últimas 48h, um deles com mais de 1,5 milhão de visualizações.
Nas redes sociais, desde que o assunto ganhou força, a conta oficial da família só se posicionou uma vez publicamente, tangenciando o assunto com a declaração: "Enquanto algumas pessoas espalham o ódio gratuito nós seguimos acreditando na família e no amor. Que nossa felicidade chegue ao coração de vocês!".
Resposta
Procurada pela reportagem, Francinete Magdalena Peres classificou o episódio como uma sequência de calúnias e difamações, num movimento "muitas das vezes baseado em inveja, ódio e preconceito". A youtuber ressalta ainda que os canais administrados pela família publicam apenas conteúdos controlados, já que não se propõem a uma exposição ininterrupta de reality show. "Muitas das estórias são de ficção criadas por nós dentro da temática que abordamos. Não se trata de expor a nossa relação interpessoal e familiar, mas se trata de expor certos acontecimentos nas hipotéticas relações interpessoais familiares em geral, nas quais eventualmente nos incluímos", declara.
A produtora de conteúdo não fez declarações sobre o impacto gerado na família ou sobre como se encontra a menina Bel, centro da discussão. No entanto, menciona a visita recebida pelo Conselho Tutelar e classifica de sensacionalista as publicações que contribuíram para a polêmica em torno de seus canais, prometendo processar judicialmente os disseminadores da questão.
Confira a resposta de Francinete Peres, a Fran para meninas, na íntegra:
"Um dos maiores problemas discutidos na internet versa exatamente sobre danos contra a honra, que são entendidos como injúria, calúnia e difamação, principalmente por meio das redes sociais. Circunstâncias nas quais a veracidade de determinados fatos veiculados nas redes acabam tendo menos importância do que as crenças pessoais, crenças nas quais as pessoas fundamentam suas ações e manifestações, especialmente de críticas, denúncias e acusações, que têm por base a sua própria visão de mundo, pelo que tentam impor o seu discurso ao outro, muitas das vezes baseado em inveja, ódio e preconceito.
O sensacionalismo é praticado por alguns veículos de comunicação com o intuito de aumentar a sua audiência através do exagero ou distorções na cobertura de determinado acontecimento. Em uma sociedade extremamente dinâmica e concorrente, reina a máxima do “tempo é dinheiro”, sendo a informação repassada ao público, muitas vezes, de forma descuidada e descompromissada com a verdade e a seriedade. Parece que a verdade não mais norteia as relações com o telespectador, leitor ou ouvinte, importando, para alguns, a notícia a qualquer preço, mesmo que ela seja falsa.
Hoje em dia a informação é comprada e vendida com o principal objetivo de se obter lucros, sendo movimentada em função das exigências do mercado e da concorrência, onde o ganho é o princípio norteador da mídia sensacionalista. Ou seja, para parte da mídia, o mais importante não é a verdade da informação, mas a possibilidade de renda a partir da informação, seja ela verdadeira ou falsa.
Tendo isso em mente, cumpre ressaltar que a nossa família é responsável por diversos canais de comunicação, que somam cerca de 14 milhões de seguidores. Dito isso, por meio de nossos canais passamos a publicar conteúdos controlados, vez que não se trata de um reality show onde estaríamos 100% expostos. Pelo contrário, nós escolhemos os conteúdos que publicamos, muitas das estórias são de ficção criadas por nós dentro da temática que abordamos. Não se trata de expor a nossa relação interpessoal e familiar, mas se trata de expor certos acontecimentos nas hipotéticas relações interpessoais familiares em geral, nas quais eventualmente nos incluimos.
No meio de uma situação de calamidade pública, onde nossa família estava em quarentena em casa, hoje fomos obrigados a receber quatro pessoas dentro de nossa casa com o intuito de tratar das reportagens sensacionalistas divulgadas nas emissoras Record e SBT. Nosso local de moradia foi maculado por parte da mídia, que se postou em frente à nossa residência. Saímos de nossa situação de paz em família e estamos sendo obrigados a tomar atitudes contra falsas acusações que estão ocorrendo contra nosso nome.
São cerca de OITO ANOS de conteúdo. Dentro desse contexto, são milhares vídeos e interações que escolhemos expor ao nosso público. Optamos, portanto, em proteger os nossos filhos, fundamentando nossas ações no Estatuto da Criança e do Adolescente e não vamos participar de programas sensacionalistas - como estamos sendo pressionados a fazer. Na realidade, esse é o objetivo desses canais, e a nossa participação nesses programas faria com que tais veículos aumentassem ainda mais a sua audiência, à custa de nosso sofrimento.
Vamos continuar expondo nosso conteúdo controlado como sempre fizemos, respeitando nossos seguidores. O que for inerente à intimidade de nossa família, como o que está sendo nesse momento exposto por determinada parte da impressa de forma descuidada e irresponsável, será tratado pelos meios adequados, judiciais e administrativos, responsabilizando aqueles que estão usando nossos nomes e colocando em risco a segurança de nossa família para objetivos pessoais e profissionais menos nobres, tal como para aumentar sua audiência em programas jornalísticos, tudo em detrimento e as custas de nossa paz familiar."