Jornal Estado de Minas

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Racismo estrutural e coronavírus: só 4 estados divulgam dados


A mortandade pelo novo coronavírus avança no Brasil, com o apagão de dados para a questão racial. Levantamento exclusivo do Estado de Minas mostra que, em todo o país, apenas quatro estados divulgam recorte de dados por cor e raça: Paraná, Amazonas, Alagoas e Rio Grande do Norte. Veja vídeo abaixo
Os números preliminares mostram que, embora as notificações contemplem mais os brancos, a mortalidade é maior entre negros acometidos pela doença. E essa história não tem influência genética.


Nesta página, especialistas negros explicam de que maneira a pandemia de COVID-19 no Brasil reflete nosso racismo estrutural.

Esta foi uma semana em que protestos contra a violência do Estado e a desigualdade racial histórica tingiram de negro as telas nas redes sociais. Mas como ensinam os crimes cometidos contra George Floyd, nos EUA, e contra João Pedro, no Rio de Janeiro, barbaridades só provocam indignação e mudança se vierem à tona.



"Diferença reflete a desigualdade"
Os dados clínico-epidemiológicos do mundo e os preliminares do Brasil sobre a pandemia mostram que negros são quatro vezes mais vulneráveis. Isso não se deve a fatores genéticos. A diferença reflete apenas a desigualdade socioeconômica e de acesso ao sistema de saúde.

A população sob maior risco são pobres, de baixa escolaridade, alta incidência de doenças crônicas que vão levar a sintomas mais graves da COVID-19. Essas pessoas são, na sua maior parte, negros e a pandemia está só afirmando desigualdades raciais e socioeconômicas que antes já eram conhecidas.


Para solucionar isso, agora na pandemia e também depois dela, são necessárias intervenções nas políticas de saúde pública voltadas para a população negra, de forma a garantir acesso adequado ao sistema de saúde, promover tratamento e acompanhamento adequado de doenças crônicas, também melhoria das condições sanitárias nos locais onde vivem essas pessoas, assistência econômica e medidas educativas para promover a prevenção de doenças nessas populações, que são as populações vulneráveis, que têm menor acesso à saúde, à educação e, dessa forma, diminuir o impacto de doenças infecciosas nessas populações
Viviane Alves, professora de microbiologia na UFMG

"Racismo é um limitador de acesso"
Entidades do movimento negro vêm reivindicando a inclusão do quesito cor em formulários de saúde, ao menos desde os anos 1990, com a intenção de produzir melhores informações sobre comorbidades que acometem essa população e pensar soluções e propostas de políticas públicas que venham a melhorar a condição de vida geral da população.
 
A partir da eclosão da pandemia do coronavírus, esse pedido foi refeito, organizações do movimento negro entraram na justiça exigindo que o Governo Federal colocasse o quesito cor nas certidões de óbito e outros dados de saúde da população acometida, mas o Governo acabou recorrendo e isso acabou não acontecendo. 

Essa negativa do governo revela essa tentativa constante de negar a importância do racismo como um dos limitadores do acesso à saúde da população negra e isso vai dificultar muito ações e medidas que podem vir a ser tomadas daqui por diante no enfrentamento dos efeitos que a pandemia pode ter nessa população daqui por diante.


Cristiano Rodrigues, professor de Ciência Política da UFMG

"Crescimento da doença afeta a periferia"
Aprovamos o projeto de lei na Assembleia Legislativa para registrar o recorte de raça e cor nas pessoas que foram contaminadas pela COVID-19. É extremamente importante que a gente conheça as características daqueles que estão sendo contaminados para que nós possamos apresentar soluções de fato que possam minimizar ou impedir o crescimento da contaminação no nosso estado.

O crescimento tem aumentado principalmente na periferia onde estão a maioria de negros e negras, que são as pessoas  que tem características de comorbidades, que amplia ainda mais a contaminação, porque são pessoas que já tem doenças tropicais como diabetes, hipertensão, anemia falciforme, que complica ainda mais a contaminação por doenças respiratórias. 

São também elas trabalhadoras, informais, que não puderam parar de trabalhar, que também estão nos trabalhos essenciais, como limpeza urbana, como as enfermeiras, como as empregados domésticos, todos esses não puderam ter isolamento social e muito menos têm condições de manter a proteção e insumo para proteção dela e de sua família. 


Deputada estadual Andréia de Jesus, autora do projeto de lei para incluir dados de raça e cor nos números da Covid-19

"População negra tem maior taxa de mortalidade"
Quando a gente vai olhar o perfil étnico da doença a gente vê que a maior parte dos óbitos  se concentra na população negra, que são os pretos e pardos, enquanto que a maior parte das notificações se concentra na população branca. Mas quando você vai considerar a população negra ela está representada, na maior parte, dentro dos óbitos, em relação à notificação. Então é interessante você ver que a população negra tende a ter uma taxa de mortalidade maior do que a população em geral. Isso precisa ser estudado.

O vírus é “democrático”, qualquer um está potencialmente sujeito a pegar a doença, só que o acesso aos recursos de saúde é que não são iguais; aí você tem uma diferença importante.

Nos Estados Unidos algumas populações, algumas cidades já viram isso, que quase 70% da mortalidade em algumas cidades são na população periférica, população de baixa renda, população de comunidade, de gueto, população negra está  representada em grande parte nesse número.


E se a gente for pensar que quase 70% de população que usa exclusivamente o SUS é população negra, a gente tem um sistema único de saúde que embora seja muito bom, do ponto de vista da concepção e do acesso à saúde, ele tem várias deficiências sobre financiamento, essa população está à mercê de um cuidado inadequado ou deficiente.
Euclides Colaço, médico de família e comunidade e professor da PUC Minas em Poços de Caldas

O que diz o governo de Minas
A assessoria do governador Romeu Zema informou que o projeto de lei, aprovado na ALMG, está em análise.

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais respondeu que todos os sistemas de dados que coletam notificação de casos e óbitos (sistemas do Ministério da Saúde preenchidos pelos municípios) contém o campo de “raça/cor”.

Como esses dados são pouco preenchidos, a secretaria emitiu nota técnica orientando correto preenchimento.

"Especificamente no cenário de pandemia, é muito importante que seja traçado um perfil sociorracial e étnico mais detalhado sobre os impactos da pandemia na população", diz o comunicado da assessoria de imprensa.