Buscar dados relacionados ao coronavírus no Brasil, como os números totais de pessoas infectadas e óbitos causados por complicações da doença, se tornou motivo de polêmica. Isso porque desde a última sexta-feira, o Ministério da Saúde tem fornecido estatísticas somente das últimas 24 horas, apagando, também, do site, os gráficos que mostravam as curvas do aumento de pacientes afetados pela COVID-19 e vidas perdidas pela enfermidade. Diante da omissão de dados, plataformas paralelas foram criadas com intuito de proporcionar maior transparência aos brasileiros. Mas, apesar disso, o preço pela ação do governo do presidente Jair Bolsonaro pode ser alto, principalmente no cenário internacional.
É o que alerta o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Oliver Stuenkel. De acordo com Stuenkel, a omissão de dados sobre o coronavírus pode afastar investidores do Brasil, uma vez a credibilidade de números fornecidos sobre o crescimento econômico, inflação e desemprego, por exemplo, podem perder credibilidade.
“O governo sabe muito bem que tipo de impacto isso tem para investidores. Eu, por exemplo, conversei com um investidor hoje de manhã e ele também disse: “Olha, governo que não divulga esses dados sobre os mais relevantes que a comunidade internacional mais quer saber agora para tomar uma decisão, cria uma preocupação adicional”. Governo que não fornece todos dados é um risco a mais”, avaliou Stuenkel.
A parte econômica é apenas uma das áreas que o Brasil pode ter sua credibilidade em xeque. Para o professor, a baixa confiança nos números divulgados pode limitar o espaço do país em discussões a níveis globais sobre o combate à pandemia do coronavírus, acendendo, também, o alerta para nações vizinhas em relação a fronteiras.
“Hoje em dia, tem a atuação de cada país em relação à pandemia, isso limita muito o espaço que o Brasil vai ter nas mesas para discutir o futuro da pandemia, para discutir o desenvolvimento de uma vacina, porque surge a dúvida: “Esse país está me passando dados corretos?””, disse Oliver.
Stuenkel afirmou que, de uma maneira geral, o Brasil perdeu credibilidade nos últimos meses no cenário internacional por ser um país pouco capaz de lidar com problemas internos. Para o futuro, com a melhora gradativa da situação de outras nações no que diz respeito ao coronavírus, a tendência é que o Brasil passe a ficar em evidência no exterior, porém, pelo lado negativo.
“Como todo mundo só fala da COVID-19, isso acaba ganhando uma visibilidade extrema também, porque no exterior, em vários países da Europa, nos Estados Unidos, a situação está melhorando aos poucos. Então o Brasil corre o risco de aparecer nas capas dos jornais da Europa, porque será um dos países mais afetados, enquanto outros países estão melhorando. Então aumenta ainda mais a visibilidade", analisou.
Para o professor, o governo Bolsonaro tenta levar os dados relacionados ao coronavírus para o campo da polarização. “Aqui no Brasil, tem os estados que vão prover esses dados. Os dados vão para o campo da polarização. Essa decisão de fornecer mínimos dados ou dados diferentes, faz com que quem apoie o governo possa dizer: “Bom, mas esses dados também não estão totalmente corretos”. Isso é uma tática que vemos em outros países com poder autoritário, onde cria-se uma incerteza geral para criar uma situação que você possa acreditar nos dados que você quiser, de qual lado você está. Essa tentativa é muito utilizada”, concluiu.
Plataformas paralelas
Com a ausência de informações relevantes do coronavírus, duas plataformas foram criadas nos últimos dias para tentar proporcionar maior transparência à população.
Uma delas é gerenciada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Os dados para a base são colhidos diretamente nas secretarias estaduais de saúde. A plataforma organiza os estados por meio de um ranking com informações totais de números de casos, óbitos e taxas de letalidade de cada unidade federativa. A página também reúne estatísticas brutas de casos confirmados e mortes por COVID-19, além de informar índices registrados nas últimas 24 horas. O boletim do Conass é atualizado sempre às 18h.
“A ciência, a verdade e a informação precisa e oportuna são fios condutores do processo orientador da tomada de decisão na gestão da saúde”, publicou o presidente do Conass, Alberto Beltrame, que também é Secretário Estadual de Saúde do Pará.
Quem também disponibilizou um site com informações relacionadas aos números do coronavírus no Brasil foi o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo. Atual secretário-executivo do Centro de Contingência do combate ao coronavírus em São Paulo, Gabbardo também buscará dados sobre a COVID-19 diretamente nas secretarias estaduais de saúde. De acordo com ele, a atualização será de hora em hora.
“Pelo menos no período que o Ministério da Saúde não estiver fazendo isso, nós vamos fazer (a divulgação dos números). Nós vamos diretamente nas bases dos estados e captamos as informações. Tudo é feito de forma informatizada, não existe o contato humano com esses números, não existe manipulação. A medida que os estados forem relatando suas informações, o sistema capta e a nossa base de dados será dinâmica. A cada atualização dos estados, vamos atualizar nosso painel. Significa que o nosso painel estará sempre atualizado com a última hora das atualizações feitas pelas secretarias estaduais de saúde”, disse Gabbardo, em entrevista ao canal CNN Brasil.
Nesse domingo, o Ministério da Saúde apresentou números divergentes à imprensa. No boletim divulgado por volta das 21h20, a pasta enviou informações que indicavam 1.382 mortes e 12.581 novos casos de coronavírus nas últimas 24 horas, totalizando 37.312 óbitos e 685.427 ocorrências da doença. No entanto, os dados divulgados no site estavam completamente diferentes, com 525 vidas perdidas e 18.912 registros de pacientes infectados, além de 6.803 pessoas curadas, dado que não havia sido informado no boletim enviado pela assessoria.
Também em entrevista à CNN Brasil, o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu ‘trégua’ no conflito referente à divulgação de informações relacionadas ao coronavírus. “A saúde precisa de uma trégua. A sociedade precisa de uma trégua. O país precisa de uma trégua. A informação vai chegar. Ela sai das secretarias. Se o ministério não consolidar, alguém vai. Isso vai realçar a informação”, destacou.