Jornal Estado de Minas

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Pouca transparência com dados de COVID-19 pode configurar crime, dizem especialistas

As manobras executadas pelo governo federal para mascarar o número de mortes causadas pela covid-19 pode configurar crime de responsabilidade ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e ao ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello. Para especialistas, o governo atentou contra as leis de acesso à informação, além de ferir um direito fundamental, o da informação.

Desde o início da pandemia, o governo federal reduziu o nível de transparência nas informações sobre a crise e, mais recentemente, passou a atrasar e a maquiar os números sobre casos e mortes da doença.

O Estadão revelou nesta segunda-feira que a mudança na divulgação ocorreu após Bolsonaro determinar que o número de mortes ficasse abaixo de mil por dia. A ordem foi repassada a Pazuello, que entregou a demanda à sua equipe.

"A Lei de Acesso à Informação fala que é uma conduta ilícita se negar a fornecer ou retardar deliberadamente e de forma incompleta, incorreta ou imprecisa. Essas tentativas de mudar a metodologia, que é uma forma incorreta de fornecer informação, poderia se configurar no artigo 32 desta lei", diz Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil.


Desde sexta-feira, o ministério mudou a forma de divulgação dos indicadores do coronavírus, deixando de apresentar alguns dados consolidados.
No sábado, o presidente Jair Bolsonaro confirmou que o governo passou a adotar uma nova sistemática para prestar informações sobre o coronavírus.

Uma das mudanças é que o boletim diário do ministério, divulgado a partir de sexta, traz apenas o número de recuperados, novos casos e mortes registrados nas últimas 24h. Antes, o quadro apresentava também os números totais, registrados desde o início da pandemia.

Outra alteração é que o boletim passou a ser divulgado pelo ministério por volta das 22h. Inicialmente, essa divulgação ocorria às 17h - depois, passou para 19h.

A divulgação às 22h começou nos últimos dias sem que o Ministério da Saúde desse uma justificativa para o atraso.


Além disso, o portal do governo federal que traz os números da pandemia no Brasil saiu do ar na noite desta sexta. Ao ser acessada, a página apresentava apenas a mensagem "Portal em Manutenção". Ela voltou por volta das 17h deste sábado.

No entanto, o portal retornou reformulado e com dados ínfimos, se comparado à versão anterior. Não há, por exemplo, informações detalhadas sobre cada Estado - nem o total acumulado de contágios e de mortes.

"Isso são condutas ilícitas de responsabilidade do agente público", disse Fabiano Angélico, mestre em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em transparência. "Pelas declarações do presidente da República, ao dizer que não haveria notícia no 'Jornal Nacional', parece ter havido um retardamento deliberado e isso configuraria um crime", disse Angélico.


O professor da Faculdade de Direito da USP Rafael Mafei também cita o possível enquadramento no crime de responsabilidade pública.

Manoel Galdino, diretor executivo da Transparência Brasil, acredita que o caso possa ser enquadrado como improbidade administrativa. A lei prevê punição a quem negar publicidade a atos oficiais ou retardar algum ato legal. "Porque isso é líquido e certo", disse.

Na Câmara, o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) entrou com uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, por prevaricação (crime cometido quando o indivíduo, indevidamente, faz ou deixa de fazer algo da atribuição do cargo para satisfazer interesse pessoal) e improbidade administrativa.

Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e outros parlamentares ingressaram com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo, com medida de liminar, para que o governo divulgue a compilação de dados estaduais, sem manipulação, e também para que o balanço diário seja feito até as 19h30.

"O governo não pode se omitir de sua função básica, publicidade e transparência. Isso incorre em crime de responsabilidade", afirmou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).