O governo federal excluiu os casos de violência policial do relatório de 2019 sobre agressões aos direitos humanos. Os casos têm crescido desde 2016 e o levantamento sobre o ano passado mostraria como as forças de segurança pública estão atuando sob a presidência de Jair Bolsonaro. Sob acusação de falta de transparência, por meio de nota o Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos informou que haveria inconsistência nos dados coletados e, portanto, foram deixados de fora –– porém, garantiu que serão reintroduzidos assim que avaliados.
O documento tem como base informações recolhidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, por meio do Disque 100 –– o Disque Direitos Humanos, um serviço telefônico gratuito que recebe denúncias, manifestações e reclamações sobre violações de direitos humanos de todo o Brasil. A reunião desses dados é feita pelo governo federal.
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As omissões foram percebidas e as reações vieram. O coordenador de defesa criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Emanuel Queiroz, destacou que a transparência é a forma com que o governo dialoga com a sociedade e permite a criação de políticas públicas. “E, no caso da letalidade policial, a responsabilização de quem atuou de forma contrária às normas jurídicas. Me impressiona, também, o argumento de que os dados seriam inconsistentes. Os outros todos são consistentes e só estes não? Quando há dúvida do pesquisador sobre dados, ele aponta na pesquisa a insegurança, mas não omite”, criticou.
O defensor destaca que o número de mortes em decorrência da ação das forças de segurança pública tem crescido no Rio. “No Rio, Em 2016, foram 920 mortes. Em 2017, 1.118; em 2018, 1.534; e, no passado, 1.814. Nas trevas, fica muito mais difícil construir qualquer política pública para se chegar a uma diminuição da violência e construção de uma política de segurança que não tenha um único olhar que é tratar o ser humano como possível criminoso, o que não é coerente com o estado democrático de direito. Lamentamos e caminhada a passos largos para um regime totalitário, arbitrário, no qual a transparência, que é a base do estado democrático, é aniquilada. Lamentamos ainda que não sobrevivam os dados concretos, mas as disputas de narrativas que favorecem disseminação de notícias falsas”, atacou.
Diretora de operações da Transparência Brasil, a cientista política Juliana Sakai considera tais omissões uma “tragédia para a transparência no país”. Mas salienta: ao esconder números, o governo expõe seus pontos sensíveis.
“É antidemocrático, fere a transparência e o princípio da publicidade, e mostra a necessidade de a sociedade civil e outros poderes se unirem para contornar essa situação. Em todo método estatístico existem falhas, mas você pode prevê-las, explicá-las. Retirar dados é mais uma medida autoritária. Trata a informação como se fosse do governo e não do povo”, apontou.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Helder Salomão (PT-ES), destacou que o colegiado fará um comunicado às Nações Unidas. “A gente sabe do aumento da letalidade. É absurdo, grave, mas coerente com o presidente, que comemora e exalta homicídios cometidos por policiais. É uma prática genocida, assim como esconder os dados da covid-19”, disparou.
Por e-mail, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que algumas denúncias são contraditórias. “Para que haja fidedignidade dos dados apresentados, reservou-se esses registros para estudo aprofundado e posterior divulgação, sem prejuízo aos demais dados de relevância para população. Diante disso, confirmamos que os dados serão divulgados (…). A opção de divulgação posterior foi técnica, para garantia da veracidade da informação, não ocorrendo qualquer pedido de não divulgação ou atraso por parte de qualquer autoridade ou entidade”, assegura a nota do ministério.
Crescimento consistente
Os dados sobre a violência policial faziam parte do relatório sobre as violações aos direitos humanos até 2018. Até o documento divulgado no ano passado, apontavam um crescimento dos registros dessas ocorrências. Naquele ano, foram 1.637 denúncias de violações por forças policiais. Já em 2017, foram 1.319 casos. De acordo com nota divulgada pelo Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, “há registros com marcador de suspeito como agente policial, mas, na descrição, as informações são contraditórias, assim como há registros que não possuem marcador, mas as informações contêm relação com violação supostamente praticada por agente policial”.