Na noite da quarta-feira da semana passada, dia 24, o estudante de comunicação Cristian Wariu, de 22 anos, em Brasília, reuniu numa "live" os amigos Clarêncio, Indiana e Lúcio, moradores de aldeias xavantes do Norte de Mato Grosso. Era o início da SOS Xavante, uma campanha de arrecadação de recursos para comunidades indígenas impactadas pela pandemia da covid-19.
A doença tinha atingido a própria família de Cristian, que, por conta da doença, está afastado desde março dos parentes. Dois dias depois da "live", a avó paterna do estudante, Angela Xavante, entrou na lista dos mortos. O avô, Eduardo Tseremey'wá, um dos responsáveis pelos contatos com não-índios nos anos 1940, morreu nesta terça-feira, 30.
Quem também contraiu o vírus foi o pai de Cristian, Crisanto Rudzö Tseremey'wá, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso. Em 15 dias, 32 xavantes morreram, segundo estimativa das lideranças indígenas. O Ministério da Saúde contabiliza, até agora, 16 casos.
Por meio das redes sociais, os xavantes querem obter recursos para compra de equipamentos de saúde, remédios e cestas básicas. Os organizadores da campanha pretendem também reduzir a força do preconceito. A doença passou das cidades do interior de Mato Grosso às aldeias, mas os índios estão sendo vistos como propagadores da covid-19, o que é o contrário. "Há um descaso dos órgãos de saúde indígena, que não fez as primeiras compras de medicamentos e agora temos de enfrentar ainda o problema do preconceito", afirma Cristian.
Há tempos, a nova geração de ativistas do movimento indígena desenvolve um trabalho de uso da tecnologia digital em suas ações. A pandemia foi o batismo de fogo do capítulo mais recente da história da população tradicional. "Hoje, a gente vê a importância do trabalho dos comunicadores indígenas, de formar uma mídia índia", ressalta Cristian. "Com a pandemia, a internet é onde a gente pode fazer denúncias e buscar minimizar os efeitos da covid-19."
A "live" de abertura da campanha SOS Xavante começou com 54 pessoas assistindo. Terminaria com 72, sem desistências. Em poucos dias, artistas renomados e representantes da cadeia de entidades do setor ambiental aderiram.
Nos primeiros minutos da "live", a conexão ruim e os chiados impediam entender o que os participantes falavam. Quando o sinal ficou bom, Clarêncio, presidente do conselho de saúde das comunidades, dava informações duras. "Estamos à mercê da saúde pública. Ontem tivemos dois óbitos. Hoje, tivemos mais um. Não sabemos quem vai ser o próximo, qual família será atingida nos próximos minutos", disse. "Muitos xavantes não acreditaram que esse vírus chegaria ao nosso povo, mas no Brasil inteiro tem gente que não acredita", ponderou.
Com semblante sério, Clarêncio pediu ajuda aos internautas, algo impactante em se tratando de xavante, povo orgulhoso, que combate com bravura suas terras e rios desde o ciclo da mineração, no século XVII. O pedido veio com uma demonstração de respeito aos mais velhos. "A gente não quer perder principalmente nossos idosos. Quando a gente perde um deles, a gente perde um mundo. A gente considera eles a vida da gente."
No começo desta semana, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e partidos políticos entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o governo instale barreiras sanitárias em 31 reservas onde há presença de índios isolados ou de recente contato. Um parecer do Instituto Socioambiental que dá base à ação mostra que a pandemia trouxe ainda uma tendência de aumento de invasões de madeireiros, garimpeiros e caçadores nas reservas. O Conselho Indígena Missionário já contabiliza 380 mortes de índios no País.
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