O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou ontem que não é possível pensar em eventos como o carnaval e o réveillon sem uma vacina. Já o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB) disse que uma definição deve sair em poucos dias. Mas infectologistas e especialistas em eventos esportivos concordam que não é possível liberar atividades que envolvam grande número de pessoas e aglomerações sem que exista uma cura para o coronavírus.
Durante uma entrevista em Itaquera sobre a revitalização da Avenida Jacu Pêssego, Covas disse que no caso da festa de ano-novo a expectativa é de uma definição nos próximos dias. E também afirmou que está discutindo como poderiam ser a Parada do Orgulho LGBT e a Marcha Para Jesus, eventos que costumam ter a participação de milhares de pessoas.
Sobre o carnaval, Covas afirmou que são necessários no mínimo seis meses de organização. "Estamos discutindo com as escolas de samba a possibilidade de adiamento e com outras prefeituras", disse o prefeito. Ele falou que também conversou com o prefeito de Salvador, ACM Neto (Democratas), para que essa decisão seja tomada conjuntamente com outras grandes cidades do Brasil. Nesta semana, ACM Neto já aventou a possibilidade de não fazer o evento na data tradicional. Em reunião realizada na noite de anteontem, a Liga das Escolas de Samba (Liesa) do Rio confirmou a intenção de só realizar os desfiles caso uma vacina contra o coronavírus seja apresentada nos próximos meses. Nem mesmo um eventual adiamento está previsto.
"O Brasil está prestes a alcançar 2 milhões de casos confirmados e 316 mil mortes. É a maior tragédia da história. Não há nada a celebrar, não há nada a comemorar. E muita atenção àqueles que diante de um quadro como esse ainda querem fazer festividades de ano-novo", disse Doria ontem. Para ele, essas atividades só devem ser liberadas após uma aplicação de um imunizante seguro. "Nós não temos que celebrar nem ano-novo nem carnaval diante de uma pandemia."
Em São Paulo, o Centro de Contingência Contra a Covid-19, do governo do Estado, também avalia que, no momento, não é possível autorizar réveillon ou carnaval. De acordo com João Gabbardo dos Reis, "esse tema tem dependência da vacina". "Vai depender de quando ela poderá estar disponível para a população de maior risco.
Consenso
Infectologistas e especialistas ouvidos pelo Estadão concordam. Para eles, eventos esportivos, carnaval, shows, jogos de futebol com torcida, corridas de rua ou liberação total de praias, por exemplo, estão descartadas enquanto não há imunizante ou tratamento. Também não existiria um meio-termo para autorizar aglomerações. Na multidão, é inviável manter o distanciamento de 1,5 metro entre as pessoas ou controlar o uso de máscaras.
"Carnaval significa aglomeração e não tem como conter a multidão. Mesmo num desfile de escola de samba é impossível", diz o médico Alexandre Barbosa, titular da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu (SP). O mais seguro neste momento, segundo ele, é deixar suspensas atividades que criem aglomerações.
Essa também é a avaliação do infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda. "É muito difícil que essas atividades, como shows, partidas de futebol com público, carnaval, sejam retomadas."
"Grandes reuniões onde muitas pessoas estão em contato próximo por longos períodos são muito arriscadas em termos de transmissão, o que pode sobrecarregar o sistema de saúde", alerta Josh Petrie, pesquisador e professor assistente do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
Além da inexistência de vacina até o momento, um dos fundamentos que sustentam a cautela por parte dos médicos também é o desconhecimento sobre a doença. "Só quem tiver uma bola de cristal vai poder dizer qual será a intensidade da pandemia em fevereiro de 2021, em termos de transmissibilidade de novos casos", diz Barbosa, fazendo referência ao mês do carnaval.
"Não sabemos nada sobre o futuro", concorda Croda, da Fiocruz. Entre as incertezas a respeito da doença, ele aponta, por exemplo, o tempo de imunidade de quem já teve o coronavírus. "Quem pegou covid-19 está imune pelo restante da vida ou só por um curto período de tempo?", questiona.
Especialistas também são céticos em relação a medidas de controle que permitiriam liberar aglomerações, mesmo sem vacina. "Infelizmente, ainda não temos maneiras de realizar esses eventos com segurança", afirma Petrie, da Universidade de Michigan. Ele lembra que algumas ligas esportivas dos Estados Unidos começaram a implementar planos de reabertura, mas tiveram problemas com a infecção dos jogadores, apesar das precauções.
Leandro Carlos Mazzei, cientista do esporte e professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressalta que, apesar de existir um protocolo, as chances de as pessoas burlarem as regras são muito altas. Como exemplo, ele cita o campeonato de futebol de Santa Catarina, onde houve falhas no protocolo entre os jogadores, e o torneio voltou a ser suspenso. "E não teve aglomeração, só questão do protocolo entre os atletas. Agora, imagina se o evento tivesse sido aberto ao público, é complicado..."
O especialista considera "quase incontrolável", o comportamento do público. Para adotar e cumprir medidas paliativas como uso de máscaras e distanciamento, seriam necessários controles muito rígidos e um comportamento muito correto das pessoas, o que, na opinião dele, está longe de ser atingido. Ele lembra da questão jurídica envolvida: quando são realizados eventos e as pessoas podem ser contaminadas, uma questão que poderá vir à tona é a responsabilidade pela contaminação que pode recair sobre os organizadores. (Colaborou Marcio Dolzan)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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