O Ministério da Saúde orientou a Fiocruz a divulgar amplamente e recomendar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento precoce de pacientes da COVID-19, a despeito das evidências científicas indicarem a ineficácia dos medicamentos no combate ao novo coronavírus.
A própria Fiocruz participa do estudo Solidarity, da Organização Mundial de Saúde (OMS), cujos testes com a cloroquina e a hidroxicloroquina foram suspensos há um mês, em 17 de junho, porque todos os resultados obtidos até então apontavam que as substâncias "não reduziam a mortalidade dos pacientes".
Outro grande estudo sobre a eficácia dos remédios, o Recovery, foi conduzido pelo Reino Unido com a participação de mais de 11 mil pacientes. Também em junho, seus principais coordenadores emitiram um comunicado concluindo que "não há efeito benéfico" no uso da hidroxicloroquina.
Mesmo assim, em 30 de junho, o secretário de atenção especializada à saúde, Luiz Otávio Franco Duarte, enviou um ofício endereçado à presidência da Fiocruz e à direção dos institutos Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) e Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), solicitando "a ampla divulgação desse tratamento, considerando que ele integra a estratégia do Ministério da Saúde para reduzir o número de casos que cheguem a necessitar de internação hospitalar para tratamento de síndromes de pior prognóstico, inclusive com suporte ventilatório pulmonar e cuidados intensivos".
O ofício diz ainda: "São medidas essenciais a tomar e divulgar: Considerar a prescrição de cloroquina ou hidroxicloroquina, mediante livre consentimento esclarecido do paciente com diagnóstico clínico de Covid-19, para tratamento medicamentoso precoce, ou seja, nos primeiros dias dos sintomas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)".
Em nota divulgada na quinta-feira, 16, o ministério confirmou que se trata "de ofício de caráter administrativo para orientar os institutos e hospitais federais sobre a Nota Técnica divulgada pelo Ministério da Saúde, que trata do enfrentamento precoce da covid-19". E acrescentou: "Cabe informar que a pasta divulgou novas orientações sobre uso de medicamentos, em que a prescrição permanece a critério do médico, sendo necessária também a vontade declarada do paciente".
Perguntado sobre as evidências científicas que embasam tal recomendação, o Ministério da Saúde não ofereceu nenhuma explicação. A pasta está sendo ocupada interinamente pelo general Eduardo Pazuello desde a saída do médico Nelson Teich há mais de dois meses. Tanto Teich quanto seu antecessor, Henrique Mandetta, deixaram o ministério por não concordarem com a recomendação da cloroquina no tratamento da doença, como sempre advogou o presidente Jair Bolsonaro. Diagnosticado com COVID-19 na semana passada, o próprio presidente já apareceu em uma live recomendando o uso do remédio.
Em nota divulgada nesta quinta-feira, 16, a Fiocruz confirmou o recebimento do ofício e informou que "está ciente das orientações do Ministério da Saúde sobre o uso “off label” (quando o fármaco é utilizado para uma indicação diferente daquela que foi autorizada pelo órgão regulatório, a Anvisa) da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a COVID-19". A instituição informou ainda que "entende ser de competência dos médicos sua possível prescrição".
No fim da nota, a Fiocruz lembra que participa,"por designação do Ministério da Saude, e é responsável no Brasil pelo estudo clínico Solidariedade, que avalia a eficácia de medicamentos para a COVID 19". O estudo, conduzido globalmente pela OMS, é aquele mesmo que concluiu pela ineficácia dos remédios.