Jornal Estado de Minas

Bons resultados

Testes com vacinas levam esperança à luta contra o coronavírus

Fiocruz é parceira no desenvolvimento de imunizante da Universidade de Oxford, que segue para última fase de testes em humanos (foto: Fiocruz/Divulgação - 2/6/20)


O esforço da ciência para encontrar uma vacina que livre o mundo da pandemia do novo coronavírus rendeu, ontem, uma série de boas notícias. O Brasil recebeu as primeiras doses de uma vacina desenvolvida na China, que será testada em Minas Gerais e outros quatro estados. Enquanto isso, os resultados de fases iniciais de testes clínicos de outra vacina testada no país, desenvolvida na Inglaterra, mostram que ela é segura e induz imunidade. Porém, os especialistas destacam que ainda há muito trabalho pela frente, e produzir e distribuir a vacina contra a COVID-19 em larga escala deve demorar.


Por volta das 4h20 da madrugada de ontem, o avião com as doses da vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech pousou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. O projeto é coordenado no Brasil pelo Instituo Butantan, que começa a aplicar hoje o material em voluntários para a terceira fase de testes clínicos da vacina chinesa. Cerca de 9 mil pessoas foram recrutadas para receber a vacina em Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal.

A terceira fase de testes deve durar três meses, e busca comprovar a segurança e eficácia da vacina contra a COVID-19. Se tudo der certo, a produção deve começar no início de 2021, segundo o governador de São Paulo, João Dória (PSDB). De acordo com o governo paulista, o Instituto Butantan tem capacidade de produzir 100 milhões de doses, que serão complementadas por mais 60 milhões vindas da China. O Sistema Único de Saúde (SUS) distribuiria o produto em todo o país.

Para o biólogo Atila Iamarino, pesquisa sobre efetividade do uso da máscara e do isolamento indica novo curso da doença (foto: TV Cultura/Divulgação - 1/4/20)


Em Minas, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Fármacos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) conduzirá os testes. A vacina é “uma das mais promissoras” no mundo, afirmou ontem o secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral. Por outro lado, ele apontou que vai demorar para que a vacina seja produzida e distribuída em massa. “O fato é que a tendência é de que tenhamos sim vacinas para o combate à COVID”, concluiu.


Outra candidata a vacina contra a COVID-19, que está sendo testada no Brasil, desenvolvida pela Universidade de Oxford e o grupo farmacêutico AstraZeneca, apresentou resultados promissores. Os pesquisadores divulgaram ontem que a vacina é segura e induz imunidade, com base nas duas primeiras fases de testes clínicos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é a iniciativa mais adiantada no momento.

De acordo com estudo publicado na revista científica The Lancet, os 1.077 voluntários que receberam a vacina produziram anticorpos e glóbulos brancos capazes de combater o coronavírus. Porém, ainda há muito trabalho pela frente. Nas primeiras fases, os pesquisadores não conseguiram determinar se a imunidade é duradoura ou realmente protetora. Além disso, cerca de 70% dos testados apresentaram efeitos colaterais, como febre e dor de cabeça.

O diretor de emergências da OMS, Michael Ryan, afirmou que os resultados divulgados pela Universidade de Oxford são positivos, mas reforçou que há um “longo caminho a percorrer” no esforço global para o desenvolvimento de uma vacina. Já o diretor-geral da organização, Tedros Adhanon, disse que os países precisam rastrear as pessoas que tiveram contato com infectados, para localizar novos casos e isolá-los rapidamente. “Não precisamos esperar por uma vacina, podemos salvar vidas agora”, disse.



Iniciativas A vacina inglesa está sendo aplicada em profissionais de saúde na linha de frente de combate à pandemia em São Paulo e Rio de Janeiro desde junho, como parte da terceira fase de testes. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) coordena a pesquisa no Brasil. A reitora Soraia Smaili prevê que a vacina pode ter o registro liberado em junho de 2021, se os testes forem bem-sucedidos. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fechou um acordo para produzir mais de 30 milhões de doses, antes do encerramento dos testes clínicos. Depois de comprovada a eficácia, uma segunda etapa do acordo prevê a produção de mais 70 milhões de doses.

Ontem, outro grupo de pesquisadores, da empresa chinesa CanSino Biologics, divulgaram resultados similares aos da vacina de Oxford. Também publicados na revista The Lancet, a segunda fase de testes clínicos indica que a vacina é segura e induz imunidade. Essa parte do estudo envolveu 500 voluntários em Wuhan, o epicentro original da pandemia do novo coronavírus. Agora, a pesquisa segue para a terceira e última fase de testes em pacientes humanos, que deve confirmar ou não se a vacina protege um grupo mais amplo de pessoas da COVID-19.

No momento, há 166 iniciativas de pesquisa para encontrar uma vacina eficaz contra a COVID-19 no mundo, segundo dados da OMS atualizados até ontem. Desse total, 142 estão em fase pré-clínica, sem testes em humanos. Outras 24 estão em uma das três fases de testes clínicos. Além das duas vacinas que estão sendo testadas no Brasil e daquela desenvolvida em Wuhan, outras pesquisas estão nesse grupo. É o caso da que está sendo desenvolvida pela farmacêutica Moderna, dos Estados Unidos. * Estagiário sob a supervisão da subeditora Marta Vieira


Receita para salvar vidas


A ciência também avança nos estudos sobre o combate à COVID-19 com as ferramentas de que a humanidade dispõe no momento, enquanto as s notícias definitivas sobre o desenvolvimento de uma vacina ainda devem demorar. Estudo publicado pela Universidade de Oxford indica que o distanciamento social e o uso de máscaras podem não apenas desacelerar a transmissão do novo coronavírus como também diminuir a gravidade dos sintomas de COVID-19 em pessoas infectados.


Mapa informativo que mostra a situação de Minas Gerais com o COVID-19 (foto: Mapa informativo que mostra a situação de Minas Gerais com o COVID-19)


Os pesquisadores estudaram um surto da doença entre 508 soldados na Suíça – a maioria homens de 21 anos. Eles foram divididos em dois grupos: um que foi infectado antes de fazer distanciamento e outro que contraiu o coronavírus durante o isolamento. Do primeiro grupo, de 341 soldados, 30% ficaram doentes. No segundo, com 154 integrantes, nenhum desenvolveu COVID-19, apesar da presença de anticorpos específicos para o SARS-CoV-2.

Na conclusão da pesquisa, os autores afirmam que o distanciamento social retarda a propagação do vírus em um grupo de adultos jovens e saudáveis, impede um surto de COVID-19, e também induz uma resposta imune. “O inóculo viral durante a infecção ou o modo de transmissão pode ser um fator-chave na determinação do curso clínico da COVID-19”, escrevem.

O biólogo Atila Iamarino, em uma postagem no Twitter, afirmou que o resultado da pesquisa é “fantástico”, e que se for replicado, “pode mudar o curso da COVID-19”. O divulgador científico explica que a conclusão do estudo sustenta a ideia de que a gravidade da doença depende da quantidade de vírus com a qual a pessoa entra em contato. “Quem tem contato com uma dose maior do coronavírus deve desenvolver uma inflamação mais rápida e mais séria. Aí, com a máscara e com distanciamento social, a dose é menor e a doença mais leve”, escreveu.


Segundo o biólogo, essa característica ajuda a explicar por que o aumento recente de casos não vem acompanhado de alta correspondente nas mortes. “Além de mais testes e tratamentos melhores, se quem contraiu o vírus estava se protegendo, poderia ser uma COVID mais leve”, argumenta. Iamarino afirma que se isso for confirmado, é possível diminuir a letalidade da doença. “No mínino diminuir internações já seria fantástico. Mas se diminuirmos a letalidade também, o número de vidas em risco seria muito menor”. Por fim, o cientista recomenda: “Fica em casa e usa a máscara”. (FQ)

Estudo atesta que remédio tem eficácia


Medicamento chamado SNG001 reduz em 79% o risco de desenvolvimento de uma forma grave da COVID-19, de acordo com resultados preliminares divulgados ontem pelo laboratório britânico que o produziu, Synairgen. Esse tratamento inalado usa interferon beta, uma proteína natural que está envolvida na resposta do organismo aos vírus.

O estudo realizado pela Universidade de Southampton em 101 pacientes concluiu que aquelas pessoas tratadas com esse medicamento têm 79% menos chances do que quem recebeu placebo de desenvolver formas graves da doença, ou seja, que precisaria de respirador artificial.


Os pacientes tratados com SNG001 têm duas vezes mais chances de se recuperar do que aqueles que receberam um placebo. Três dos pacientes (6%) tratados com placebo morreram, enquanto não houve mortes entre aqueles que foram tratados com SNG001.

O estudo foi realizado em amostra relativamente pequena de pacientes e ainda não teve revisão por pares, mas poderia revolucionar a maneira como a COVID-19 é tratada. Segundo o diretor-geral da Synairgen, Richard Marsden, pode representar um “grande passo adiante”. “Os resultados confirmam nossa crença de que o interferon beta (...) tem um enorme potencial como tratamento inalatório para restaurar a resposta imune dos pulmões, melhorando a proteção, acelerando a recuperação e combatendo o impacto do vírus SARS-CoV-2”, declarou o professor Tom Wilkinson, professor de medicina respiratória da Universidade de Southampton, que liderou o estudo.