Jornal Estado de Minas

COVID-19

Coronavírus: Ainda não há consenso se é possível ser infectado mais de uma vez


Há pouco mais de uma semana, um médico israelense afirmou que, três meses depois de se recuperar da COVID-19 — com dois testes negativos —, a doença voltou. O caso soma-se a outros relatos, incluindo no Brasil, de pacientes que foram infectados e, mais tarde, surpreendidos pelo que seria um novo contágio. Saber se o risco é real tem uma série de implicações: do regime de vacinação de um futuro imunizante às estimativas sobre o fim da pandemia.




 
Essa, porém, é uma resposta que a ciência ainda está buscando. Por um lado, alguns cientistas acreditam que é, sim, possível que uma mesma pessoa seja contaminada pouco tempo depois de curada da COVID-19. Ao mesmo tempo, outros defendem que a chance de isso ocorrer é bastante improvável.

Até agora, não existem estudos com humanos que confirmem ou descartem a hipótese. Provavelmente, isso não será feito, pois, na prática, seria preciso reinfectar deliberadamente um paciente, o que levantaria graves questões éticas. O que há, por enquanto, são pesquisas sobre casos específicos, como a que está sendo conduzida pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) com duas pessoas que voltaram a apresentar sintomas depois de curadas. Médicos da instituição fazem exames nesses pacientes para tentar encontrar pistas sobre o fenômeno.

Uma das poucas pesquisas que induziram um novo contato com o vírus para apurar a possibilidade da reinfecção foi publicada recentemente na revista Science e sugere que não há esse risco. O estudo foi feito com macacos rhesus, animais com organismo muito semelhante ao dos humanos e que serviram de modelo para os testes pré-clínicos da vacina de Oxford. Na pesquisa, os cientistas expuseram os animais ao Sars-CoV-2 e acompanharam a evolução do quadro. Todos foram infectados, apresentando sintomas da covid-19. Testes sanguíneos comprovaram o desenvolvimento de anticorpos contra a proteína spike, que permite a entrada do micro-organismo na célula do hospedeiro.





Os seis macacos sobreviveram e se recuperaram. Vinte e oito dias depois, os cientistas voltaram a expor quatro deles ao vírus — os outros dois foram mantidos como grupo de controle. Embora os animais tenham tido febre por um curto período, não havia sinais do Sars-CoV-2 nem de covid-19 em seus organismos. Na realidade, eles apresentaram uma quantidade maior de anticorpos do que os demais.
 
O resultado é animador, mas não suficiente para descartar os riscos, acredita Jeffrey Shaman, especialista em saúde pública da Universidade de Columbia. Depois de estudar registros epidemiológicos de quatro surtos de coronavírus na cidade de Nova York, o pesquisador afirma que não é incomum micro-organismos dessa família reinfectarem pacientes curados, mesmo que em um prazo inferior a 12 meses. Nesses casos analisados — que não incluem o Sars-CoV-2 —, os sintomas, ao ressurgirem, não eram menos graves. “Descobrimos que fatores genéticos podem ser um determinante maior da gravidade de uma infecção. Indivíduos que eram assintomáticos durante a primeira infecção não apresentaram sintomas durante as subsequentes, e membros da mesma família relataram gravidade similar dos sintomas”, relata. O artigo sobre a pesquisa aguarda a revisão por pares antes de ser publicado.

Imunidade curta


“À medida que a pandemia da COVID-19 progride, infectando milhões de pessoas em todo o mundo, uma questão-chave é se os indivíduos podem ser reinfectados. As evidências dos estudos sugerem que a imunidade desenvolvida após o contato com coronavírus é de curta duração e a reinfecção é comum em um ano”, diz Shaman. Contudo, ele destaca que não há evidências claras sobre o Sars-CoV-2, um vírus que tem surpreendido a ciência em vários aspectos.





A queda na contagem dos anticorpos específicos pouco tempo depois da recuperação do paciente foi constatada em estudos recentes. Um deles, de cientistas chineses e publicado na revista Nature Medicine, mostra que há redução acentuada na quantidade desses soldados do sistema imunológico apenas três meses depois da fase aguda da doença. 
 
Luis Ostrosky, professor de medicina e epidemiologia do Centro de Ciências da Saúde UT, em Houston, explica, porém, que não são apenas os anticorpos os responsáveis pela defesa contra vírus e bactérias. “Há relatos começando a surgir demonstrando que a resposta de anticorpos diminui ao longo de alguns meses. Por outro lado, temos outros estudos que mencionam que os anticorpos não são tudo, pois a resposta imunológica também depende das células-T. Portanto, as células do seu sistema imunológico são treinadas para responder a esse vírus”, diz.
 

Vírus pode ficar escondido

 
Embora as evidências científicas não confirmem a reinfecção por Sars-CoV-2, muitos se perguntam por que pacientes no mundo todo — na Coreia do Sul, há mais de 200 em investigação — voltam a testar positivo e/ou apresentar sintomas depois de supostamente curados. Rebecca Dutch, virologista e professora de bioquímica molecular e celular da Universidade de Kentucky, diz que há diversas hipóteses.





Alguns vírus, como o epstein barr, que causa herpes, podem se esconder em reservatórios das células e ficar latentes, exemplifica. Ou é possível — e mais provável, de acordo com ela — que fragmentos do RNA viral sejam interpretados como a presença da doença por exames de detecção em pessoas assintomáticas. No caso de pacientes que sofrem dos sinais da covid-19 meses depois de terem sido infectados, Dutch acredita que o tratamento pode ter reduzido a carga viral que, por algum motivo, como a queda da imunidade, volta a aumentar. “Ainda não se tem certeza de nada. Mas a reinfecção é pouco provável.”

A equipe do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), que pesquisa os dois pacientes supostamente reinfectados, também não apoia a ideia de um novo contágio. Em nota, os pesquisadores disseram que “os sintomas e os testes positivos em dois períodos diferentes poderiam ser explicados por: outra virose por um vírus diferente, que causaria confusão porque haveria ainda fragmentos inativos que permaneceram no corpo do paciente; pela longa permanência do vírus no corpo, com período de inatividade; pela reinfecção, hipótese ainda pouco provável por não ter sido constatada em nenhum outro caso registrado pela literatura médica internacional”.

Contudo, Rebecca Dutch destaca a necessidade de pessoas que já tiveram a doença continuarem se protegendo. “Temos de ser sábios e admitir que há o risco de podermos pegar esse vírus novamente a qualquer momento, até que tenhamos boas evidências da literatura para provar o contrário. Isso significa colocar máscara, manter o distanciamento social e seguir as precauções. É sempre mais prudente estar do lado da cautela”, afirma.





Três perguntas para Magali Meirelles
Infectologista e membro da Sociedade de Infectologia do DF

Alguns relatos de caso têm sugerido reinfecção pelo Sars-CoV-2. É cedo para saber se esse é um risco real?
A hipótese da reinfecção pelo Sars-CoV-2 ainda não foi confirmada pela ciência. Existem alguns relatos pelo mundo, inclusive no Brasil, que levantam essa possibilidade, mas existem outras hipóteses para pacientes que, aparentemente, pegaram a doença mais de uma vez nesse curto período de tempo. Certamente, uma parte dos relatos pode ser explicada por exames falso-positivos. Outros casos, por RT-PCR persistentemente positivo (o material genético do vírus pode permanecer por alguns meses no trato respiratório do paciente após a infecção, não significando doença ativa). De qualquer modo, é importante salientar que, ainda que se confirme a possibilidade de reinfecção, é bastante provável que essa seja uma situação de exceção, uma raridade dentro do total de casos da doença.

Mesmo se não houver reinfecção, por que alguns pacientes desenvolvem os mesmos sintomas mais de uma vez?
Descartando a possibilidade de reinfecção, outra possibilidade é uma infecção por outro vírus respiratório, como influenza, parainfluenza e outros coronavírus. Por isso, é importante que essas hipóteses diagnósticas sejam consideradas e, se necessário, investigadas em todo paciente que apresente quadro sugestivo de infecção pelo Sars-CoV-2, pois tratam-se de diagnósticos diferenciais da doença.

Depois de curado, quanto tempo o paciente permanece com imunidade?
Dentro do que se sabe hoje sobre a covid-19, o que temos de mais consistente é que a infecção forneça imunidade para o indivíduo por um período de, pelo menos, três meses após a doença, mas ainda carecemos de estudos que determinem com mais acurácia o grau e o tempo de proteção que a covid-19 confere contra novas infecções pelo novo coronavírus. Com mais tempo de estudo e observação da doença, que é nova para a ciência e para a humanidade, essas respostas certamente chegarão. (PO)