A Embaixada da Rússia no Brasil afirmou que está negociando um acordo sobre a vacina recém-registrada contra a COVID-19 com o governo do Estado da Bahia. Em nota, a Embaixada informou que, no dia 30 de julho, o chanceler russo, Sergey Akopov, participou de uma videoconferência com o governador baiano e presidente do Consórcio do Nordeste, Rui Costa, e o secretário de Saúde do Estado, Fábio Vilas-Boas. O tema da conversa foi uma possível parceria entre as instituições de pesquisa baianas e os centros científicos russos nos testes e produção do imunizante. Foi discutida também a possibilidade de outros estados da região se juntarem à negociação.
De acordo com o CEO do Fundo de Investimentos Diretos da Rússia (RDIF, na sigla em russo), Kirill Dmitriev, o RDIF está negociando diretamente com outras instituições de pesquisa, empresas e produtores brasileiros para estabelecer parcerias na distribuição de testes e medicamentos, bem como no desenvolvimento e produção da vacina contra o novo coronavírus. "Esperamos que daqui a pouco vejamos os frutos concretos desta cooperação. Pelo menos, por parte da Embaixada da Rússia no Brasil, garantimos que empenharemos todos os esforços para facilitá-lo", diz a nota.
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No fim de julho, o governador da Bahia já havia anunciado o apoio do Estado à testagem da vacina chinesa contra a covid-19, em parceria com o laboratório americano Pfizer. Os testes são feitos pelas Obras Sociais Irmã Dulce e pelo pesquisador Edson Moreira, responsável por um centro de pesquisa que está funcionando nas instalações da entidade, no bairro Dendezeiros, em Salvador.
De acordo com o governo, serão realizados 1 mil testes, sendo 500 com placebo e 500 com carga antiviral, para o início da fase 3 de testagem. Rui ainda garantiu que "é de interesse da gestão estadual inserir a Bahia nesse cenário de testes de vacina contra a covid, sejam vacinas desenvolvidas por organismos públicos ou por laboratórios privados, como o da Pfizer". "É importante que nós estejamos inseridos nos diversos fabricantes, para que possamos ter, em breve, a disponibilidade dessas vacinas aqui no Nordeste e na Bahia."
Além da Bahia, na terça-feira, 11, o governo do Paraná também demonstrou interesse na vacina russa e anunciou que vai assinar, nesta quarta, 12, um acordo com o Ministério de Saúde da Rússia para a produção do imunizante. O acordo prevê que o Estado realize testes, produza e distribua a vacina após a validação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vai analisar os resultados das pesquisas russas.
No entanto, a Anvisa afirmou na terça, 11, que não recebeu ainda pedidos de autorização para pesquisa ou de registro de vacina elaborada pela Rússia. "Desta forma, não é possível para a Agência fazer qualquer avaliação ou pronunciamento em relação a segurança e eficácia deste produto antes que tenha acesso a dados oficiais apresentados pelo laboratório", disse o órgão em nota.
Após a assinatura do acordo, segundo o governo do Paraná, o próximo passo é o compartilhamento do protocolo russo com a Anvisa no Brasil para a liberação das próximas etapas. O Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) deve ser um dos polos de produção e distribuição da imunização para a América Latina e representante técnico na parceria. O governo do Paraná discute parceria para desenvolver tanto a vacina da Rússia como da chinesa Sinopharm por meio do Tecpar.
Vacina recém-registrada e desconfiança da comunidade científica
O presidente Vladimir Putin disse, na terça-feira, 11, que a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a aprovar a regulamentação para uma vacina contra a covid-19, após menos de dois meses de testes em humanos. A aprovação abre caminho para a imunização em massa da população russa, ainda que o estágio final de ensaios clínicos para testar a segurança e eficácia não tenha sido concluído.
A velocidade com que a Rússia está se movimentando para lançar sua vacina destaca a determinação em vencer a corrida global por um produto eficaz, mas despertou preocupações de que pode estar colocando o prestígio nacional acima da ciência e segurança sólidas. Moscou, no entanto, afirmou que a aprovação é sinônimo da sua "proeza científica". ""Sei que funciona de maneira bastante eficaz, forma uma forte imunidade e, repito, passou em todos os testes necessários", disse Putin.
O governo russo anunciou que o nome da vacina aprovada é "Sputnik V". Essa é uma referência ao primeiro satélite orbital, lançado pela União Soviética em 1957, no contexto da Guerra Fria, e que deu início à corrida espacial. O nome também evocou como o governo de Putin viu a busca pela vacina - um motivo de orgulho nacional e competição em escala global, com laboratórios nos Estados Unidos, Europa, China e outros lugares também em busca de uma vacina em potencial.
De acordo com Kirill Dmitriev, CEO do Fundo Russo de Investimentos Diretos, Moscou vê o sucesso da Rússia em se tornar o primeiro país a aprovar uma vacina. Dmitriev informou ainda que o país já recebeu pedidos de mais de 20 países para 1 bilhão de doses do seu imunizante recém-registrado.
A principal vacina candidata russa até agora foi testada em pequenos ensaios clínicos iniciais projetados para encontrar a dose certa e avaliar a segurança. O imunizante foi administrado em cientistas que o desenvolveram, em autoexperimentação que é incomum na ciência moderna, em 50 membros do exército russo e alguns outros voluntários.
A maior parte do que os cientistas externos sabem sobre a vacina experimental vem de fontes indiretas e não de estudos médicos publicados pelos pesquisadores russos. Dmitriev reconheceu que, embora isso possa ser incomum em outros lugares, a Rússia é tradicionalmente reservada em seus esforços científicos. Mas, segundo ele, os resultados das fases 1 e 2 serão divulgados até ao final deste mês.
"Você tem que pensar um pouco sobre o sistema russo; depois que o Sputnik estava voando por cinco dias, apenas no dia cinco a Rússia reconheceu que havia um satélite voando", comparou.
Dmitriev disse que sua confiança pessoal na vacina da Rússia era tão alta que ele, sua esposa e seus pais, ambos com mais de 70 anos, foram cobaias. Ele informou que apenas sua esposa relatou uma febre leve na primeira noite após a imunização. Uma das filhas de Vladimir Putin também foi vacinada, segundo ele.
Após o anúncio do presidente russo, o diretor-assistente da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Jarbas Barbosa, afirmou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) está em contato com autoridades russas para obter e checar os dados de eficácia e segurança da vacina contra a covid-19.
"A princípio, o produtor da vacina tem de realizar ensaios clínicos de fase 1, 2 e 3. Isso é padrão no mundo todo. Não se pode utilizar uma vacina ou medicamento sem que essas etapas todas estejam cumpridas", afirmou o diretor durante coletiva da Opas, o braço da OMS nas Américas. Barbosa acrescentou que a entidade só pode recomendar uma imunização depois de passar pela pré-qualificação, que demanda analisar os resultados do teste.
Ministério da Saúde do Brasil mostrou postura cautelosa
O Ministério da Saúde também teve uma postura cautelosa em relação à vacina russa. A pasta considera que ainda não há provas de segurança e eficácia da vacina contra a covid-19 que justifiquem abrir negociações para a compra do produto com recursos do governo federal. De acordo com integrantes, uma nova reunião com fabricantes do imunizante russo deve ser realizada nos próximos dias.
A expectativa é que representantes da embaixada da Rússia participem do novo encontro, previsto para acontecer até a próxima semana. Na primeira conversa sobre a vacina, realizada há uma semana, técnicos do ministério questionaram sobre as características e estimativas de preço, além de demosntrar interesse em manter diálogo sobre o desenvolvimento dos imunizantes. As conversas iniciais foram feitas com representantes do Fundo de Investimento Direto da Rússia.
Na mesma data, o ministério recebeu representantes da farmacêutica chinesa Sinopharm, que tem um imunizante em fase 3 de estudos, a última etapa antes de a vacina poder ser registrada. Presente nas reuniões, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) demonstrou interesse em apoiar a pesquisa clínica das empresas da Rússia e da China.
Acordos já assinados no Brasil
Em seu relatório mais recente, divulgado no último dia 31, a OMS informou que há 165 vacinas sendo desenvolvidas para combater o novo coronavírus. Dessas, 26 estão em avaliação clínica, ou seja, iniciaram os testes em seres humanos. São cerca de 90 mil voluntários, por enquanto, que vão receber as doses. Seis das vacinas estão na fase 3, a última antes da conclusão. As outras 139 estão em um momento inicial, de identificar o agente causador e realizar testes em animais, como camundongos, por exemplo.
Duas das vacinas em estágio mais avançado tem participação de instituições brasileiras. O Instituto Butantã trabalha no desenvolvimento junto à farmacêutica chinesa Sinovac para produção e testes. Ao todo, nove mil voluntários vão receber a vacina em 12 centros de pesquisa. O governo estima que o estudo deverá ser concluído em 90 dias. Os testes começaram no Hospital das Clínicas no dia 21 de julho e já estão acontecendo também em outros centros, como o Emílio Ribas. Se os testes forem bem-sucedidos, a vacina pode começar a ser produzida no início de 2021.
Após o anúncio de que a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a aprovar a regulamentação para uma vacina contra a covid-19, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse que o Instituto Butantã não vai produzir a vacina registrada pelo governo russo.
Outro imunizante produzido no Brasil é o da Univesidade de Oxford, do Reino Unido. O acordo entre a fábrica Bio-Manguinhos, na Fundação Oswaldo Cruz, e a AstraZeneca, farmacêutica que adquiriu a vacina inglesa, foi anunciado no fim de junho.
Na última quinta-feira, 6, o governo federal liberou cerca de R$ 2 bilhões, via medida provisória, para viabilizar o processamento e distribuição de 100 milhões de doses da vacina inglesa pela Fiocruz. A pasta não descarta investir em mais de um modelo, mas ainda vê a droga da Oxford como a mais promissora.