Jornal Estado de Minas

EXPLICAÇÃO

Juíza envolvida em caso de racismo se desculpa e diz que foi mal interpretada

A juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, - que fez relação, em uma sentença de condenação, entre a raça de um réu e a participação dele em um grupo criminoso -, pediu “sinceras desculpas” e afirmou que a frase foi retirada de contexto. A conduta considerada racista está sendo investigada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR).





Por meio de uma nota de esclarecimento dedicada à Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), divulgada nesta quarta-feira (12), a magistrada pediu desculpas pelo acontecimento, manifestou que não quis discriminar o réu por conta de sua cor e disse que o seu parecer foi mal interpretado. 

“Em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor. Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença, ofendi a alguém. Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos defender”, se desculpou Zarpelon. 

Ainda segundo ela, a polêmica surgiu de uma “dubiedade” em uma frase retirada de um contexto maior. 

“A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa, composta por pelo menos nove pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos”, declarou.





A juíza também assegurou que a condenação é sempre resultado de provas constatadas após a investigação policial e não está ligada a cor da pele do suspeito. Além do réu em questão, outras seis pessoas foram condenadas pelos mesmos crimes no caso – todos apontados como integrantes do grupo criminoso. 

“Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos”, completou o esclarecimento. 
 
Confira na íntegra a nota da juíza:
 
A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.




 
O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.
 
A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.

Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.

A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.

Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.




A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.

Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.

O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.

Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém.

Entenda o caso

Uma advogada de Curitiba (PR) usou o Instagram para expor um caso de racismo em uma decisão judicial contra um cliente dela nesta semana. Na sentença, a juíza escreveu que o réu, um homem negro de 42 anos, é “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”. 





O trecho da decisão foi publicado no perfil da defensora Thayse Pozzobon. Após dizer que Natan Vieira da Paz é réu primário, o texto segue: “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”. Esse trecho aparece outras duas vezes na sentença.

Acusado de integrar uma organização criminosa que agia no centro da cidade, Natan foi condenado por furto. A pena é de 14 anos e dois meses.

A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) informou ao Estado de Minas que o Judiciário tomou conhecimento do caso nesta quarta-feira e que já instaurou um procedimento administrativo na Corregedoria-Geral da Justiça em relação à sentença. 
 
* Estagiário sob supervisão da subeditora Ellen Cristie.  

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