Com base em uma técnica patenteada há 101 anos pelo imunologista brasileiro Vital Brazil — a do soro antiofídico —, pesquisadores do Rio de Janeiro conseguiram obter uma substância que neutraliza o Sars-CoV-2 e poderá ser usada como tratamento de pacientes com COVID-19. Em vez de veneno de animais peçonhentos, o produto é o resultado de uma proteína desenvolvida em laboratório, que estimula a fabricação de anticorpos específicos contra o vírus. O resultado do estudo, ainda não publicado, surpreendeu os cientistas. Eles conseguiram obter até 50 vezes mais agentes de defesa contra o coronavírus, comparado ao plasma de pessoas que tiveram doença.
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Os testes, que envolveram pesquisadores de diversas instituições do Rio e tiveram financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), começaram em 27 de março, na Fazenda Vital Brazil, em Cachoeiras de Macacu, no interior fluminense. Cinco cavalos foram inoculados com a proteína S e, a cada semana, os cientistas faziam exames de sangue para detectar os níveis de anticorpos produzidos. O presidente do Instituto Vital Brazil, órgão do governo do Estado do Rio, e um dos pesquisadores, Adilson Stolet, conta que o processo é seguro e não coloca os equinos em risco. “Já fazemos o soro contra a raiva, por exemplo, que também é um vírus”, exemplifica. “O experimento com o plasma dos cavalos permite que o tratamento seja produzido em grande escala. Os animais não sofrem com a retirada de plasma”, afirma.
Jerson Lima, presidente da Faperj e um dos autores do estudo, apresentou, ontem à noite, o resultado aos colegas da Academia Nacional de Medicina. No evento, transmitido on-line, ele disse que, depois do sétimo dia de inoculação, a resposta imune dos cavalos foi pouca. “Após a segunda inoculação, aumentou e, à medida que as semanas se passaram, foi algo impressionante. No 42º dia, havia perto de 1 milhão (de anticorpos produzidos). Fiquei com inveja porque tive COVID-19 e nunca produzi anticorpos”, brincou.
Testes clínicos
O experimento durou 70 dias. “O próximo passo era verificar se esses anticorpos se mantinham depois que o plasma fosse processado”, relatou. Ao ser retirado dos animais, o sangue tem de ser purificado, e os anticorpos, isolados, um processo que pode perder parte das proteínas produzidas. “Vimos que, mesmo com o plasma processado, conseguimos quantidades acima de 100 mil.” Segundo Lima, a “questão de um milhão de dólares” foi saber se essas substâncias conseguiriam neutralizar o vírus. “Foi surpreendente verificar a alta capacidade de inativação do Sars-CoV-2”, comemorou.
Assim como Vital Brazil fez há 101 anos, a equipe de pesquisadores já patenteou a tecnologia e está em fase de organização dos testes clínicos, que dependem da aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde. O cientista contou que a capacidade de produção dos anticorpos e do soro é alta. Atualmente, há 10 cavalos para essa pesquisa no Instituto Vital Brazil. Enquanto o órgão pode processar grandes quantidades de plasma, o Coppe da UFRJ também fabrica a proteína S em larga escala.