"O crime contra a infância, que expõe misérias humanas e existenciais, interpela-nos a agir para minimizar a dor dessa criança, covardemente submetida ao mal. Há de se cuidar para que ela, desde já, encontre amparo psicossocial. Nessa perspectiva, a Igreja se coloca à disposição da criança e de sua família, com a mediação e a orientação da Promotoria da Infância e da Juventude. Nossas redes de instituição de ensino estão à disposição para, graciosamente, oferecer educação integral a essa menina, garantindo-lhe preservação da identidade e acompanhamento psicopedagógico especializado no horizonte do humanismo cristão"
Dom Walmor de Oliveira Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Um caminho mais seguro para a menina de 10 anos, moradora de São Mateus (ES), que foi estuprada por um tio, segundo a Polícia Civil do Espírito Santo, e teve a gestação de cinco meses interrompida no dia 17, com autorização judicial. A direção da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se pontifica a cuidar da educação integral da criança, oferecendo ainda acompanhamento psicológico. Conforme apurou o Estado de Minas, o objetivo da entidade, presidida pelo arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, é sempre manter a identidade da garota em completo sigilo para que nunca seja associada ao caso que comove o país por se tratar de gravidez na infância e causa polêmica devido à questão do aborto.
Na terça-feira, a CNBB encaminhou ao bispo da diocese de São Mateus (ES), dom Paulo Bosi Dal'Bó, um ofício com a proposta de educação e acompanhamento psicológico para a garota, a ser entregue ao Ministério Público do Espírito Santo. No mesmo dia, o documento foi protocolado na Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Comarca de São Mateus (ES).
A oferta da CNBB vale para qualquer estado brasileiro, pois há vários colégios católicos ligados à entidade espalhados pelo país, caso a família da garota decida pela mudança do Espírito Santo. Em qualquer localidade, todos os benefícios serão oferecidos de forma integral e gratuita.
Esta é a íntegra do ofício assinado pelo presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo: "O crime contra a infância, que expõe misérias humanas e existenciais, interpela-nos a agir para minimizar a dor dessa criança, covardemente submetida ao mal. Há de se cuidar para que ela, desde já, encontre amparo psicossocial. Nessa perspectiva, a Igreja se coloca à disposição da criança e de sua família, com a mediação e a orientação da Promotoria da Infância e da Juventude. Nossas redes de instituição de ensino estão à disposição para, graciosamente, oferecer educação integral a essa menina, garantindo-lhe preservação da identidade e acompanhamento psicopedagógico especializado no horizonte do humanismo cristão".
O documento explica também que a Igreja se prontifica a empenhar para que a criança supere as consequências da violência sofrida e tenha todas as condições necessárias para construir um futuro digno. E está também sensível à situação da família e aberta "ao diálogo com a Promotoria de Justiça para auxiliar no que for necessário".
Caso polêmico
A interrupção da gravidez na menina de 10 anos, após decisão do juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e Juventude de São Mateus, foi feita no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam-UPE), no Recife. Ao longo do dia 16, na frente da unidade de saúde, diversas pessoas se manifestaram a favor e contra o procedimento médico, que é assegurado pela lei em caso de estupro.
No dia 18, um homem de 33 anos foi preso em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Segundo a polícia, ele confessou o crime ao ser detido na casa de de parentes. Na ocasião, as autoridades capixabas informaram que os avós têm a guarda da criança, porque a mãe dela morreu e o pai está preso. "Esperamos que ele tenha a pena má- xima. A nossa função é tirar do convívio social essas pessoas que não têm condições de viver em sociedade. A menina tem apenas 10 anos. Ele disse que tinha um relacionamento com ela, mas isso não justifica. Ela não tem a menor capacidade de entender o que está acontecendo", disse, no dia da prisão, o delegado-geral da Polícia Civil do Espírito, José Darcy Arruda.
Ministério omite respostas
Brasília – O governo Jair Bolsonaro excluiu do último relatório sobre direitos humanos, o Disque Direitos Humanos, as informações sobre o encaminhamento e as respostas dadas a todas as denúncias de violações recebidas, entre elas as de violência infantil, feitas aos órgãos de apuração e proteção.
Divulgado em maio deste ano em referência a 2019 pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o relatório indica a formalização de 86.837 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, que representam 55% do total recebido e elevação de 13,9% em relação ao ano anterior. O relatório é feito pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, baseado em denúncias ao Disque 100, criado para receber informações sobre violação de direitos humanos no país.
As principais denúncias envolvem negligência (38%), violência sexual (11%), violência psicológica (23%), violência física (21%) e exploração do trabalho (3%), entre outras. O relatório indica também que 52% das violações acontecem na casa da criança/adolescente e que 69% dos abusos têm frequência diária. O governo não informa que encaminhamento deu às denúncias recebidas nem se tomou providências. O ministério informou apenas que foi "decisão editorial", mas que todas as denúncias recebidas são encaminhadas.
Nos relatórios dos anos anteriores, o índice de resposta é pequeno. Em 2018, por exemplo, apenas 13% das denúncias recebidas por conselhos tutelares, órgãos de segurança pública , corregedorias e outros receberam respostas. Os conselhos tutelares, mesmo sendo os órgãos mais acionados (26,3%), apresentaram o pior índice de resposta (10%). Em 2017, 15% das denúncias recebidas tiveram resposta, também na média. "Diante do caso da menina de 10 anos que teria sido violentada por quatro anos, essa questão dos retornos e encaminhamentos se torna ainda mais crucial", explica o advogado Ariel de Castro, integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe). “Demonstra também que temos sistema de proteção de crianças e adolescentes que não as protege. Um sistema falho e precário, com omissões ou até conivências de familiares e outros membros da comunidade”, completa o advogado.