Jornal Estado de Minas

Queimadas

Seca e o fogo criminoso devastam quase todos os biomas do Brasil



O Brasil arde, o fogo se alastra e santuários reconhecidos internacionalmente pela poderosa biodiversidade, beleza tropical e fonte de turismo se transformam em presa fácil das labaredas, virando cinzas e fumaça. Falta de chuvas, baixa umidade do ar e mãos criminosas acendendo a chama da destruição põem em risco ecossistemas como a floresta amazônica, na Região Norte do país, e o Pantanal, que se espalha pelos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste. A morte de animais é outra drástica consequência.



Os incêndios florestais no Brasil cresceram de forma assustadora ao longo de 2020 em quase todos os biomas, de acordo com informações registradas pelo Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe). De 1º de janeiro ao último domingo, o órgão registrou 130.406 queimadas no país, maior notificação para o período desde 2010, quando 182.170 focos de calor foram mapeados na mesma base de comparação.

Frente ao ano passado, a quantidade de incêndios nas florestas brasileiras já subiu 10%. Apenas entre domingo e ontem, os satélites do Inpe identificaram 8.944 ocorrências de fogo ativo. A área mais afetada pelo fogo em 2020 é a Amazônia. Até o último sábado, o Inpe registrou 60.675 incêndios na região, 8% a mais do que os registros no mesmo período de 2019 (56.085). 

As queimadas repercutiram no mundo, com críticas ao país publicadas em grandes jornais e telejornais. O francês Le Monde fez menção a “um verdadeiro desastre”, enquanto o espanhol El País destacou o ritmo recorre do fogo na Amazônia e o americano The New York Times apontou o desmatamento.



Segundo o Inpe, a área desmatada na Amazônia em razão do fogo foi de 1.359 quilômetros quadrados (km2) em agosto. O número é o segundo maior para o mês dos últimos cinco anos, perdendo apenas para agosto de 2019, quando as queimadas consumiram 1.714km² da floresta.

De todo o universo de focos de incêndio detectados pelo Inpe, as ocorrências na Amazônia representam 48%, seguidas daquelas relativas ao cerrado, que inclui boa parte do território de Minas Gerais, com 28,3%; e dos registros de chamas consumindo o Pantanal (11,3%). As três áreas, portanto, são alvo de 87,6% das queimadas.

O avanço mais alarmante do fogo é visto no Pantanal. Houve expansão de 210% do número de queimadas em relação aos números observados pelo Inpe de 1º de janeiro a 12 de setembro de 2019. Elas subiram de 4.660 para  14.489 focos neste ano.



A três meses e meio do término de 2020, o ano já é considerado o de maior índice de destruição pelo fogo para o bioma. 

Em Minas Gerais, a situação não é menos preocupante. Desde sexta-feira, nos municípios de Moeda e Itabirito, na Região Central do estado, bombeiros, brigadistas, policiais militares e voluntários tentam debelar as chamas na Serra da Moeda, monumento natural do estado que se estende da capital até Jeceaba, a 124 quilômetros de Belo Horizonte.

De acordo com as autoridades estaduais, a ação, provavelmente, é criminosa. Se lágrimas não apagam o fogo, pelo menos podem conscientizar a população, acredita Maria Aparecida Costa de Oliveira, cujo nome na língua do seu povo pataxó é Txahá Xohã ou Flor Guerreira. Desesperada com as queimadas, a moradora do Bairro Bonanza, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH, ressalta que “o fogo é sagrado” e não pode ser usado de forma errada para colocar em perigo a vida de todos os seres vivos.

Parcos recursos e crise aguda


Diante da gravidade da situação das queimadas, o Mato Grosso do Sul, que abriga a maior parte do Pantanal, decretou situação de emergência ambiental e recebeu, ontem, a visita do secretário nacional de proteção e defesa civil, Alexandre Alves, do Ministério de Desenvolvimento Regio- nal. O fogo afeta a população urbana, produtores rurais e extermina fauna e flora. Não bastasse atingir o Pantanal, as labaredas se propagaram em direção à Região Oeste do estado.





De acordo com informações da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Amazonas, a área mais afetada no estado está no Sul, que configura um cinturão do fogo com o Sul do Pará e o Norte do Mato Grosso, na chamada Amazônia Legal – dados mais recentes mostram que estão aí os trechos mais atingidos. Historicamente, essa região sofre grande pressão devido à expansão agropecuária, grilagem de terras, falta de regularização fundiária e outros fatores de alto risco para o meio ambiente.

Trata-se da maior seca registrada no Pantanal nos últimos 50 anos, com 12% da área consumida pelas chamas. Em todo o estado, 1,4 milhão de hectares do bioma e áreas de cerrado e mata atlântica foram queimados neste ano, conforme estimativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)/ Ministério do Meio Ambiente.

Com a publicação homologada por parte da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério de Desenvolvimento Regional, Mato Grosso do Sul receberá recursos federais para ampliar as estruturas de combate aos incêndios em seus 79 municípios. Diferentes planos de trabalho vão nortear as ações em todas as regiões de Mato Grosso do Sul.



Em visita à região, o secretário nacional de proteção e defesa civil, Alexandre Lucas Alves, disse que não faltarão recursos. “O que precisar vamos liberar. A ordem do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) é para que não faltem recursos.”

Tristeza Quem vê a situação de perto e com muita tristeza e preocupação é o belo-horizontino Ângelo Rabelo, militar reformado e presidente da organização não governamental Instituto Homem Pantaneiro. Ele chegou à região em 1983 e critica a falta de programas de prevenção: “Estamos lidando com fogo desde fevereiro, e não houve por parte do governo (em todas as esferas) mobilização maior para conter o fogo. Os brigadistas foram contratados em julho, em agosto começou o combate ao fogo”.

Residente em Corumbá (MS), Rabelo destaca como um dos efeitos mais nocivos a morte de animais. “No pantanal, perdemos muitos répteis, mas, em campo aberto, eles conseguem fugir. O problema maior é no Mato Grosso. Com as matas fechadas, os bichos não conseguem escapar e acabam sendo vítimas do fogo”, disse.





Apreensão A Polícia Federal atua no Mato Grosso do Sul para apurar responsabilidades criminal sobre as queimadas. Ontem, em Corumbá, foram aprendidos armas, munições e celulares na casa de um dos alvos da operação Matáá, realizada nessa cidade e na capital, Campo Grande. O objetivo é apurar a responsabilidade criminal pelas queimadas no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Conforme o site de notícias Campo Grande News, foram cumpridos 10 mandados de busca e apreensão contra cinco fazendeiros da região do Pantanal. Segundo a polícia, as propriedades dos alvos da ação ficam exatamente nas áreas em que os incêndios que devastam o bioma pantaneiro começaram. 

(foto: Arte EM)


Fósforo riscado no Norte e Centro-Oeste


As chagas incandescentes deixadas sobre a terra brasileira neste fim de inverno ferem de morte a floresta amazônica, que ocupa os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. No total da chamada Amazônia Legal, são 5,2 milhões de quilômetros quadrados (km2) ou 61% do território brasileiro.

Por trás da devastação ambiental na floresta amazônica e do pantanal mato-grossense há um ponto de ignição, a “mão do homem”, ressalta Ane Alencar, diretora de ciência da organização não governamental Instituto de Pesquisa ambiental da Amazônia (Impa), que atua na região. Com esse tempo seco e muito material combustível, “é preciso que alguém risque o fósforo para queimar, e tanto na Amazônia quanto no Pantanal isso ocorre”. Em primeiro lugar, a causa é o desmatamento e, em segundo, a queimada para limpeza da pastagem.



Segundo Ane Alencar, os focos de calor (fogo ativo) tiveram crescimento de 10% na Amazônia em relação ao ano passado, e o dobro no Pantanal. “O ano de 2019 já foi uma situação anômala, muito preocupante, com grande incidência de queimadas. Assim, o governo deve estar realmente preocupado, porque a situação é muito grave. O pantanal, por exemplo, nunca teve uma área tão grande atingida. Estamos vivendo isso tudo depois que o governo decretou uma moratória no uso do fogo. E agora o Exército está lá trabalhando para combater o fogo”, disse.

Crítico


Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a belo-horizontina Rita Mesquita, residente há 35 anos em Manaus (AM), destaca a região do cerrado como alvo também de incêndios neste inverno. Doutora em ecologia, ela não tem dúvida de que o Brasil vive o quadro mais crítico dos últimos anos. “A situação é resultado de uma condição climática, com o tempo muito seco, e a crise econômica, que obrigou não só o governo federal, mas também outros segmentos, a direcionarem recursos para outros setores que não a proteção ambiental”.

Para Rita Mesquita, a mudança de responsabilidade, já que agora há o Conselho Nacional da Amazônia, presidido pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, vai demandar um avanço na articulação entre todas as instituições envolvidas. “A partir de agora, temos que pensar no futuro e ver que essa situação não é única nem fora de padrão. Temos que pensar no que vem de agora em diante”, afirmou. Com formação em biologia, Rita destaca o enorme prejuízo para a fauna, “em especial para espécies ameaçadas e que são predadores de topo, a exemplo da onça, do lobo-guará e do peixe-boi”. (GW)




Depoimentos


(foto: Arquivo pessoal)


Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Impa)


“Os incêndios na Amazônia e no Pantanal, dois biomas diferentes, devem ser analisados de forma separada, mas há um ponto de ignição que liga os dois: o ser humano. Tem alguém colocando fogo! O desmatamento é uma das principais causas, assim como as queimadas para fazer a limpeza das pastagens como forma de manejo das áreas.”

(foto: Arquivo pessoal)


Ângelo Rabelo, presidente da Organização Não Governamental Homem Pantaneiro, de Corumbá (MS)

“A história do Pantanal é uma história de resistência e tenho certeza que o homem pantaneiro vai conseguir dar a volta por cima e se readequar. Temos aqui locais completamente secos, numa situação bem diferente do que é o Pantanal que conhecemos. Precisamos entender a nova dinâmica das águas e investir principalmente em prevenção.”

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