No último sábado, uma verdadeira operação de guerra começou a ser montada pelo Corpo de Bombeiros na Região Metropolitana de Belo Horizonte para tentar conter as chamas que, desde então, vêm destruindo trecho da Serra da Moeda. Até ontem, 4.200 hectares já haviam sido consumidos pelo fogo, sendo 1 mil dentro do Parque Monumento Natural Serra da Moeda, que corresponde a 50% da área total do maciço. Além dos militares, brigadistas e voluntários trabalham para conter o incêndio na região.
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Seca e o fogo criminoso devastam quase todos os biomas do Brasil"O fogo é sagrado e não pode ser usado de forma errada", diz educadora pataxóBombeiro com 10 anos de experiência defende educação para conscientizarA combinação de tempo seco com temperaturas altas, associadas ao vento, contribui efetivamente para a proliferação de queimadas. Apesar das características marcantes de setembro, um dos principais motivadores de incêndios é o próprio homem. Em Minas Gerais, de acordo com dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados 1.670 focos de calor somente de 1º de setembro até ontem.
O número é 44,5% maior que o registrado em todo o mês de agosto, quando o Inpe detectou 1.155 focos de incêndio pelo estado. Por outro lado, se comparado com os primeiros 14 dias de setembro do ano passado, o índice teve queda de apenas 2,45%, uma vez que em 2019 foram registrados 1.712 focos de calor no mesmo período. A menor estatística dos últimos cinco anos (2016 a 2020) foi aferida em 2016, quando 1.002 focos foram flagrados pelo satélite do órgão federal, chegando ao ápice em 2018, quando 1.860 ocorrências foram registradas.
Neste ano, dos 1.670 focos de incêndio registrados pelo Inpe nos primeiros 14 dias de setembro, 1.020 deles (61,1%) ocorreram em áreas de cerrado, bioma predominante em Minas. Outros 644 (38,6%) afetaram a mata atlântica. Apenas seis se deram na caatinga.
Na Serra da Moeda, uma das propriedades atingidas pelas chamas foi o Condomínio Santuário, localizado no próprio maciço florestal. Vídeos enviados ao Estado de Minas mostram como as chamas se aproximaram de residências. Em um dos imóveis estava a administradora Ana Carolina Queiroga. Ela contou que, apesar de as queimadas ocorrerem nesta época do ano, nunca havia visto um incêndio de proporções tão grandes quanto no fim de semana. Na noite de sábado, o fogo chegou perto da casa dela. Pouco antes, Ana, o marido e a sogra, de 82 anos, tentaram deixar o local, mas foram surpreendidos com a estrada bloqueada pelas labaredas.
“É muito ruim, porque você fica impotente diante daquela situação. Eu fiquei tão desesperada no sentido de tentar ajudar, que peguei balde para molhar em volta da casa. É claro que ajuda, mas eu falo assim, é uma impotência de uma tristeza que você vê”, disse Ana Carolina, ao falar sobre a reação ao ver as chamas próximas de sua casa.
Como os bombeiros não haviam conseguido chegar ao local das chamas naquele instante, brigadistas do próprio condomínio conseguiram aliviar a gravidade da situação próximo à casa de Ana Carolina. O trabalho de combate foi reforçado, de acordo com a moradora do local, com dois caminhões-pipa enviados pela Prefeitura de Moeda.
Naquele instante, a energia elétrica da região havia sido desligada, uma vez que o fogo poderia alcançar a rede ligada à casa. O fornecimento de água também foi interrompido, já que o fogo comprometeu os canos que garantiam a captação e distribuição do insumo. O controle das chamas, contudo, não apaga a memória dos momentos difíceis que a família enfrentou
Setembro quente
Entre os municípios que mais registraram focos de incêndio nos primeiros 14 dias deste mês, estão Uberaba e Uberlândia, no Triângulo Mineiro, com 83 e 41 notificações, respectivamente. Brasilândia de Minas, no Noroeste do estado, aparece em terceiro lugar, com 40 ocorrências.
Os meses compreendidos entre maio e agosto são os mais propícios para queimadas, uma vez que se trata de um período seco, sobretudo a partir de agosto, quando as temperaturas voltam a subir na reta final do inverno. Somente no mês passado, os bombeiros registraram 3.899 ocorrências de incêndios florestais em Minas, sendo 513 deles na Região Metropolitana da capital.
Ano passado, em todo o estado, no mesmo período, foram 3.177 notificações, o que significa aumento de 23% neste ano. Já em relação aos números da Grande BH, em 2019 foram 607 chamados envolvendo incêndios, ou seja, queda de 15%. No acumulado de 2020, entre janeiro a agosto, foram 12.640 chamados a ocorrências envolvendo incêndios florestais, sendo 1.723 na RMBH.
Nuvens de fumaça sobre a Zona da Mata
Na Zona da Mata mineira, os primeiros 13 dias de setembro deram mostra do quanto é preocupante o cenário dos incêndios florestais. Em 2019, foram 74 ocorrências relacionadas a queimadas atendidas pelo 4º Batalhão de Bombeiros Militar (4º BBM), sendo 43 delas na região da 1ª Companhia e 31 casos na área da 2ª Cia. Neste ano, o número subiu para 175 casos, elevação de 136%. Foram 135 boletins registrados na área de cobertura da 1ª Cia, que atende Juiz de Fora, Além Paraíba, Cataguases, Leopoldina e outros 34 municípios próximos, e 40 casos nos limites da 2ª companhia, responsável por Ubá, Muriaé, Viçosa e cidades do entorno.
Em Pará de Minas, no Centro-Oeste do estado, uma nuvem de fumaça pode ser vista de diversos pontos da cidade, principalmente nas áreas rurais. De acordo com levantamento realizado pelo Corpo de Bombeiros local, os registros de incêndio cresceram 79% neste ano. Em 2019, foram 114 focos registrados no município, enquanto em pouco mais de oito meses de 2020, o número de queimadas já chega a 150.
O comandante da corporação, capitão Lucas Ribeiro Maia, já havia uma expectativa em relação ao aumento das queimadas neste ano. “Tivemos mais chuvas no ano passado, que fizeram com que a vegetação aumentasse muito e, somado a isso, temos agora no mês de setembro as altas temperaturas e incidência de ventos muito intensos. Temos também, às vezes, pessoas que ateiam fogo de forma proposital”, afirmou.
Na Zona da Mata, a tenente Vanessa Leandro Filippo, do 4º BBM, ressalta o percentual muito baixo de queimadas e incêndios decorrentes de causas naturais. “A maioria dos casos são provocados pela ação do homem, que tem a falsa ilusão de ter controle da situação. A pessoa acha que, com ela, não vai acontecer, mas acontece, porque é muito fácil o fogo se espalhar, com as altas temperaturas que estamos enfrentando, associado à baixa umidade relativa do ar, vegetação seca e aos ventos fortes”, afirma.
Como uma das principais medidas de prevenção contra as queimadas e incêndios, a ser adotadas por toda a população, ela destaca a destinação correta do lixo. “Isso é um ponto básico de respeito à sua vida e à do próximo, bem como à fauna e flora. Jogar guimbas de cigarro pela janela do carro ou sacos de lixo deixados em local incorreto, com o sol e calor, abafados são focos de incêndio”, diz.
Ao fazer a capina dos lotes vagos, nunca se deve atear fogo aos restos de vegetação e folhas recolhidos, por menor que seja o resíduo. Em terrenos maiores, é necessário fazer os aceiros, faixas onde a vegetação foi retirada por completo da superfície do solo. A finalidade é prevenir a passagem do fogo para área de vegetação, para evitar queimadas ou incêndios. Ao fazerr fogueira em acampamentos, é importante fazer uma proteção com pedras no entorno e retirar as folhas secas.
No início do ano, devido às chuvas fortes que assolaram a Zona da Mata mineira, as ocorrências haviam diminuído bastante. Em Juiz de Fora, no mês de janeiro, foram 40 ocorrências no ano passado ante apenas três no mesmo mês, deste ano. Em fevereiro, 47 focos ocorreram em 2019 e somente um caso, em 2020. Há um ano, o destaque, nesses dois meses, eram as queimadas em pastos e produções agrícolas, bem como em lotes vagos. “No início do ano, as precipitações alagaram o solo e a vegetação estava bastante úmida. Além disso, a estiagem só começou mesmo em abril. De agora até o fim do ano, a previsão climática desenha um desafio pela frente e todos têm de fazer sua parte”, reforça a tenente.
Frente fria é esperada no sábado
O clima de deserto que predomina sobre a Grande Belo Horizonte e boa parte de Minas deve persistir pelo menos até sexta-feira. A umidade relativa do ar deve chegar aos índices críticos de 15% a 20% em praticamente todo o estado. Na capital, a mínima, ontem, foi de 14,4°C e a máxima passou dos 30°C. Uma frente fria deve alcançar o estado no fim de semana.
Os baixos índices de umidade relativa do ar podem ser comparados a de desertos como Atacama e Saara. “A previsão é de que siga assim até sexta-feira devido à atuação de uma massa de ar continental. Céu claro, sem nebulosidade, causando tempo seco e altas temperaturas”, explica Cleber Souza, meteorologista do 5º Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
A exceção nas previsões está na faixa Leste do estado, incluindo a Zona da Mata e os vales do Jequitinhonha, Rio Doce e Mucuri, onde há maior nebulosidade em virtude de umidade vinda do oceano e chances de chuviscos ocasionais na divisa com o Espírito Santo. Nas demais regiões, haverá tempo seco e altas temperaturas.
O tempo seco favorece o avanço de incêndios em vegetações, o que vem sendo recorrente durante este período de estiagem em Minas Gerais. Também ao longo desta semana, um ciclone de grande proporção que atua sobre o oceano deverá provocar rajadas de vento de até 50 quilômetros por hora no Sul de Minas e na Zona da Mata e deve ser capaz de movimentar árvores de grande porte. “Como o ciclone está atuando bem longe, no oceano, a influência é pouca, apenas na velocidade dos ventos mesmo”, esclarece Cleber.
O ciclone está na retaguarda de uma frente fria que já começou a atuar sobre o litoral do Sudeste. Ela deve chegar a Minas Gerais no fim de semana, sem provocar quedas bruscas na temperatura, mas capaz de aumentar a umidade e melhorar a qualidade do ar.
"O primeiro impacto da frente fria será um aumento na temperatura, que deve ser registrado no sábado em BH, com máxima prevista de 35°C. Isso porque ela separa o ar quente do ar frio e devemos sentir o quente. Depois, com o aumento da nebulosidade, a sensação de calor diminui e a qualidade do ar melhora", observa o meteorologista. *Estagiário sob supervisão da subeditora Marta Vieira