O feminicídio ocorrido em Ceilândia na tarde da última segunda-feira (14/9) marcou a vida de uma criança de apenas 4 anos, que viu a mãe ser atacada a facadas pelo pai. A garota, porém, ainda não pôde assimilar o crime bárbaro. “Ela acha que a mãe está no hospital, fazendo cirurgia, mas vai voltar”, conta Robson Eurípides, 52 anos, tio da menina.
O crime aconteceu dentro de um hospital particular, onde Shirley Rúbia Gertrudes, 39, havia marcado uma consulta com o pediatra. A mulher foi ao local acompanhada pelo ex-companheiro e pai da criança, Rafael Rodrigues Manuel, 35. Os dois chegaram a discutir brevemente dentro do consultório, quando o homem resolveu sair, buscar uma faca dentro do carro e entrar novamente na sala de consulta para desferir os golpes. Um deles atingiu o coração.
Tudo aconteceu na frente da criança e do médico. O hospital direcionou a vítima para o centro cirúrgico, mas ela não resistiu aos ferimentos. A filha recebeu um acompanhamento do Departamento de Psicologia do hospital. “Não sei o que vamos falar para ela daqui para frente. Não sei como contar que a mãe faleceu. Ainda não conseguimos nem pensar nisso”, diz Robson.
Braço direito
O irmão define Shirley como uma pessoa especial, braço direito da família. Essa é a primeira imagem que fica da vítima do ataque brutal, alguém que sempre esteve disposta a ajudar quem estivesse por perto.
“Somos cinco irmãos, todos com carinho muito grande, mas ela era especial para a gente. Ativa, comunicativa, trabalhadora, guerreira. Era uma mulher cristã que ajudava muito. Fiquei dois anos desempregado e ela me dava um pacote de arroz, uma palavra de força. A gente era muito pegado”, lembra o irmão.
Robson conta ainda que Shirley se doava muito ao trabalho. “Eu mandava mensagem para ela brincando, dizendo ‘cadê você, cabeçona? Sumiu’, e ela dizia que estava sem tempo com os dois serviços”. A mulher chegou a trabalhar como recepcionista no hospital onde foi assassinada, entre 2013 e 2017. Atualmente, ela atuava como segurança de uma outra unidade de saúde, na Asa Norte. Além da criança, ela deixa um adolescente, de 17 anos, fruto de outro relacionamento.
Ainda não há definição sobre o dia do enterro. “Vou ver minha irmã debaixo do chão, na terra e não sei o que vai ser de mim, mas Deus vai me dar força para ajudar a passar por isso e a cuidar da minha sobrinha, que gostava muito de mim”, afirma Robson.
Levantamento
O Correio mostrou que dezenas de famílias foram dilaceradas pelo feminicídio nos últimos cinco anos. Nesse período de tempo, 107 mulheres perderam a vida vítimas do crime de intolerância e 137 crianças e adolescentes tornaram-se órfãos devido aos assassinatos por preconceito de gênero no Distrito Federal.