Nove meses já se passaram desde que autoridades chinesas emitiram um alerta sobre casos de pneumonia de origem desconhecida, em dezembro do ano passado. Desde então, muito já se descobriu sobre a ação do novo coronavírus no organismo, mas ainda restam dúvidas.
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Brasil registra mais de 150 mil mortes por COVID-19Revoltados com abordagem policial, moradores depredam viaturaJustiça inocenta padre Robson de acusações de lavagem de dinheiro em TrindadeMinistro diz que governo ainda estuda dia de conscientização contra COVIDNo dia da coleta dos gametas, a equipe médica decidiu fazer exames nas doadoras, que estavam sem sintomas, e, após dois dias, os resultados deram positivo para o novo coronavírus. Curiosos para saber se o agente infeccioso teria entrado nas células reprodutoras, os médicos do Grupo Eugin conduziram análises posteriores com os óvulos, que já estavam congelados, e certificaram que não havia RNA do vírus dentro deles.
Para afetar tecidos, o Sars-CoV-2 tem de ter a capacidade de infectar células e se replicar, o que depende da presença de receptores como a enzima conversora da angiotensina-2 (ECA2) e basigina, por exemplo. Eles estão expressos na maior parte do trato reprodutivo feminino, como ovário e endométrio, e em outras partes do corpo. Outros vírus como o coronavírus humano 229E, Mers e Sars-Cov usam essas mesmas proteínas para entrar nas células.
"Estudaram se o vírus produziu o gene N, que é uma proteína do núcleo do vírus que ele produz, e o gene não existia. Se não tem o gene dentro dos óvulos, aparentemente o vírus não foi por ali. E também não viram aqueles receptores e essas proteínas, que facilitam a entrada do vírus, ocupados por pedaços dele. Tudo aquilo que se refere à passagem do vírus para dentro das células não estava ocupada por fragmentos do vírus", explica Eduardo Motta, diretor do Grupo Huntington, que integra o Grupo Eugin.
O médico afirma que a transmissão vertical (da mãe para o bebê) de outros vírus, como zika, HIV e da hepatite, já está bem estabelecida. Ela pode ocorrer durante a gestação, o parto ou pela amamentação. Mas ainda não há relatos de um vírus entrando em um gameta nem se sabe se, por meio de uma fertilização in vitro, o material genético contaminado de uma mãe poderia causar algum dano.
"Com relação à COVID-19, não existe confirmação de transmissão do vírus através dos gametas, nem pelas técnicas de reprodução assistida nem pela gestação espontânea", resume Paulo Gallo, especialista em reprodução humana assistida e diretor-médico do Vida - Centro de Fertilidade. Motta completa que não é possível ativar um vírus dentro de um óvulo ou embrião. "Esse estudo mostra que, talvez, a FIV possa ser um método seguro para pessoas com algum tipo de infecção viral." No entanto, ele pondera que essa confirmação ainda vai demandar muitos estudos.
O médico da Huntington explica também que mulheres que passam por estimulação ovariana têm os óvulos e, consequentemente, os receptores que atuam em favor do novo coronavírus ativados. Ainda assim, o trabalho indica que não há penetração do vírus na célula. Ao comparar o caso com os homens, Motta diz que a infecção por Sars-CoV-2 parece ser mais exuberante nos testículos, onde há relatos de atividade viral. Ele levanta uma hipótese: "os óvulos são células que foram formadas na vida intrauterina, portanto são células ainda em inatividade, ao contrário do espermatozoide, que o homem produz sempre novos".
Transmissão dentro do útero
Publicações científicas têm mostrado que a maioria dos bebês que nascem de mulheres com covid-19 não está infectada, mas um número pequeno de recém-nascidos testaram positivo. Os casos levaram cientistas a investigarem se existe a possibilidade de contaminação durante a gestação e, se sim, por quais mecanismos isso ocorre. A transmissão por meio da placenta é uma das principais apostas.
"Avaliar placentas de recém-nascidos com covid-19 é fundamental para determinar o papel potencial e a importância da transmissão transplacentária do coronavírus", disse David Schwartz, médico especialista em patologia placentária, em comunicado divulgado pelo Colégio Americano de Patologistas. Ele tem se dedicado a estudar o tema e afirma que os resultados de estudos recentes sugerem que, em casos raros, a transmissão transplacentária do coronavírus está ocorrendo.
O médico Paulo Gallo explica que, "quando a transmissão ocorre pela placenta, é porque ela é permeável a alguns agentes infecciosos, como sífilis, HIV, zika. Esses agentes infecciosos, já temos a certeza absoluta que passam pela placenta", diz. Essa passagem do vírus da mulher para o feto pode ocorrer precoce ou tardiamente, a depender do grau de infecção. "Para a COVID-19, ainda não temos evidência alguma da transmissão vertical", reforça o médico.
Cuidados devem continuar
Os autores do estudo do Grupo Eugin ressaltam que, apesar de não terem encontrado gene do coronavírus em óvulos, "não podemos excluir a possibilidade de múltiplas vias através das quais o Sars-CoV-2 pode infectar oócitos humanos". Porém, consideram a importância do achado, que sugere que a transmissão vertical pode não ocorrer por meio dos óvulos e que o manuseio desse material no laboratório pode não constituir um perigo aos profissionais de saúde.
Motta também destaca que os resultados não devem ser considerados um alívio, pois mais estudos são necessários. "Mulheres que engravidam ao longo da pandemia têm de entender que devem continuar com a proteção. Embora a transmissão vertical seja rara, se ela tiver a doença séria ao longo da gravidez, pode proporcionar riscos ao bebê e trabalho de parto prematuro."