A possibilidade de formação de um consórcio, por governadores e secretários de Saúde do Brasil, para compra e distribuição da Coronavac tende a ser mais um problema político do que de saúde e gestão públicas. O plano é visto com bons olhos por especialistas consultados pelo Estadão e o modelo não seria uma novidade total, uma vez que alianças como essa já existem, pelo menos desde 2015, para tentar reduzir a dependência de recursos da União. No caso atual, o ineditismo está no fato de a iniciativa ser resultado de ação descoordenada do governo federal.
"Essa história de consórcio não é nada de excepcional. Excepcional é ter os Estados fazendo isso em decorrência de uma atitude destrambelhada do presidente. Nem com o ministro general ele conseguiu se entender", diz Walter Cintra, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV). Para ele, é legítimo que governadores e secretários se organizem dessa forma, mas pondera que as discussões, mais no campo político, são precipitadas, pois ainda não se sabe quando uma vacina segura e eficaz estará disponível.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina também vê apenas vantagens nesse possível modelo para aquisição da coronavac. Ele afirma que, se o consórcio for consolidado, seria a primeira vez que um imunizante é adquirido diretamente pelos Estados e não pela gestão federal. "Acho que os governadores estão plenos de certeza", afirma.
Segundo ele, a vacina produzida pela Sinovac BioTech com o Instituto Butantan deve estar disponível, provavelmente, em janeiro "se tudo der certo" enquanto o imunizante da AstraZeneca feito em parceria com a Universidade de Oxford deve chegar somente em abril. "É importante que você tenha esse produto já à disposição da população."
Vecina observa que o único desafio dessa empreitada será político, caso o presidente Jair Bolsonaro pressione a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para postergar a análise do pedido do Butantan. "Isso poderia acontecer, mas espero que a agência use da sua autonomia, porque ela não é subordinada ao Ministério da Saúde nem ao presidente", diz o médico, que fundou e foi presidente do órgão regulador.
"Se tiver orientação nesse aspecto, aí de fato é barbárie. Se isso acontecer, é o pior dos mundos, é desestruturar as instituições. Interferência na Anvisa seria impensável, mas não duvido que possa acontecer", completa Cintra. O professor concorda que a desvantagem desse modelo de aquisição é não haver uma ação integrada entre governo federal e estadual. "É uma coisa grave Estados terem de se organizar porque o governo federal tomou uma posição prejudicial ao País."
Para os governadores e secretários, a barreira é conseguir recursos para viabilizar o plano do consórcio sem apoio da União. Representantes do governo paulista pediram aporte de R$ 1,9 bilhão ao Ministério da Saúde no projeto, mas o valor total pode ser maior do que isso. "Uma coisa é o dinheiro estar disponível para compra e, pelo jeito, não virá do governo federal, o que é complicado. A outra coisa é o processo de compra, que vai seguir as normas da lei 8.666, que regula a compra de qualquer ente público no Brasil. Talvez não seja licitação, mas certamente será dentro do que está previsto na lei", explica o professor da FGV.
Cintra avalia que o preço a se pagar por isso não sofrerá impacto se a aquisição for feita pelo consórcio, mas teria de ver a possibilidade de negociação. Vecina faz a mesma consideração e não vê perda em relação ao preço do imunizante. Ele também considera que os recursos necessários não são tão grandes. "O preço já está definido e adequado, em torno de US$ 3 ou US$ 4. Não vejo problema."
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