As milícias do Rio de Janeiro mantêm parcerias com as polícias, com facções criminosas e com igrejas evangélicas pentecostais, e agora tentam se infiltrar em prefeituras e Câmaras Municipais, segundo estudo da Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos - uma organização composta por pesquisadores de sete universidades do Rio, entidades civis, centros de pesquisa jurídicos e jornalistas.
O 1º seminário da Rede teve como tema "Milícias, grupos armados e disputas territoriais no Rio de Janeiro" e foi ao ar pelo YouTube ontem à tarde. O evento incluiu a nota técnica "Controle Territorial Armado no Rio de Janeiro", primeiro trabalho da Rede, criada em 2019. A nota alerta para os riscos que as milícias representam ao Rio - e, consequentemente, para o Brasil.
O estudo traça as origens do fenômeno. Ressalta que as milícias surgiram oferecendo segurança a moradores de áreas dominadas por traficantes. E assim "construíram sua identidade como antagonistas do tráfico, valendo-se, para tanto, do fato de que a guerra entre polícia e traficantes era uma fonte permanente de insegurança para os moradores das favelas".
Mas as atividades se expandiram e os milicianos passaram a controlar a venda de produtos básicos valorizados nas comunidades. Os exemplos são numerosos. "Há registro dessa atuação em serviços de transporte coletivo, gás, eletricidade, internet, agiotagem, cestas básicas, grilagem, loteamento de terrenos, construção e revenda irregular de habitação, assassinatos contratados, tráfico de drogas e armas, contrabando, roubo de cargas, receptação de mercadorias".
Diversamente de outros grupos, as milícias "têm como característica sua não especialização" e essa diversificação seria "um dos grandes propulsores econômicos das milícias e uma vantagem em relação aos concorrentes em cada mercado específico". O maior número de fontes de renda permite maior capacidade de imposição frente aos outros grupos armados, adverte o estudo.
Simbiose
O estudo constata ainda que, embora inicialmente adversários, milícias e facções criminosas se uniram em algumas áreas. "Mais recentemente já se observa um processo de simbiose entre tráfico e milícia." E tal simbiose modificou o comportamento dos traficantes, "que passam a impor em suas áreas práticas caras à milícia", quanto o da milícia, "incorporando a seus negócios o mercado do varejo de drogas".
A atuação da milícia no mercado de segurança, como ocorreu inicialmente, decorre da complacência das autoridades públicas responsáveis pela regulação e fiscalização desses mercados, adverte a nota. Além disso, enfatizam os pesquisadores, os milicianos parecem se infiltrar em nichos dos poderes executivos (sobretudo prefeituras) e, cada vez mais, em casas legislativas" - e assim "submetendo os poderes públicos a seus interesses privados e extralegais".
Respostas
Consultada pela reportagem sobre suposta aliança entre milicianos e policiais, a Secretaria de Polícia Civil afirmou, em nota, que não comenta estudos que não conhece ou que não sejam oficiais.
Mas destacou que "a atual gestão criou uma força-tarefa para coibir este tipo de crime" e que "em menos de um mês já foram realizados diversos serviços de inteligência, investigação e ação, resultando em operações complexas contra as milícias".
Também consultada, a Secretaria de Polícia Militar do Estado do Rio não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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