No início do ano, quando a primeira onda de COVID-19 começou a tomar forma e infectar a Europa, a partir de maio, o Brasil ainda não sofria tanto com os desgastes da pandemia. Desde então, com o passar dos meses, o cenário se inverteu. Com mais de 158 mil mortes, o país se tornou a segunda nação no mundo com maior número de óbitos provocados pelo novo coronavírus. Com o recente declínio de diagnósticos da doença respiratória, o Brasil passa agora por uma fase de reabertura de atividades econômicas e relaxamento de regras. Em contrapartida, a Europa enfrenta a segunda onda da COVID-19.
Nações que antes registram queda na mortalidade são obrigados a retomar medidas duras de restrição, como toques de recolher e lockdown. A população brasileira teme que o Brasil não tenha estrutura para enfrentar uma segunda onda do vírus e, na contramão disso, especialistas alertam para o fato de que o país ainda não saiu da primeira fase da pandemia.
O cenário preocupante fica evidente em Manaus, no Amazonas. Em sentido oposto ao de boa parte do país, aquele estado enfrenta a aceleração do número de casos de contaminação. Dentro do maior pronto socorro do Amazonas, o do Hospital 28 de Agosto, a enfermaria não tem mais leitos disponíveis. Imagens mostram que não existe espaço de circulação entre as macas. De acordo com a organização, 83% dos leitos estão ocupados. A situação ainda se agrava no hospital de referência para tratamento da COVID-19. Lá, a ocupação das unidades de terapia intensiva (UTIs) alcança 98% e em outra unidade, usada como retaguarda, 100% dos leitos estão ocupados.
O governo do Amazonas deu início, na segunda-feira, a um plano de contingência para aumentar o número de leitos. Segundo as autoridades locais de Saúde, em novembro e julho é comum a elevação dos casos de síndromes respiratórias no estado. Com isso, a COVID-19 se agravou nesse momento.
Em Minas Gerais, a Prefeitura de Itabirito, cidade da Região Central do estado, emitiu alerta sobre o risco de uma segunda onda da COVID-19 no município. A secretaria de Saúde e a Vigilância Epidemiológica da cidade consideram a possibilidade de que os registros da doença voltem a crescer ainda este ano. Estudos internacionais indicam que o segundo ciclo de infecções tende a surgir entre 90 e 100 dias após o fim da primeira onda, e entre cinco e seis meses depois do pico das infecções.
"Serão meses em que o monitoramento deve ser mantido com o mesmo rigor até aqui, e serviços estruturados não devem ser desmobilizados. Não é realista imaginar que a vacinação em massa comece em janeiro de 2021”, afirmou a prefeitura por meio de nota.
Significado A médica infectologista e mestra em saúde pública Luana Mariano explica que a segunda onda aparece quando o número de casos de contaminação diminui e, logo em seguida, volta a aumentar documentalmente. Ou seja, a capacidade de testagem não pode diminuir. Caso isso ocorra, o número não vai corresponder à realidade.
“O que aconteceu na Europa é que eles foram aumentando o número de testagem e por isso conseguiram verificar que as medidas não farmacológicas da pandemia, como distanciamento, a higiene de mãos, uso de máscaras e lockdown foram bem-sucedidos”, diz. “Ocorre que nenhuma economia consegue seguir essas medidas, o que acabou acontecendo na Europa. E com a reabertura, os números aumentaram de forma bastante expressiva. Essa é a definição de segunda onda.”
Segundo a especialista, para evitar risco de contaminação, não só pelo novo coronavírus, mas também pelo vírus da influenza, a melhor solução foi, então, investir em lockdown. Ela observa que a redução da mortalidade não significa queda de transmissibilidade.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Marta Vieira
Sem previsão de 2ª fase
A despeito do alerta europeu, o médico e membro da Sociedade Mineira Brasileira de Infectologia Carlos Starling garante que o Brasil ainda vive o primeiro pico da pandemia. “Ainda não saímos como país, estado e município da primeira onda. Nós estamos em plena pandemia, inicial. Uma segunda onda seria especulação e qualquer previsão pode ocorrer em erros”, explica.
Na avaliação de Carlos Starling, a lotação de leitos no Amazonas, embora assuste a população, caracteriza ainda um pico da primeira onda de COVID no Brasil. O médico infectologista explica que os picos, de fato, só caracterizam uma “banalização dos cuidados”, o que acaba gerando surtos epidêmicos localizados.
Starling ainda enfatiza que não existe previsão para uma segunda onda no Brasil. Diferentemente da primeira fase, que começou com pessoas trazendo o vírus de fora do país, a segunda começa dentro dos estados e municípios. “A contaminação vem de regiões onde o número de casos já baixaram e por isso as pessoas negligenciam e banalizam os cuidados.”
É o que também aponta o médico infectologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Unaí Tupinambás. Ele afirma que o Brasil está no “planalto” e explica que a quantidade de pessoas infectadas no país foi uma resposta surpreendente. Agora, com a diminuição, o país não chegou nas pequenas escalas e, sim, se estabilizou em escala intermediária. “Isso é perigoso, porque no primeiro sinal de queda, as pessoas começam a normalizar o cotidiano e voltar ao que era antes. Por isso, acredito que antes de acabar a primeira a onda, o número ainda deve aumentar, como está ocorrendo em Manaus”, afirma.
Unaí Tupinambás explica que para a primeira onda acabar é preciso “zerar”. O número de ocupação de leitos deve ficar abaixo de 10% e os registros de contaminação descerem a menos de 5 por grupo de 100 mil pessoas. De acordo com o especialista, Belo Horizonte corre o risco de novo pico na pandemia. “Felizmente, com dois meses de liberação de bares e restaurantes, as infecções não impactaram no número de leitos. O que é um bom sinal. Apesar disso, existe um número alto de casos por dia”, diz.
Para Luana Mariano, Starling e Tupinambás, a capital mineira tem a capacidade de receber uma eventual segunda onda da COVID-19. Luana afirma que isso não significa que os casos não vão progredir. “Uma segunda onda significa uma ocupação maior no número de leitos, uma sobrecarga maior no sistema e significa todo aquele processo que fez a gente considerar as medidas restritivas”, alerta. O Estado de Minas questionou à Secretaria de Estado de Saúde e a Secretária de Saúde de BH sobre a relevância das previsões, mas não obteve posicionamento até o fechamento desta edição. (AM)
Óbitos passam de 158 mil no Brasil
O Brasil registrou, ontem, 510 mortes provocadas pela COVID-19 apenas em 24 horas, elevando o total de óbitos atribuídos à doença respiratória no país a 158.456. Os números fazem parte do balanço de notificações divulgado pelo Ministério da Saúde.
De quarta-feira para ontem, foram contabilizados 28.629 novos diagnósticos de COVID-19. Com isso, o Brasil passa a registrar 5.468.270 de casos de contaminação pelo novo coronavírus. Desse universo, 4.934.548 (90,2%) representam a soma das pessoas que se recuperaram e 375.266 (6,9%) estão em acompanhamento, segundo o Ministério da Saúde. Outras 2.361 mortes permanecem sob investigação.
Em Minas Gerais, o novo coronavírus fez 8.872 vítimas, das quais 83 óbitos foram registrados em 24 horas. O número de infectados totaliza 353.311. Desse total de registros, 2.278 foram notificados em um dia. Os dados foram divulgados na manhã de ontem pelo Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG).
Segundo o boletim oficial, 322.163 pessoas se recuperaram da doença no estado e 22.276 casos estão em acompanhamento. Minas ainda registra 35.419 pacientes internados com COVID-19. Outros 317.892 cumprem isolamento domiciliar.
A pandemia se alastrou para 850 dos 853 municípios mineiros. Epicentro da pandemia, Belo Horizonte registra 46.290 casos de contaminação e 1.465 mortos.
Dólar vai a R$ 5,79
O dólar nunca esteve tão caro desde a implantação do real, em 1994. Na abertura, ontem, do mercado financeiro, a moeda ampliou o teto da valorização e alcançou R$ 5,79, maior cotação desde maio. Para conter a disparada, o Banco Central (BC) promoveu leilão de US$ 1,042 bilhão. No ano, o dólar encareceu 41,80%. Enquanto o câmbio decolou, refletindo o temor dos investidores com a nova onda de coronavírus na Europa, o lockdown na França e outras medidas restritivas, além da campanha eleitoral nos Estados Unidos, a bolsa brasileira sofreu queda de 4,25%, a maior desde abril, acompanhando o movimento nas bolsas de valores pelo mundo.