Sair da casa dos pais. Entrar na faculdade. Investir na carreira. Pagar todas as contas. Morar fora. Empreender. Casar. Começar uma família. Enfim, tornar-se independente. Tantas novas experiências em tão pouco tempo. Para a juventude, um semestre ou um ano é muito, ainda mais quando vem junto do distanciamento, do isolamento, do desemprego, das dificuldades financeiras, das incertezas e tudo mais que a pandemia traz.
Por aqui e lá fora, ganhou espaço o termo "geração pandemia", referente a esse grupo que nasceu cheio de expectativas para liderar um futuro melhor e agora se deparou com a maior crise de saúde do último século. No Brasil, as experiências vividas por jovens adultos em 2020 são influenciadas por desigualdades e outros tantos fatores. Vão de grandes dificuldades e planos congelados até redescobertas e mudanças que deram certo.
"Tinha planos de conseguir terminar a faculdade 'de boas' logo, arrumar estágio e me mudar. Mas a minha vida virou de cabeça para baixo", conta o estudante de Enfermagem Lucas Lino Pinheiro, de 21 anos, que vive em São Paulo. Demitido de um emprego em telemarketing em maio, não conseguiu recolocação profissional, trabalhos temporários, estágio remunerado ou acesso ao auxílio emergencial. "Fico frustrado. Tenho todos esses planos, mas não tenho perspectiva de avançar com eles."
Ele teve de desistir da ideia de não morar mais com a mãe e a avó. "A minha perspectiva é que, no próximo ano, seja a mesma coisa", lamenta. "Minha mãe não sofreu os efeitos (econômicos) da pandemia. Se tivesse, nem sei onde estaria." Ele continua na faculdade porque a matriarca passou a bancar a mensalidade.
Para não ficar parado, ampliar a experiência profissional e compensar a falta de aulas presenciais, Lucas começou a trabalhar de forma voluntária em um posto de saúde e, posteriormente, em um hospital público. "Entrei 'meio' em depressão por ficar em casa; estava ficando para baixo. Foi uma forma de reagir", diz. "Sinto prazer em ajudar."
Também com 21 anos e da capital paulista, Luana Cyrillo viveu mudanças ainda mais intensas, especialmente há dois meses. "Para mim, a pandemia foi boa. Saí de um relacionamento ruim, ganhei liberdade, meu dinheiro e tive a possibilidade de conseguir um lugar para morar com a minha filha (Kerolayne, de 1 ano)", relata.
Luana conseguiu se mudar com o que recebeu em transmissões ao vivo pelo TikTok, aplicativo popular entre adolescentes e que permite que seguidores deem "gorjetas" pelo conteúdo. "Comecei a fazer vídeos. Conversava (nas lives) sobre o meu dia, a minha filha, respondia coisas que me perguntavam", explica.
Agora, a jovem obtém renda com a venda de bolos caseiros e com a nova rotina como entregadora de aplicativo. "Tive essa ideia vendo o canal dessa menina (que exerce a mesma ocupação) no YouTube. Me falaram que dava para fazer de bicicleta." Os primeiros meses deram resultado e ela até planeja comprar uma moto, para ampliar as entregas. "É bom que tem horário flexível, por causa da minha filha", comenta. "Trabalho de terça a sábado, às vezes de domingo a segunda. O dia inteiro."
Ela diz que se encontrou e percebeu talentos na pandemia, como o da comédia, que explora nos vídeos no TikTok. "Tem sido tranquilo. Acho que a gente tem de tirar esse tempo para refletir sobre nós mesmos. Às vezes, a gente fica muito na bagunça, pela idade, o que é normal."
Novos dons. A frase de Luana também resume o momento da maquiadora e designer de sobrancelhas Karimã de Souza Santos, de 25 anos, e da arquiteta Marina Silva da Fonseca, de 26 anos, de São Paulo, que descobriram um novo ofício, criando a marca Cumbuka, de refeições em cumbucas. "Somos de áreas totalmente diferentes, não imaginávamos parar na gastronomia", conta Karimã. Elas investiram na nova empreitada após Marina ficar desempregada e Karimã ver a procura de clientes minguar.
Após começar a fazer terapia, para lidar com as consequências da pandemia, a maquiadora se descobriu na gastronomia. "A Cumbuka ainda não supre a gente para pagar todas as contas. Mas já fizemos vários planos. A gente começou a sonhar mais."
Os clientes vieram com um empurrãozinho de amigos e das redes sociais. Mesmo com a flexibilização da quarentena e a retomada de alguns trabalhos como freelancer, elas querem seguir com a marca. "Agora, a gente não consegue alugar um lugar, pelo custo muito alto, mas talvez com Cumbuka crescendo mais...."
O produtor de eventos Wil Amiden, de 31 anos, passou por experiência semelhante. Demitido em março, foi obrigado a trocar a rotina profissional de até quatro festas por semana por dias inteiros dentro de um apartamento. "Este ano, já tinha a agenda cheia de eventos. O meu setor foi o primeiro a fechar e vai ser o último a voltar", destaca.
"Fiquei um mês muito mal, sem chão, sem saber o que fazer. Ninguém estava contratando. Estava ganhando bem e, do nada, acaba tudo", lembra ele. "Tive medo de perder tudo o que tinha conquistado. Juntou com o meu pai tendo de fazer uma operação, precisei começar terapia."
Também pela pandemia e para ajudar no aluguel, Wil passou a morar com o namorado (além do irmão, com quem já dividia um apartamento) e recebeu uma amiga temporariamente. Aí veio a ideia de fazer marmitas saudáveis para vender, que virou a Mango Rosé. "Primeiro teve a insegurança. O ‘startar’ demorou muito. Pensei no início da pandemia, mas só tive coragem depois de três meses."
Com o aumento da demanda, ele já pensa em se dedicar em tempo integral ao projeto, mesmo após a pandemia. "Querendo ou não, a pandemia me transformou. Tive uma trajetória de sofrimento, mas, através de toda dor, vem a transformação."
Outro que se debruçou sobre o empreendedorismo foi o ator Junior Cabral, de 35 anos, de São Paulo, que tinha acabado que idealizar a marca de roupas Die Vibe (com tingimento artístico a tinta, que segue uma tendência que ganhou espaço na pandemia) quando viu todos os espetáculos em que atuaria serem suspensos. "De repente, tudo virou outra coisa. Me propus a aprender do zero. Não sabia fazer nada, não sabia costurar, não sabia absolutamente nada. Perguntava para as pessoas, assisti muitos vídeos no YouTube. Hoje, (cada peça) é quase como se fosse um filho."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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