“É uma explosão de vitórias”, diz o reumatologista Cristiano Zerbini sobre os resultados preliminares dos testes de fase 3 da vacina contra a COVID-19 produzida pela Pfizer em parceria com a empresa alemã BioNTech. À frente do Centro Paulista de Investigação Clínica (Cepic), ele conduz os ensaios clínicos realizados em São Paulo, que envolvem 2900 participantes. Outros 1500 voluntários são testados na Bahia, na instituição filantrópica Obras Sociais Irmã Dulce (OSID).
A primeira conquista foi divulgada na manhã desta segunda-feira (9) pelas gigantes farmacêuticas: a droga experimental demonstrou proteção superior a 90% contra o SARS-CoV-2 (vírus da pandemia). Zerbini classifica o índice de eficácia como praticamente inédito.
"Para se ter uma ideia, a FDA (Food and Drug Administration, órgão que equivale à Anvisa nos Estados Unidos) considera 50% de proteção como um bom índice para uma vacina. Uma droga com esse nível de eficácia já teria potencial para aprovação junto à agência. Nós esperávamos dessa pesquisa algo em torno de 70% de proteção. Então, 90% é uma surpresa muito agradável", comemora o pesquisador."
Segundo o cientista, o percentual indica que aqueles que receberam o imunizante produziram quatro vezes mais anticorpos que aqueles que já contraíram o novo coronavírus. “Via de regra, quem é contaminado pela doença produz anticorpos e fica imunizado por um tempo. Os estudos da Pfizer e da BioNTech, porém, mostram que quem tomou a dose experimental desenvolveu muito mais anticorpos que os infectados que se curaram”, explica Zerbini
O período de duração da imunidade conferida pelo fármaco, no entanto, é uma questão que permanece em aberto. “A ideia é que cada pessoa receba duas doses. Em quanto tempo ela precisará ser reaplicada - ou mesmo se isso será necessário - é um dado que ainda está sob investigação”, afirma o professor
Outra boa notícia é que, conforme as investigações, mesmo quando não foi capaz de evitar o contágio pelo vírus, o produto da Pfizer-BioNTech contribuiu para a amenização dos sintomas da virose. “Os pacientes desenvolveram a doença de forma mais branda, o risco de óbito foi significativamente reduzido”, diz o reumatologista.
Uma vez aprovada pela FDA, a droga deve chegar ao mercado em meados de janeiro. Zerbini conta que a agência deve começar a certificação da eficácia e da segurança do produto na terceira semana deste mês. O processo dura, em média, 60 dias. O pesquisador, contudo, não soube informar em que estágio estão as negociações entre as empresas farmacêuticas e o governo brasileiro.
Como a vacina age
Diferentemente de algumas vacinas já em fase avançada de testes no mundo, que usam o vírus inativo ou modificado para induzir a produção de anticorpos contra a COVID-19, o imunizante da Pfizer e da BioNtech utiliza-se do RNA do vírus. Especificamente, do RNA de uma proteína chamada “S”, encontrada nos spikes (ou espículas) do micróbio.
O pós-doutor em genética e professor da Faculdade de Medicina da UFMG, André Murad, esclarece que o SARS-CoV-2 se liga aos receptores das células humanas justamente por meio da proteína S.
O que os cientistas da pesquisa em questão fizeram foi sequenciar o código genético desse elemento para, posteriormente, inseri-lo dentro de uma espécie de microcápsula de gordura chamada lipossoma. As células englobam essa estrutura e, então, começam a produzir a proteína S.
“Assim, a nossa própria célula passa a fabricar a proteína Spike, que vai ser identificada pelo nosso sistema imunológico e provocar uma resposta: uma grande quantidade de anticorpos, que vão imunizar e proteger o organismo humano”, observa André Murad.
O especialista destaca, porém, que os resultados apresentados pelos ensaio clínico, apesar de promissores e positivos, ainda não permitem vislumbrar um parâmetro de imunidade permanente. Ou seja: é possível que sejam necessários reforços periódicos da vacina, uma vez que o vírus tende a sofrer mutações.
“Ele vai buscar se adaptar e, por isso, podem ser necessários constantes estudos. Não sabemos o que vai acontecer ainda. Mas a perspectiva é boa, a proteção deve durar ao menos um ano, possibilitando que as pessoas realizem suas atividades normalmente”, pondera o médico.
“Ele vai buscar se adaptar e, por isso, podem ser necessários constantes estudos. Não sabemos o que vai acontecer ainda. Mas a perspectiva é boa, a proteção deve durar ao menos um ano, possibilitando que as pessoas realizem suas atividades normalmente”, pondera o médico.
Bilhões de doses e dólares
A Pfizer e a BioNTech mantém contrato de US$ 1,95 bilhão com o governo dos EUA para entregar 100 milhões de doses de vacinas ainda este ano. Os laboratórios também fecharam acordos com a União Europeia, Reino Unido, Canadá e Japão.As doses começaram a ser fabricadas antes antes da comprovação oficial de eficácia. Até o fim de 2020, as empresas esperam produzir 50 milhões de frascos, suficientes para proteger 25 milhões de pessoas. A expectativa da Pfizer é liberar 1,3 bilhão de doses ao longo de 2021.
Se for mesmo disponibilizada ainda este ano ou mesmo no ano que vem, vacina contra a COVID-19 terá sido o imunizante produzido em menor tempo em toda história da humanidade. O recorde, até então, pertencia à vacina contra a caxumba. Desenvolvida pelo médico americano Maurice Hilleman, a droga foi lançada em 1967, após quatro anos de pesquisas.
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram