A série Violências foi dividida em três reportagens multimídias especiais do canal #PRAENTENDER, que traz vídeos explicativos sobre temas relevantes no Brasil e no exterior.
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A cultura do estupro diz mais sobre casos como o de Isabella do que aqueles em que ocorre uma relação sexual forçada e violenta praticada em um beco de rua escuro, por um estranho. Na maioria das vezes, o estupro ocorre dentro de casa, com o marido, namorado ou aquele cara que a mulher conheceu na balada. Trata-se de uma cultura que aceita a violação do corpo feminino e que muitas vezes nem elas mesmas identificam que foram vítimas de abuso.
“A gente vive em uma sociedade na qual as pessoas não entendem muito bem o que é o estupro. Existem várias maneiras de ter algum tipo de contato sexual e configurar estupro. Primeiro, a gente precisa pontuar que o estupro acontece principalmente dentro das casas das vítimas, com seus familiares. Em segundo lugar, não precisa haver penetração para haver estupro”, explica a advogada especializada em direito da mulher Fernanda de Avila e Silva.
O termo cultura do estupro tem sido usado desde os anos 1970 nos Estados Unidos, mas ganhou destaque no Brasil em 2016, após a repercussão de um estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro. No episódio, além de violentarem uma jovem, os criminosos ainda filmaram e divulgaram as imagens do estupro.
Relativizar, silenciar ou culpar a vítima são comportamentos típicos da cultura do estrupro. Na época, vários perfis nas redes sociais foram criados com postagens que questionavam uma suposta má conduta da jovem, acusando a vítima de ter provocado um crime quase “inevitável”.
Uma violência que vem do berço
A cultura do estupro está diretamenta ligada à socialização. À forma diferenciada como meninas e meninos são tratados desde a infância: a mulher precisa ser delicada e submissa. O homem, forte e agressivo. Uma história de berço onde machismo e violência contra a mulher crescem juntos. “As relações que conhecemos, qualquer tipo de relação social, é uma relação hierárquica de poder, onde existem pessoas que têm uma soma de capitais maior do que outros. Essas relações hierárquicas são constituídas por conta de uma socialização, seja ela masculina ou feminina”, explica a filósofa e socióloga Jéssica Miranda.Nessa perspectiva histórica, a mulher é colocada num papel de objeto. “Mulheres são socializadas para desejar ter um casamento, desejar ser aceita, desejar ser amada, desejar ser mãe. Ela só vai conquistar o valor humano, se for desejada. Para ser desejada, ela precisa se moldar às expectativas e aos desejos de um homem. Nesse processo, ela se mutila”, afirma.
E quando o assunto é prazer, a construção social também explica a discrepância de igualdade entre homens e mulheres. Ao homem é permitido conhecer o próprio corpo. À mulher, não. “O corpo da mulher vai ser sexualizado desde cedo, da mesma forma que se insere dentro de uma lógica de castração. A mulher é reduzida, é tirado o direito de desejar a liberdade da sua sexualidade”, explica Jéssica.
O que diz a lei
De acordo com o artigo 213 do Código Penal Brasileiro, estupro é constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. “Qualquer ato sexual sem consentimento, cometido com violência ou grave ameaça, é estupro. Pode ser uma passada de mão dentro da calcinha da vítima, se ela disse não, isso foi feito com violência ou grave ameaça, sem consentimento, é estupro”, ressalta a advogda Fernanda de Avila e Silva.
A pena para quem comete esse tipo de crime pode variar de seis a 10 anos de prisão. No entanto, se a agressão resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 17 anos, a pena vai de oito a 12 anos de reclusão. E, se a conduta resultar em morte, a condenação salta para 12 a 30 anos de prisão.
A pena para quem comete esse tipo de crime pode variar de seis a 10 anos de prisão. No entanto, se a agressão resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 17 anos, a pena vai de oito a 12 anos de reclusão. E, se a conduta resultar em morte, a condenação salta para 12 a 30 anos de prisão.
Essa lógica contraditória impede a mulher de conhecer o seu próprio prazer. “A gente não educa para sermos empoderadas da sexualidade. Ao mesmo tempo, numa sociedade púrica, onde o se masturbar é feio, pecado, não podemos tomar iniciativa”, comenta.
Para Jéssica Miranda, o estupro não é sobre sexo. É sobre poder. “O corpo da mulher é tratado como objeto que pode ser mercantilizado, negociado. É o corpo que é desumanizado”, diz. Segundo a socióloga, esse processo de esvaziamento do papel da mulher como indivíduo, no qual seus desejos são ignorados, abre caminho para o abismo da violência sexual em suas mais diversas formas. “Você não pode ter o controle da sua sexualidade porque ela pertence a um homem. Vai além da nudez da mulher, é a desumanização de tirar da mulher o poder dos seus próprios desejos, castrar”, avalia.
Um estupro a cada 8 minutos
O levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que no país ocorre 1 estupro a cada 8 minutos. Em Minas Gerais, de acordo os dados da segundo o Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais, de janeiro a setembro de 2020 foram 3.072 pessoas vítimas de estupro. Isso significa mais de nove vítimas de estupro por dia.
Em 2019, foram 5.265 e, em 2018, 5.672. Desses casos, 86,64% são do sexo feminino. Dessas, 57,50% tinham até 13 anos; 13,64% de 18 a 30 anos; e 9,20% acima de 30 anos. Na capital mineira, em 2020 foram denunciados 457 estupros de janeiro a setembro. No mesmo período de 2019 foram 704 e, em 2018, 692.
A estatística assusta, mas ainda está longe de revelar a realidade, pois há muita subnotificação de casos de estupro justamente pela dificuldade de identificar a violação – que podem ocorrer dentro de um relacionamento – ou por pelo medo de denunciar.