Entre janeiro e fevereiro de 2020, ele fez audições para musicais e diferentes testes para trabalhos artísticos. Diante do avanço do novo coronavírus, tudo foi cancelado em março. "Eu fiquei completamente sem emprego", relata.
Assim como tantos setores do país, a arte foi duramente afetada pela pandemia. Atividades como teatro, cinema e shows foram suspensas para evitar aglomerações.
Com medo de acumular dívidas, Vittor saiu do apartamento que dividia com amigos na região central de São Paulo (SP) e voltou para a casa da mãe, na periferia do município de Poá, no extremo Leste da Grande São Paulo.
O retorno à região em que cresceu representou um passo para trás para o ator e bailarino, que no passado havia saído de Poá ao conseguir se sustentar com o seu trabalho artístico.
Desempregado e sem perspectivas no começo da pandemia, ele baixou o TikTok, rede social que nos últimos anos se tornou febre em todo o mundo. "Mas eu nunca tive a intenção de virar influencer. Só queria começar a criar vídeos", comenta.
Logo na primeira publicação, em 21 de março, o jovem viralizou. Um vídeo em que ele dubla a rapper norte-americana Cardi B teve um grande alcance — atualmente, a publicação acumula mais de 1,1 milhão de visualizações apenas no TiKTok.
A partir de então, o artista criou diversos vídeos para a rede. Ele começou a fazer esquetes sobre o cotidiano.
"Tudo começou a dar muito mais certo do que eu imaginava. No começo, eu fazia brincando e não me via como criador de conteúdo. Mas tudo mudou muito rápido. Os vídeos foram viralizando cada vez mais", relata Vittor
Hoje, o ator e bailarino tem mais de 3,7 milhões de seguidores no TiKTok, onde acumula mais de 128 milhões de curtidas em seus vídeos. No Instagram, atualmente é acompanhado por 1,5 milhão de seguidores.
O que parecia ser apenas uma distração durante a quarentena se tornou a fonte de renda do jovem.
Em setembro, ele passou a ser agenciado pela Play9, uma empresa de conteúdo especializado em plataformas digitais, que tem como sócios o influenciador Felipe Neto, o jornalista João Pedro Paes Leme e o empresário Marcus Vinícius Freire.
A carreira artística
Desde pequeno, Vittor escutou que dificilmente conseguiria ser ator ou bailarino, por morar na periferia. "Não havia nenhuma referência por perto. Ninguém acreditava que havia muito futuro na arte", diz.
Na infância, a arte esteve presente na vida dele por meio televisão. O aparelho eletrônico era uma importante companhia para ele e para as suas duas irmãs — o ator é o filho do meio. A mãe acordava por volta das 4h para pegar conduções em direção a um edifício do centro da capital paulista, onde trabalhava como faxineira. Ela retornava às 23h.
Os pais de Vittor se separaram quando o ator tinha sete anos. Ele conta que o pai nunca foi presente em sua vida. "Ele nunca nos ajudou de nenhuma forma. Mais um no Brasilzão", ressalta, em referência às milhões de histórias de abandono paterno no país. Segundo ele, o pai nunca respondeu na Justiça pela falta de assistência aos filhos.
Na adolescência, Vittor começou a trabalhar como jovem aprendiz na prefeitura. No mesmo período, passou a fazer aulas de balé clássico. "No início, meus parentes não viam muito futuro na dança, porque não enxergavam que poderia ser uma profissão", relata.
Aos 18 anos, ele foi aprovado para integrar uma companhia de teatro musical. "Tive contato com muitos artistas que viviam da dança", comenta. Desde então, ele passou a integrar musicais, atuou em comerciais para a televisão e fez um filme, Divaldo: OMensageiro da Paz. "A arte era o meu único caminho a seguir. Não tinha como fugir disso", comenta.
Quando os trabalhos artísticos começaram a surgir, ele passou a viver da arte. "O que na nossa cabeça era impossível, se tornou verdade e passei também a ajudar a minha família", diz Vittor.
Ele se orgulha ao falar que conseguiu ajudar a mãe a concluir o ensino superior. "Ela se formou em Pedagogia e se especializou em Educação Especial", comenta.
A pandemia
O artista acreditava que o ano de 2020 seria como os anteriores: faria uma peça atrás da outra. "O que mais me mantinha financeiramente era estar em cartaz", diz. Mas os planos mudaram a partir de março. "Eu não tinha conseguido pegar nenhum trabalho, por causa da pandemia. Até quem tinha conseguido pegar algo não estava recebendo. Foi um choque."
Vittor, assim como milhares de artistas brasileiros, se viu perdido em meio à pandemia. "Muitos amigos passaram por situações bem difíceis, principalmente os que trabalham em teatros, porque estavam completamente fechados. Algumas pessoas começaram a cozinhar e vender comida, outras passaram a dar aulas online... muitos passaram dificuldades", relata.
De volta a Poá, Vittor buscou formas para passar o tempo. "Pensei: o que vou fazer preso em casa?", relata. A princípio, postou vídeos engraçados nos stories, do Instagram, para os amigos. "Vi uma possibilidade de me distrair e focar em outras coisas", diz. Na época, ele tinha pouco mais de mil seguidores.
"Nunca fui seguido por muitas pessoas nas redes sociais. Eram mais familiares e amigos. Postava uma coisa ou outra no Instagram, de vez em quando. Mas sempre eram publicações para os meus conhecidos", comenta.
Ao perceber que os amigos gostavam dos vídeos cômicos dele, Vittor decidiu começar a usar o TiKTok, um dos aplicativos mais baixados durante a quarentena. A rede social, que atualmente tem mais de 800 milhões de usuários pelo mundo, se tornou febre entre jovens nos últimos anos.
Depois do sucesso do vídeo dublando a rapper Cardi B, Vittor ganhou milhares de seguidores nas redes sociais. As publicações seguintes também agradaram o público. A partir de então, os números do jovem nas redes subiram cada vez mais.
Logo, Vittor passou a ser chamado de tiktoker, como são conhecidos os criadores de conteúdos famosos na rede social. "Foi tudo muito rápido", resume o artista.
A brincadeira ganhou ares de trabalho. Desde então, publica vídeos quase diariamente em diferentes redes: TikTok, Instagram e Twitter.
Para conseguir interpretar diferentes personagens, ele utiliza adereços como blusas ou toalhas na cabeça, bonés e toucas. Nos vídeos, o jovem usa um filtro que distorce a sua imagem e a sua voz.
Grande parte dos vídeos retratam situações relacionadas ao cotidiano de adolescentes ou jovens adultos, faixas etárias que formam a maioria do público que segue e comenta os conteúdos dele nas redes.
Em um dos vídeos, Vittor aborda de forma cômica as alterações feitas por muitas pessoas em suas próprias fotos por meio de aplicativos. "É o meu filho?", questiona a mãe, interpretada pelo ator, após ver uma imagem que o filho acabara de compartilhar nas redes sociais, com diversas mudanças estéticas.
Em outra esquete, o jovem vivido por Vittor lembra do aniversário da amiga. "Vou mandar parabéns", ele pensa. No entanto, a mente, interpretada também pelo ator, o aconselha a mandar mais tarde, pois ele tem até meia-noite para enviar a felicitação. Três meses depois, o rapaz se dá conta de que não parabenizou a amiga. "Meu Deus, os parabéns", se desespera.
O ator conta que a quarentena foi fundamental para que surgissem várias ideias de vídeos. "O período em que voltei a morar com a minha família me fez reviver muitas situações que eu havia esquecido", relata. "Também escrevo sobre os perrengues de morar sozinho", acrescenta.
Muitos dos vídeos de Vittor retratam situações que ele vivenciou. "Eu penso: não é possível que só eu passe por isso", diz.
Ele afirma que o que faz mais sucesso é quando retrata sobre situações vividas em família. "As pessoas sempre se identificam quando interpreto a mãe, porque a gente brinca que mãe é tudo igual, só muda o endereço", comenta. Segundo Vittor, muitos pais de seus seguidores costumam rir com os vídeos.
Os temas dos vídeos costumam ser definidos pelo ator. "É algo muito intuitivo", comenta. Recentemente, ele passou a contar também com o apoio de sua agência em seus conteúdos. "Posto de acordo com o que sinto, mas também analiso as informações das redes sociais e tenho a assistência da Play9", explica.
O artista compara a produção dos vídeos com o trabalho no teatro. Para ele, o conteúdo na internet é mais incerto. "No teatro há um tempo de preparação, muitas pessoas assistem e dão dicas antes da estreia. Na internet, o risco é maior, porque só descubro se uma coisa vai bombar depois que posto", avalia.
A vida de tiktoker
O sucesso nas redes sociais mudou completamente a vida de Vittor em meio à quarentena. A fama nas redes melhorou a situação financeira do jovem. Com isso, ele conseguiu deixar a casa da família em Poá novamente e se mudou para a Vila Olímpia, área nobre da capital paulista.
Os vídeos não trazem retorno financeiro diretamente ao influenciador, pois não são monetizados — diferente, por exemplo, do YouTube, que costuma definir uma remuneração com base em critérios como as visualizações do conteúdo. Assim, o influenciador recebe por trabalhos externos conquistados em razão da visibilidade que tem nas redes, como publicidades para diferentes marcas.
Nos últimos meses, Vittor fez diversas propagandas em suas redes sociais. Ele divulgou marca de roupas, aplicativo de relacionamentos, curso preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), banco, entre outras empresas.
"Hoje em dia estou vivendo do meu trabalho na internet. Nunca imaginei isso. Estou amando me aventurar nisso", comenta Vittor.
"Muitas empresas têm entrado em contato comigo para fazer publicidades. Mas eu faço uma peneira. Há muita coisa que não é interessante para a minha imagem. Não gosto de fazer campanha de coisas que eu não acredito", diz. Atualmente, a Play9 auxilia o jovem a escolher as publicidades que fará.
Junto com a fama, Vittor também teve que aprender a lidar com os comentários negativos. Na semana passada, ele decidiu responder algumas críticas que havia lido no Twitter, nas quais algumas pessoas disseram que não conseguem achar graça nos vídeos dele.
"Ninguém agrada todo mundo. Acha que eu vou chorar? Eu choraria se eu não estivesse conseguindo me sustentar e ajudar a minha família na pandemia com o meu novo trabalho na internet", escreveu no Twitter.
A resposta foi uma das raras vezes em que o ator comentou publicamente sobre os comentários negativos. Ele considera que recebeu poucas críticas desde que começou a fazer sucesso nas redes. "Acredito que recebo poucos comentários ruins porque meu conteúdo é leve. Mas se a crítica fizer algum sentido, dependendo do modo como for feita, posso absorvê-la", diz.
Ele confessa que ainda está aprendendo a lidar com o sucesso nas redes. Em breve, planeja começar a fazer terapia. "Quero me organizar melhor e dormir melhor. Às vezes é tanta coisa para fazer que atrapalha o sono", diz.
Ao avaliar os últimos meses, Vittor ressalta que além de ter conseguido mudar a própria vida, também tem cumprido seu papel como artista, por proporcionar um momento de alívio em meio à pandemia. "Tô felizão fazendo as pessoas que curtem o meu trabalho rirem", diz.
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