Horas após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciar o começo da vacinação no Estado em 25 de janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou, em nota, que só libera o uso da vacina após a análise de diversos documentos.
Entre os papéis exigidos, lembra a Anvisa, estão os de dados de "fase 3" da pesquisa para desenvolvimento do produto, que ainda não foram apresentados pelo Instituto Butantã, laboratório que participa do desenvolvimento da Coronavac em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac.
Nas entrelinhas, a nota reflete a posição da cúpula da agência de que Doria não pode atropelar o rito para liberação do uso de vacinas e de outros medicamentos. A agência reforça ainda que precisa finalizar o relatório de inspeção da fábrica da Sinovac, na China.
A vistoria foi feita na semana passada, in loco, por técnicos da autoridade sanitária brasileira, e o papel deve ser divulgado apenas entre 30 de dezembro de 11 de janeiro. Este relatório aponta se a farmacêutica tem ou não "boas práticas de fabricação". A mesma inspeção está sendo feita, nesta semana, na planta da AstraZeneca, também na China, de onde sairão insumos para fabricação do imunizante que é aposta do governo Jair Bolsonaro.
Dirigentes e técnicos da Anvisa receberam com surpresa o plano de Doria. Reservadamente, integrantes da agência dizem que os planos do governador ignoram o papel do órgão e podem lançar desconfiança sobre questionamentos que forem feitos antes de liberar ou não o uso da vacina.
A desconfiança entre a cúpula da Anvisa e o governo paulista é mútua. Integrantes do governo Doria também veem viés político em decisões da Anvisa. Reservadamente, um gestor da saúde paulista aponta duas razões para checar com lupa os movimentos da autoridade sanitária: a proximidade entre o presidente Jair Bolsonaro e o chefe da Anvisa, o médico e contra-almirante Antonio Barra Torres, além da recente indicação do o tenente-coronel Jorge Luiz Kormann ao cargo de diretor da agência.
"Número 3" na gestão do ministro Eduardo Pazuello, o militar faz coro a teses reprovadas pelo próprio órgão que poderá comandar. Como mostrou o Estadão, Kormann já curtiu mensagens, nas redes sociais, contrárias à Organização Mundial da Saúde (OMS) e também críticas à Coronavac.
A disputa se acirrou no começo de novembro, quando a Anvisa suspendeu testes da Coronavac. O governo paulista, à época, disse que a decisão foi exagerada. A agência afirmou que a suspensão seguiu protocolos, mas a desconfiança sobre a agência explodiu quando Bolsonaro comemorou, nas redes sociais, a parada nos estudos. No fim, a suspensão durou dois dias e os ensaios retomaram após a Anvisa receber parecer do conselho internacional de segurança que acompanha o desenvolvimento da vacina.
O governo paulista pretende pedir tanto o registro da vacina (que permite até a comercialização ao setor privado) como o uso emergencial, que vale apenas no SUS e para grupos restritos, como de profissionais de saúde e idosos.
O Instituto Butantan promete entregar os dados finais dos estudos da Coronavac em 15 de dezembro. Para conceder o registro definitivo, a Anvisa tem 20 dias para análise deste último "bloco" de informações. É comum que a agência trave a contagem do tempo para solicitar alguma informação para as desenvolvedoras.
Após passar pela Anvisa, a vacina ainda precisa receber um preço, o que é definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A análise deste órgão leva até 90 dias, em casos normais, mas a expectativa é de encurtar a análise para as vacinas contra a COVID-19.
Já na avaliação de uso emergencial, a Anvisa não dá prazos, mas espera ser mais célere. A agência precisa ter em mãos pelo menos dados preliminares dos estudos de fase 3, que provam mais de 50% de eficácia, e dar o aval para o público-alvo. Antes de submeter o pedido de uso emergencial, o Instituto Butantã precisa participar de uma reunião na agência.
"É importante destacar que para a solicitação de Autorização de Uso Emergencial é esperado que sejam apresentados minimamente os dados descritos do Guia sobre os requisitos mínimos para submissão de solicitação de autorização temporária de uso emergencial, em caráter experimental, de vacinas COVID-19", afirma a Anvisa em nota.
A possível compra da Coronavac pelo Ministério da Saúde também tornou-se motivo de briga entre Bolsonaro e Doria. Em outubro, o presidente fez Pazuello recuar e negar que investiria neste imunizante.
Pressionado, porém, Bolsonaro tem reconhecido que deve comprar vacinas que receberem registro da Anvisa. Nesta segunda-feira, 7, o presidente escreveu nas redes sociais que não devem faltar recursos para imunizar toda a população. "Em havendo certificação da ANVISA (orientações científicas e os preceitos legais) o governo brasileiro ofertará a vacina a toda a população de forma gratuita e não obrigatória. Segundo o Ministério da Economia não faltarão recursos para que todos sejam atendidos. Saúde e Economia de mãos dadas pela vida", escreveu Bolsonaro.
Abaixo, a íntegra da nota da Anvisa:
"Esclarecimentos sobre análise dos estudos da vacina Sinovac.
1. Até o momento, foram encaminhados dois conjuntos de dados de estudos de segurança e eficácia por meio do procedimento de submissão contínua. O primeiro foi encaminhado em 02/10/2020 e sua análise já foi concluída. O segundo foi encaminhado em 30/11/2020 e está em análise.
2. Não foram encaminhados dados relativos à fase III, que é a fase que confirma a segurança e eficácia da vacina. Esse dado é essencial para a avaliação tanto de pedidos autorização de uso emergencial quanto pedidos de registro.
3.A inspeção na empresa Sinovac foi concluída no dia 04/12: Após o final da inspeção, a equipe inspetora elabora um documento (Anexo III do POP-O-SNVS-001), onde são listados todas os achados da inspeção (potenciais não conformidades).
Este documento será formalmente enviado ao Instituto Butantan até 3 dias úteis após a inspeção. O documento deve ser respondido formalmente pelo Instituto Butantan em até 5 dias úteis após o seu recebimento.
Com base nas respostas fornecidas pelo IB, a equipe inspetora elabora o Relatório de Inspeção, o qual apesar de ter prazo procedimental máximo de 31 dias úteis, foi planejado nesta missão para que leve 10 dias úteis no máximo.
O Relatório de Inspeção é o documento conclusivo quanto à Certificação, podendo as conclusões deste levarem ao deferimento ou indeferimento da certificação.
Somando-se os dias apresentados, conclui-se que o Relatório de Inspeção deverá ser finalizado entre 30 de dezembro a 11 de Janeiro de 2020.
4. É importante destacar que para a solicitação de Autorização de Uso Emergencial é esperado que sejam apresentados minimamente os dados descritos do Guia sobre os requisitos mínimos para submissão de solicitação de autorização temporária de uso emergencial, em caráter experimental, de vacinas Covid-19."
Entre os papéis exigidos, lembra a Anvisa, estão os de dados de "fase 3" da pesquisa para desenvolvimento do produto, que ainda não foram apresentados pelo Instituto Butantã, laboratório que participa do desenvolvimento da Coronavac em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac.
Nas entrelinhas, a nota reflete a posição da cúpula da agência de que Doria não pode atropelar o rito para liberação do uso de vacinas e de outros medicamentos. A agência reforça ainda que precisa finalizar o relatório de inspeção da fábrica da Sinovac, na China.
A vistoria foi feita na semana passada, in loco, por técnicos da autoridade sanitária brasileira, e o papel deve ser divulgado apenas entre 30 de dezembro de 11 de janeiro. Este relatório aponta se a farmacêutica tem ou não "boas práticas de fabricação". A mesma inspeção está sendo feita, nesta semana, na planta da AstraZeneca, também na China, de onde sairão insumos para fabricação do imunizante que é aposta do governo Jair Bolsonaro.
Anúncio de plano foi surpresa
Dirigentes e técnicos da Anvisa receberam com surpresa o plano de Doria. Reservadamente, integrantes da agência dizem que os planos do governador ignoram o papel do órgão e podem lançar desconfiança sobre questionamentos que forem feitos antes de liberar ou não o uso da vacina.
A desconfiança entre a cúpula da Anvisa e o governo paulista é mútua. Integrantes do governo Doria também veem viés político em decisões da Anvisa. Reservadamente, um gestor da saúde paulista aponta duas razões para checar com lupa os movimentos da autoridade sanitária: a proximidade entre o presidente Jair Bolsonaro e o chefe da Anvisa, o médico e contra-almirante Antonio Barra Torres, além da recente indicação do o tenente-coronel Jorge Luiz Kormann ao cargo de diretor da agência.
"Número 3" na gestão do ministro Eduardo Pazuello, o militar faz coro a teses reprovadas pelo próprio órgão que poderá comandar. Como mostrou o Estadão, Kormann já curtiu mensagens, nas redes sociais, contrárias à Organização Mundial da Saúde (OMS) e também críticas à Coronavac.
A disputa se acirrou no começo de novembro, quando a Anvisa suspendeu testes da Coronavac. O governo paulista, à época, disse que a decisão foi exagerada. A agência afirmou que a suspensão seguiu protocolos, mas a desconfiança sobre a agência explodiu quando Bolsonaro comemorou, nas redes sociais, a parada nos estudos. No fim, a suspensão durou dois dias e os ensaios retomaram após a Anvisa receber parecer do conselho internacional de segurança que acompanha o desenvolvimento da vacina.
Uso emergencial é estratégia
O governo paulista pretende pedir tanto o registro da vacina (que permite até a comercialização ao setor privado) como o uso emergencial, que vale apenas no SUS e para grupos restritos, como de profissionais de saúde e idosos.
O Instituto Butantan promete entregar os dados finais dos estudos da Coronavac em 15 de dezembro. Para conceder o registro definitivo, a Anvisa tem 20 dias para análise deste último "bloco" de informações. É comum que a agência trave a contagem do tempo para solicitar alguma informação para as desenvolvedoras.
Após passar pela Anvisa, a vacina ainda precisa receber um preço, o que é definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A análise deste órgão leva até 90 dias, em casos normais, mas a expectativa é de encurtar a análise para as vacinas contra a COVID-19.
Já na avaliação de uso emergencial, a Anvisa não dá prazos, mas espera ser mais célere. A agência precisa ter em mãos pelo menos dados preliminares dos estudos de fase 3, que provam mais de 50% de eficácia, e dar o aval para o público-alvo. Antes de submeter o pedido de uso emergencial, o Instituto Butantã precisa participar de uma reunião na agência.
"É importante destacar que para a solicitação de Autorização de Uso Emergencial é esperado que sejam apresentados minimamente os dados descritos do Guia sobre os requisitos mínimos para submissão de solicitação de autorização temporária de uso emergencial, em caráter experimental, de vacinas COVID-19", afirma a Anvisa em nota.
Ministério e Coronavac
A possível compra da Coronavac pelo Ministério da Saúde também tornou-se motivo de briga entre Bolsonaro e Doria. Em outubro, o presidente fez Pazuello recuar e negar que investiria neste imunizante.
Pressionado, porém, Bolsonaro tem reconhecido que deve comprar vacinas que receberem registro da Anvisa. Nesta segunda-feira, 7, o presidente escreveu nas redes sociais que não devem faltar recursos para imunizar toda a população. "Em havendo certificação da ANVISA (orientações científicas e os preceitos legais) o governo brasileiro ofertará a vacina a toda a população de forma gratuita e não obrigatória. Segundo o Ministério da Economia não faltarão recursos para que todos sejam atendidos. Saúde e Economia de mãos dadas pela vida", escreveu Bolsonaro.
Abaixo, a íntegra da nota da Anvisa:
"Esclarecimentos sobre análise dos estudos da vacina Sinovac.
1. Até o momento, foram encaminhados dois conjuntos de dados de estudos de segurança e eficácia por meio do procedimento de submissão contínua. O primeiro foi encaminhado em 02/10/2020 e sua análise já foi concluída. O segundo foi encaminhado em 30/11/2020 e está em análise.
2. Não foram encaminhados dados relativos à fase III, que é a fase que confirma a segurança e eficácia da vacina. Esse dado é essencial para a avaliação tanto de pedidos autorização de uso emergencial quanto pedidos de registro.
3.A inspeção na empresa Sinovac foi concluída no dia 04/12: Após o final da inspeção, a equipe inspetora elabora um documento (Anexo III do POP-O-SNVS-001), onde são listados todas os achados da inspeção (potenciais não conformidades).
Este documento será formalmente enviado ao Instituto Butantan até 3 dias úteis após a inspeção. O documento deve ser respondido formalmente pelo Instituto Butantan em até 5 dias úteis após o seu recebimento.
Com base nas respostas fornecidas pelo IB, a equipe inspetora elabora o Relatório de Inspeção, o qual apesar de ter prazo procedimental máximo de 31 dias úteis, foi planejado nesta missão para que leve 10 dias úteis no máximo.
O Relatório de Inspeção é o documento conclusivo quanto à Certificação, podendo as conclusões deste levarem ao deferimento ou indeferimento da certificação.
Somando-se os dias apresentados, conclui-se que o Relatório de Inspeção deverá ser finalizado entre 30 de dezembro a 11 de Janeiro de 2020.
4. É importante destacar que para a solicitação de Autorização de Uso Emergencial é esperado que sejam apresentados minimamente os dados descritos do Guia sobre os requisitos mínimos para submissão de solicitação de autorização temporária de uso emergencial, em caráter experimental, de vacinas Covid-19."