Eu tenho uma regra simples para abordar histórias de "novas variantes" ou "novas mutações" do coronavírus. Eu pergunto: "O comportamento do vírus mudou?"
Ouvir falar de um vírus mutante parece instintivamente assustador, mas sofrer mutação e mudança é o que os vírus sempre fazem.
Na maioria das vezes, trata-se de um ajuste sem sentido.
Não há qualquer evidência clara de que a nova variante anunciada pelo governo britânico seja capaz de ser transmitida mais facilmente, causar sintomas mais graves ou tornar as vacinas inúteis.
No entanto, há duas razões pelas quais os cientistas estão de olho no que foi detectado no sudeste da Inglaterra.
A primeira é que os níveis de casos dessa variante são mais altos em locais onde há mais casos em geral do vírus.
É um sinal de alerta, embora isso possa ser interpretado de duas maneiras.
- O vírus pode ter sofrido mutação para se espalhar mais facilmente e está causando mais infecções.
- Mas as variantes também podem ter "sorte" ao infectar as pessoas certas no momento certo.
Uma explicação para a propagação da chamada "variante espanhola" do coronavírus durante o verão europeu foi simplesmente as pessoas pegando-a nas férias e trazendo-a para casa.
Serão necessários vários estudos em laboratório para descobrir se essa variante realmente se propaga melhor do que todas as outras.
A nova variante foi anunciada nesta semana pelo ministro da Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, após a identificação de quase mil casos ligados a essa mutação. Ele disse que a nova variante "pode estar associada" com o espalhamento mais rápido no sudeste da Inglaterra. Mas essa declaração não significa que essa mudança esteja "causando" um aumento das infecções e nem que o vírus evoluiu para ser mais facilmente transmitido entre as pessoas.
De que forma o vírus mutou?
Outra questão que está despertando a curiosidade dos cientistas é sobre o modo como o vírus sofreu mutação.
"Ele tem um número surpreendentemente grande de mutações, mais do que esperaríamos, e algumas parecem interessantes", disse Nick Loman, professor do UK Genetics Consortium.
Existem dois conjuntos notáveis %u200B%u200Bde mutação no Sars-CoV-2 (coronavírus que causa a doença covid-19).
Ambos são encontrados na proteína spike, que é a chave que o vírus usa para abrir a porta de entrada nas células do nosso corpo e sequestrá-las.
A mutação N501 altera a parte mais importante do spike, conhecida como "domínio de ligação ao receptor".
É aqui que o spike faz o primeiro contato com a superfície das células do nosso corpo. Quaisquer alterações que tornem mais fácil a entrada do vírus provavelmente serão uma vantagem para o patógeno.
"Parece ser uma adaptação importante", disse Loman.
A outra mutação — batizada de H69/V70 — apareceu algumas vezes antes, incluindo os visons infectados na Dinamarca.
A preocupação era que os anticorpos do sangue daqueles que sobreviveram ao novo coronavírus fossem menos eficazes na defesa contra a nova variante do vírus.
Mais uma vez, serão necessários mais estudos de laboratório para realmente entender o que está acontecendo.
Alan McNally, professor da Universidade de Birmingham, disse: "Sabemos que existe uma variante, não sabemos nada sobre o que isso significa biologicamente. É muito cedo para fazer qualquer inferência sobre o quão importante isso pode ou não ser."
Para ele, "não há motivo para histeria".
Jonathan Ball, professor de Virologia Molecular da Universidade de Nottingham, disse: "A informação genética em muitos vírus pode mudar muito rapidamente e às vezes essas mudanças podem beneficiar o vírus — permitindo que ele se transmita de forma mais eficiente ou escape de vacinas ou tratamentos — mas muitas mudanças não surtem efeito algum. Mesmo que uma nova variante genética do vírus tenha surgido e esteja se espalhando em muitas partes do Reino Unido e em todo o mundo, isso pode acontecer puramente por acaso".
"Portanto, é importante que estudemos quaisquer alterações genéticas à medida que ocorrem, para descobrir se estão afetando o comportamento do vírus e, até que tenhamos feito esse importante trabalho, é prematuro fazer qualquer afirmação sobre os impactos potenciais da mutação do vírus."
Depois do anúncio do governo britânico, o termo "covid-20" começou a viralizar nas redes sociais.
Para Willem van Schaik, diretor do instituto de microbiologia e infecções da Universidade de Birmingham, é importante "evitar qualquer dúvida (se é que existe alguma), isso não é uma covid-20. Covid-20 não existe. Isso é uma mutação/variação do vírus que causa a covid-19 e seu impacto na doença e na transmissão é completamente desconhecido".
Impacto nas vacinas
Mutações na proteína spike levam a perguntas sobre a vacina porque os três principais vacinas — Pfizer, Moderna e Oxford — treinam o sistema imunológico para atacar o pico.
No entanto, o corpo aprende a atacar várias partes da proteína spike. É por isso que as autoridades de saúde continuam convencidas de que a vacina funcionará contra essa variante.
Este é um vírus que evoluiu em animais e passou a infectar os humanos há cerca de um ano.
Desde então, tem passado por quase duas mutações por mês — pegue uma amostra hoje e compare com as primeiras da cidade chinesa de Wuhan e haveria cerca de 25 mutações de separação entre elas.
Ao longo de sua trajetória, o coronavírus ainda está testando diferentes combinações de mutações para infectar humanos de maneira adequada.
Já vimos isso acontecer antes: o surgimento e o domínio global de outra variante (G614) é visto por muitos como o vírus ficando melhor em se espalhar.
Mas logo a vacinação em massa colocará um tipo diferente de pressão sobre o vírus, porque ele terá que mudar para infectar as pessoas que foram imunizadas.
Se isso impulsionar a evolução do vírus, talvez tenhamos de atualizar regularmente as vacinas, como fazemos anualmente com a gripe sazonal, para manter o ritmo.
Segundo Anderson Brito, virologista do departamento de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, "os coronavírus evoluem principalmente por substituições de nucleotídeos" e "não fazem rearranjos genômicos como o vírus da gripe".
"Mas, e as vacinas? Provavelmente serão efetivas por mais de um ano", escreveu em seu perfil no Twitter.
*Com informações adicionais de Matheus Magenta, da BBC News Brasil em Londres
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