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Estado de Minas CHECAMOS

Texto sobre amostras falsas de COVID-19 contém informações incorretas

Além disso, a autoria do texto, que está circulando nas redes, é duvidosa


11/01/2021 12:27 - atualizado 14/01/2021 10:16

Publicações que circulam no Facebook pelo menos desde o último dia 29 de dezembro compartilham a reclamação de um suposto cientista de laboratório dos Estados Unidos com doutorado em Virologia e Imunologia, que afirma que a covid-19 é “fictícia” e “mais uma cepa de gripe”. O argumento do autor é de que, até hoje, “ninguém em qualquer laboratório do mundo jamais isolou e purificou este vírus em sua totalidade”. Mas o texto foi atribuído a diferentes pessoas e contém múltiplas imprecisões e argumentos sem base científica. 

Centenas de usuários do Facebook (1, 2, 3) compartilharam as declarações do suposto pesquisador norte-americano Joe Rizoli pelo menos desde 29 de dezembro de 2020. 

O texto diz: “Tenho doutorado em virologia e imunologia.  Sou um cientista de laboratório clínico e testei 1.500 amostras ‘supostamente’ positivas de Covid 19 coletadas aqui em S. Califórnia” e acrescenta que o coronavírus não foi encontrado em nenhuma das amostras. “O que descobrimos foi que todas as 1.500 amostras eram principalmente Influenza A e algumas eram Influenza B, mas não um único caso de Covid”.

Após argumentar que “os quatro artigos de pesquisa que descrevem os extratos genômicos do vírus Covid 19 nunca tiveram sucesso em isolar e purificar as amostras”, entre outros comentários, o autor do texto conclui: “Estamos lidando com apenas mais uma cepa de gripe, como a cada ano, COVID 19 não existe e é fictício”

Há também uma captura de tela do blog do suposto autor, o “Joe Rizoli opinions”, em que aparece o que seria o texto do pesquisador em uma versão traduzida para o português. No fim da publicação há um link para um grupo de discussão que seria a versão original da publicação em inglês, de 8 de dezembro.

Outras publicações  (1, 2) não mencionam nenhum autor e em outros casos atribuem o texto a um suposto cientista chamado Andrew Wye. A equipe da AFP fez uma série de buscas por esse nome e não encontrou nenhum resultado sobre esse suposto autor que, segundo a agência de checagem italiana Open, sequer existiria. 

Em espanhol, como também ocorreu em outras postagens em português, a mesma mensagem foi atribuída a Wye (1, 2).

O autor

Uma busca no Google pelo nome do suposto pesquisador, Joe Rizoli, não levou a nenhuma das universidades americanas citadas no texto (Stanford, Cornell e Universidade da Califórnia) nem a nenhum perfil relacionado a um profissional ligado à área da Saúde com esse nome. Na rede LinkedIn há um Joe Rizoli que se apresenta como um “especialista em transportes” para “RizoliTV”

No blog de Rizoli há, na seção de comentários da postagem compartilhada, uma nota em inglês na qual ele esclarece que o texto foi escrito por outra pessoa: “Eu não sou o criador deste post, eu apenas retransmiti a postagem, mas é muito difícil descobrir onde exatamente foi citado porque muitas dessas citações vêm do Facebook e de outros lugares, então identificar a postagem vai ser difícil. Se alguém puder encontrar a citação exata e o link eu agradeço porque não sou o cientista de laboratório, isso eu posso afirmar”.

Pelo conteúdo do seu blog, nota-se que ele aborda assuntos polêmicos e dedica bastante espaço ao tema da migração, inclusive com postagens em que ataca migrantes brasileiros nos EUA.

Em outra página com o nome de Joe Rizoli na internet há conteúdos semelhantes, incluindo um vídeo com menções a “RizoliTV”. Em abril de 2008, o portal G1 publicou uma notícia de que Rizoli e seu irmão gêmeo, Jim, defenderam a prisão de brasileiros em um programa de TV na região de Boston. Joe Rizoli também dedica algumas publicações ao Holocausto, que diz se resumir “basicamente a uma crença de pessoas que estão em uma seita”.

A publicação que nega a existência do novo coronavírus circulou em outros idiomas, atribuída a outro cientista. Em alemão, por exemplo, a AFP verificou uma versão do texto atribuída ao professor Robert Oswald, da Cornell University, no estado de Nova York. 

Oswald realmente existe, mas não é virologista nem imunologista, nem questionou a existência ou o perigo do novo coronavírus. O professor universitário de medicina molecular no Instituto de Medicina Veterinária ressaltou em seu perfil no site da Cornell que a “Covid-19 é real. Qualquer postagem no Facebook que sugira o contrário é uma piada e não é verdade”. O nome do cientista também apareceu em postagens em inglês.

Imprecisões 

Algumas imprecisões logo no começo do texto sinalizam que ele não foi escrito por um profissional da área da Saúde. O autor do texto diz, por exemplo, ter testado as amostragens “através do postulado de Koch”. Entretanto, o virologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fernando Motta, explicou à equipe da AFP que esse postulado não seria usado nesse caso por funcionar melhor para bactérias. “O postulado de Koch está aqui somente para dar um ar de ciência, alertou Motta. 

Captura de tela feita em 6 de janeiro de 2021 de publicação no Facebook
Captura de tela feita em 6 de janeiro de 2021 de publicação no Facebook

Isolado em laboratório

Outra de suas alegações é de que o vírus da covid-19 não foi isolado em laboratório, o que indicaria a sua inexistência. “Por pior que Covid seja em todo lugar, como é que ninguém em qualquer laboratório do mundo jamais isolou e purificou este vírus em sua totalidade?  Isso porque eles nunca encontraram realmente o vírus”, argumenta o autor do texto. 

Esse argumento é falso. O novo coronavírus foi, sim, isolado em laboratórios e seu código genético foi publicado em março de 2020 pelo Centro de Saúde Pública e Escola de Saúde Pública de Xangai, no GenBank, uma base de dados para sequenciamento de ácido nucleico. Os Centros de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos se referiram ao isolamento do vírus em um artigo de maio. 

No site da iniciativa Gisaid, que promove o compartilhamento de dados dos vírus da influenza e do novo coronavírus, há mais de 326 mil genomas deste último, obtidos de amostras positivas para SARS-CoV-2 e sequenciadas. 

O novo coronavírus “é o micro-organismo mais sequenciado da história da humanidade”, disse Motta. 

Na publicação, o suposto cientista de laboratório também sustenta que “todos os quatro artigos escritos na Covid 19 descrevem apenas pequenos pedaços de RNA que tinham apenas 37 a 40 pares de bases de comprimento, o que NÃO é UM VÍRUS”. No entanto, Motta explica: “O que temos é o genoma completo de cada uma dessas amostras”. 

“O material genético é purificado da amostra clínica do paciente. São feitos protocolos de sequenciamento do RNA, que codifica a informação genética do vírus. Desse modo, gera-se o genoma completo do vírus e a informação completa de cada uma das amostras”, detalha o virologista da Fiocruz. 

A afirmação de que “um genoma viral é normalmente de 30.000 a 40.000 pares de bases” é igualmente imprecisa. Segundo Motta, “os maiores genomas de vírus humanos são justamente os da família a que pertence o novo coronavírus, com mais ou menos 30 mil pares de base. O influenza, por exemplo, tem 18 mil pares de base”

Por outro lado, em uma busca no Google e no site das universidades mencionadas no texto viralizado, não foi encontrado qualquer estudo sobre amostras de covid-19 que teriam testado positivo para influenza

Mais uma cepa de gripe

Na publicação, o suposto cientista de laboratório afirma que quando ele e sua equipe analisaram 1.500 amostras que seriam de covid-19, o que descobriram “foi que todas as 1.500 amostras eram principalmente Influenza A e algumas eram Influenza B, mas não um único caso de Covid”. “Agora chegamos à firme conclusão, por meio de todas as nossas pesquisas e trabalhos de laboratório, que o COVID 19 era imaginário e fictício”, afirma. “Estamos lidando com apenas mais uma cepa de gripe, como a cada ano, COVID 19 não existe e é fictício”, conclui ao final do texto.

Amostras de células contendo o novo coronavírus SARS-CoV-2 no laboratório Stabilitech em Burgess Hill, Inglaterra, em 15 de maio de 2020 (Ben Stansall / AFP)
Amostras de células contendo o novo coronavírus SARS-CoV-2 no laboratório Stabilitech em Burgess Hill, Inglaterra, em 15 de maio de 2020 (Ben Stansall / AFP)

No entanto, como já esclareceu a equipe do AFP Checamos, os sintomas e as consequências da gripe não são iguais aos da covid-19.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o novo coronavírus é mais contagioso e se espalha mais rapidamente do que os virus que causam a gripe. Além disso, na covid-19 há maiores chances de casos da doença se tornarem graves, sobrecarregando os sistemas de saúde. 

Um estudo publicado na revista The Lancet Respiratory Medicine, em 17 de dezembro de 2020, comparou pacientes com covid-19 hospitalizados entre março e abril de 2020, com os internados com influenza durante o surto de gripe sazonal entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, e concluiu que há diferenças significativas entre a covid-19 e a gripe sazonal, não deixando dúvidas sobre a maior gravidade da primeira. 

Segundo o estudo, a mortalidade hospitalar foi significativamente mais alta entre os pacientes de covid-19 (16,9%), comparada aos de influenza (5,8%). Os pesquisadores apontam que pacientes hospitalizados com covid-19 foram mais propensos a desenvolverem dificuldade respiratória, embolia pulmonar e choque séptico, e que o tempo médio de permanência na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para covid-19 foi duas vezes maior do que para influenza. 

Em resumo, são falsas as publicações que circulam sobre um suposto cientista de laboratório norte-americano que afirma que a covid-19 é fictícia e se trata apenas de uma nova cepa de gripe. O texto compartilhado é de um autor desconhecido e a covid-19 tem diferenças importantes em comparação à gripe sazonal, incluindo a maior fatalidade


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