A situação da Saúde em Manaus, capital do Amazonas, segue em estado crítico. De acordo com profissionais que atuam no atendimento de pacientes de COVID-19, há hospitais sem oxigênio, o que teria causado a morte de pacientes.
Em Manaus, pessoas implorando por cilindros de oxigênio.
%u2014 Bora Conversar Política (@BCPolitica) January 14, 2021
Um dos adm é de Manaus e estive no mesmo local na metade de dezembro. Tudo estava relativamente tranquilo.
Em 3 semanas, o mesmo local vive o caos.pic.twitter.com/LIYS2Zw7SW
“Estão relatando efusivamente que o oxigênio acabou em instituições como o Hospital Universitário Getúlio Vargas e serviços de pronto atendimento, como o SPA José de Jesus Lins de Albuquerque. Há informações de que uma ala inteira de pacientes morreu sem ar”, disse o pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, em entrevista à Folha de S.Paulo. Orellana é graduado em enfermagem, mestre em Saúde Pública e doutor em Epidemiologia.
“Acabou o oxigênio e os hospitais viraram câmaras de asfixia. Os pacientes que conseguirem sobreviver, além de tudo, devem ficar com sequelas cerebrais permanentes”, completou.
Ele afirma que tem recebido vídeos, áudios e telefonemas de pessoas que atuam na linha de frente de unidades de saúde, com relatos dramáticos.
Em um desses vídeos (veja acima), divulgado nas redes sociais, uma mulher faz apelo dramático na Policlínica José de Jesus Lins de Albuquerque, no Bairro da Redenção, na Zona Centro-Oeste de Manaus.
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“Não tem oxigênio. É muita gente morrendo. Pelo amor de Deus! Peço que vocês disparem este vídeo. Por favor!”, diz a mulher, desesperada.
A gravidade da situação nas unidades de saúde da cidade foi confirmada à Folha por Sylvio Puga, reitor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), que administra o Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV). Pelo menos 30 pacientes devem ser transferidos para o Hospital Universitário de Teresina, no Piauí, nesta quinta, em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira).
A infeliz previsão é de que outros pacientes podem morrer por falta de assistência nas próximas horas. Uma profissional da Saúde que não quis se identificar declarou que há pacientes recebendo oxigenação de forma manual, já que os respiradores estão sem oxigênio.
De acordo com ela, cada profissional consegue “ambuzar” (fazer a oxigenação manual) um paciente por no máximo 20 minutos, quando tem que ceder lugar a outro técnico, o que torna a rotina de procedimentos arriscada, insuportável e caótica. A informação também foi confirmada por Sylvio Puga.
Pacientes tratados em casa
“Tive medo de a minha mãe morrer nos meus braços”, conta Marcos Fonseca Barbosa, médico de Manaus, que optou por tratar na própria casa de sua mãe, gravemente doente com o novo coronavírus, por falta de leito nos hospitais.
Como médico de emergência, Marcos, de 36 anos, tentou que ela fosse internada em uma unidade de terapia intensiva na semana passada, mas o hospital público 28 de Agosto estava completamente saturado pela constante chegada de novos pacientes, em uma cidade onde o número de infecções por COVID-19 aumentou exponencialmente no início do ano.
A mãe dele, Ruth, de 56 anos, “estava com febre, passando mal. Me apresentei como médico, mas eles nos deixaram esperando por quatro horas, sentados em cadeiras de plástico”, disse.
“Não posso culpar os meus colegas porque é uma zona de guerra”, admite este médico que trabalha em várias clínicas privadas, também saturadas pela pandemia.
Caos pela segunda vez
Com 2 milhões de habitantes, Manaus já vivenciou cenas de terror nos meses de abril e maio do ano passado, com valas comuns cavadas em cemitérios públicos e caminhões refrigerados instalados fora dos hospitais para preservar os corpos dos mortos.
Mas a situação está pior desde o início do ano: entre 1º e 11 de janeiro, foram registradas 1.979 novas internações por coronavírus, contra 2.128 em abril de 2020, pior mês desde a chegada da pandemia.
Os enterros dos mortos por COVID-19 também batem recordes: nos primeiros 10 dias de 2021 foram registrados 379, mais do que os 348 de maio.
Improvisar em casa
“Nunca teria imaginado uma situação como essa, nem mesmo nos meus piores pesadelos”, diz Marcos.
Ao perceber que a mãe poderia morrer por falta de leito na UTI, ele assumiu o controle da situação. ”Estava desesperado, tinha medo que minha mãe morresse nos meus braços, numa cadeira de plástico. Num impulso, peguei no braço dela, coloquei no carro e voltei para casa”, lembra.
“Liguei para todos os meus amigos e ex-pacientes que tratei em casa para pedir ajuda”, diz.
Então, ele conseguiu um cilindro de oxigênio e um ventilador mecânico não invasivo, que instalou ao redor de um leito hospitalar improvisado em seu próprio quarto.
Ruth “deveria ser intubada”, mas nessas circunstâncias seu filho procurou alternativas. “Eu a mantive viva com um nebulizador”, contou o médico, que conseguiu um cateter nasal para facilitar a respiração.
“Foram quatro dias direto, sem sair do lado dela. É uma aflição ter que voltar para o plantão, sem estar mais do lado dela”, relata. Agora, Ruth é cuidada pela esposa de Marcos, que é professora.
“Felizmente ela está melhor, mas isso não me impede de ficar ligando o tempo todo para ter notícias”, conta.
Não querendo levar o crédito por salvar a vida da mãe, Marcos diz o que acha que o que realmente a ajudou: “A vontade de viver e a obra divina.”
“É um verdadeiro milagre que ela ainda esteja viva”, completa.