Com a rede de atendimento em colapso e sem oxigênio para tratamento da COVID-19, o Amazonas terá de transferir parte dos seus pacientes a outros estados. Segundo o governo local, no primeiro momento, 235 pacientes serão enviados a hospitais do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal.
Há estimativa de que até 750 pessoas tenham de deixar Manaus para serem atendidas em outros locais. Mais cedo, em entrevista à imprensa, o governador Wilson Lima (PSC) afirmou que o Amazonas vive "o momento mais crítico da pandemia, algo sem precedente". No ano passado, as redes de saúde e funerária do estado já colapsaram.
A crise se agravou nos últimos dias pela falta de oxigênio em unidades de saúde. Há ainda variante do novo coronavírus circulando no estado.
O secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, disse à imprensa que o consumo diário de oxigênio teve um pico de 30 mil metros cúbicos em 2020. Neste mês, o pico de consumo foi de 70 mil metros cúbicos num só dia.
O governo federal irá apoiar a transferência dos pacientes, em aviões militares. O secretário nacional de Atenção Especializada em Saúde, Franco Duarte, disse que serão transferidos pacientes com quadros "moderados", que exigem uso de oxigênio, mas têm ainda condições de serem transportados.
Em nota, o governo do Amazonas afirma que, na noite de quarta-feira, 13, "a empresa fornecedora da maior parte dos gases medicinais à rede pública estadual oficializou 'dificuldades em relação à execução do plano logístico para a entrega de insumos e a alta demanda que vinha ocorrendo' na rede pública de saúde".
Mortes por asfixia
Com a nova explosão de casos de COVID-19 no Amazonas, o estoque de oxigênio acabou em vários hospitais de Manaus nesta quinta-feira 14, levando pacientes internados à morte por asfixia, segundo relatos de médicos que trabalham na capital amazonense.
O Hospital Universitário Getúlio Vargas, ligado à Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ficou cerca de quatro horas sem o insumo na manhã desta quinta, o que gerou desespero entre os profissionais, segundo relatou ao jornal O Estado de S. Paulo uma médica da unidade, que não quis de identificar.
O número de sepultamentos em Manaus quintuplicou em um mês, segundo dados divulgados pela prefeitura. Na quarta-feira, 198 enterros ocorreram na capital, dos quais 87 tinham confirmação para COVID-19 e sete eram de casos suspeitos. Em 13 de dezembro foram 36 óbitos, seis com resultado positivo para o vírus. Isto representa um aumento de 450%.
Pazuello esteve em Manaus
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deixou Manaus na quarta-feira em meio à crise pela COVID-19. Na cidade que vive novo colapso, o general apresentou como solução o tratamento precoce, que, no vocabulário do governo federal, significa o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina e a ivermectina.
"A medicação pode e deve começar antes desses exames complementares (de diagnóstico). Caso o exame lá na frente der negativo, reduz a medicação e tá ótimo. Não vai matar ninguém", disse Pazuello em discurso feito na segunda-feira, 11.
O ministro ainda lançou o TrateCOV, aplicativo usado por médicos para diagnosticar a COVID-19 que também estimula o uso destes fármacos não indicados para a COVID-19. Mais de 340 profissionais de saúde de Manaus foram habilitados para usar o aplicativo.
Na mesma data, uma equipe de secretários de Pazuello, reforçada por médicos entusiastas do tratamento precoce que viajaram ao estado, fez visitas a unidades de saúde da capital. Além de escutar sobre a crise na cidade, o grupo deu orientações sobre a suposta evidência de benefícios do "tratamento precoce", segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo.
Dias antes do périplo pelas unidades de saúde em Manaus, a secretária nacional Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, avisou ao município que as visitas serviriam para estimular adoção do "tratamento precoce".
Em ofício enviado à Secretaria de Saúde local, Pinheiro ainda escreveu que seria "inadmissível" Manaus não prescrever antivirais sem eficácia comprovada.
Sem citar qualquer prova, o presidente Jair Bolsonaro disse que a crise de saúde em Manaus deve-se à falta do "tratamento precoce". Bolsonaro desestimula a adoção de medidas eficazes contra a pandemia, como uso de máscara e distanciamento social.
"Não faziam tratamento precoce. Aumentou assustadoramente o número de mortes. Mortes por asfixia, porque não tinha oxigênio. O governo estadual e municipal deixou acabar oxigênio", disse o presidente a apoiadores na terça-feira.
Grupos no Amazonas chegaram a protestar e pressionar o governo a recuar do fechamento do comércio, no fim de dezembro. "Muita gente acabou relaxando, pensando que estava tudo 'ok'. Mas o clima agora é diferente. Não há clima para novas manifestações", disse o governador Wilson Lima ao jornal O Estado de S. Paulo na última semana.