Um dito popular ilustra bem o cenário de expectativa quanto ao início da vacinação contra a COVID-19 no país: língua fala, língua paga. Pois depois de desfazer tanto do imunizante Coronavac, produzido pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo, trocar "agulhadas" com o governador João Doria e ver frustrada a chegada imediata das unidades da Oxford/AstraZeneca, importadas da Índia, o presidente Jair Bolsonaro recorre agora a SP para dar início à vacinação prometida para a próxima semana.
Em ofício, o Ministério da Saúde solicitou ao Butantan a entrega imediata de todo estoque de 6 milhões de doses da Coronavac existentes no estado.
Não é de hoje, em 10 meses de pandemia do novo coronavírus, que Bolsonaro e Doria se desentendem sobre a vacina, levando a crise sanitária para o plano político e causando mais tensão no país, onde se registram mais de 200 mil mortes.
Em 11 de junho, Doria se antecipou e assinou acordo com a Sinovac para produção do imunizante. Não bastou muito, e o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, e outros aliados de Bolsonaro, fizeram um apelo para ninguém tomar a vacina. Mais lenha na fogueira, enquanto as incertezas dominavam o Brasil e as famílias choravam a perda de pais, irmãos, filhos e demais entes queridos.
Em setembro, logo após Doria falar sobre a obrigatoriedade da vacinação no território paulista, Bolsonaro ironizou chamando o governador de “médico do Brasil”. A morte de um dos pacientes do estudo da Coronavac também foi alvo de críticas do presidente.
No mês seguinte, o ministro da Saúde anunciou a compra do imunizante chinês. Menos de 24 horas depois, a aquisição foi desautorizada pelo presidente em live via Instagram. O episódio gerou polêmica entre os governadores polarizando ainda mais a guerra política.
E tem mais: No início de dezembro, o governo federal divulgou sua estratégia para a vacinação dos brasileiros, excluindo a CoronaVac, o que incentivou o governo paulista a dar uma resposta imediata. Isso foi a deixa para Doria dar o troco, oficializando o programa de vacinação estadual sem apoio do governo federal.
Agora, com o atraso na remessa do imunizante que vem da Índia, o clima é de ansiedade nas capitais e interior, onde a capacidade de leitos nos hospitais se esgota rapidamente e o eco dos embates políticos causa mais dor do que promessa de salvação.