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Variante poderia 'driblar' anticorpos e reinfectar quem já teve COVID-19

Isso poderia ajudar a explicar por que Manaus, severamente atingida durante primeiro pico da pandemia, foi de novo amplamente afetada por segunda onda


21/01/2021 17:01 - atualizado 21/01/2021 17:45


Mais estudos são necessários para mensurar impacto de neutralização reduzida por anticorpos em nossa imunidade, diz Tulio de Oliveira(foto: EPA)
Mais estudos são necessários para mensurar impacto de neutralização reduzida por anticorpos em nossa imunidade, diz Tulio de Oliveira (foto: EPA)

Um novo estudo de cientistas da África do Sul, ainda não revisado por pares, dá maior respaldo às evidências crescentes de que mutações compartilhadas pelas variantes do coronavírus detectadas no Brasil e na África do Sul podem não ser neutralizadas por anticorpos produzidos pelo organismo de quem já foi infectado pelo SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19.

Isso abre a possibilidade de que pessoas que tiveram doença sejam infectadas novamente se expostas a essas variantes, diz à BBC News Brasil Tulio de Oliveira, responsável pelo estudo e diretor do laboratório Krisp na Escola de Medicina Nelson Mandela, na Universidade KwaZulu-Natal, em Durban, na África do Sul, onde vive desde 1997.

No entanto, mais estudos são necessários para mensurar o impacto dessa 'neutralização reduzida' dos anticorpos em nossa imunidade, ressalva ele.

Segundo Oliveira, testes em laboratório a partir do "vírus vivo" da cepa achada na África do Sul (501Y.V2) contendo mutações como E484K e N501Y — presentes também na variante do Brasil, mas não na do Reino Unido — mostraram "zero ou muito baixa neutralização" do patógeno pelos anticorpos.

Oliveira chefiou a equipe que descobriu a nova variante do coronavírus na África do Sul e compartilhou os dados com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que, por sua vez, permitiu ao Reino Unido detectar a outra variante em seu território.

Acredita-se que todas essas variantes sejam mais transmissíveis do que a original, mas não se sabe, por enquanto, se mais letais. De todo modo, tende a haver mais mortes porque há muito mais casos.

Oliveira acrescenta que suas mais recentes descobertas também levantam "uma grande questão" sobre a eficácia das vacinas.

"Se os resultados do laboratório mostram que essa variante é menos neutralizada pelos anticorpos, isso terá algum efeito na eficácia das vacinas?", questiona Oliveira.

"No momento, presumimos que a eficácia das vacinas não será comprometida. E se for, será pouco (comprometida). Porque as vacinas desencadeiam uma resposta imunológica alta, produzindo muitos anticorpos, por exemplo. Mas ainda é uma questão a ser respondida", acrescenta.

Ele reforça que esses primeiros resultados não podem servir de "desculpa" para interromper os programas de vacinação em todo o mundo.

"Esse vírus nos mostrou que se deixarmos ele circular livremente por muito tempo, se adaptará melhor à transmissão e, potencialmente, escapar de ser neutralizado pelo sistema imunológico".

"Temos que aumentar com urgência as taxas de vacinação e a resposta da saúde pública para que possamos controlar as taxas de infecção o mais rápido possível e reduzir as taxas de mortalidade por essas variantes altamente infecciosas", acrescenta.


Oliveira diz que neutralização reduzida poderia ser uma das explicações para explosão de casos durante segunda onda em Manaus(foto: BBC)
Oliveira diz que neutralização reduzida poderia ser uma das explicações para explosão de casos durante segunda onda em Manaus (foto: BBC)

'Vírus vivo'

Nos últimos dias, vários estudos indicaram que mutações "escapariam" da ação de anticorpos neutralizantes produzidos pelo corpo contra o SARS-CoV-2.

No entanto, Oliveira e sua equipe foram além e usaram o "vírus vivo" pela primeira vez em testes de laboratório em oposição ao chamado pseudovírus — uma "técnica mais avançada", explica Oliveira, usando todas as mutações incluídas no vírus, e, então, fizeram comparações usando a variante anterior da COVID-19.

"Os resultados mostram que mais de 50% do plasma convalescente (com anticorpos) exposto ao vírus não obteve neutralização. E os outros 50% obtiveram neutralização de baixo nível. Quase metade dos indivíduos com quase nenhuma neutralização parecia nunca ter visto o vírus antes", explica Oliveira.

"O melhor modelo para testar isso é com o vírus vivo, você pega o vírus inteiro, você infecta as células e faz crescer no laboratório, é uma técnica mais avançada e depois você o re-expõe ao plasma convalescente, então você considera o taxa de crescimento do vírus e como ele é neutralizado".

"Concluímos que houve uma neutralização do vírus muito menor, tão menor que, em tese, são necessários cerca de 10 a 15 vezes mais anticorpos para neutralizar o mesmo vírus em comparação com a variante anterior", acrescenta Oliveira.

Segundo ele, "não são boas notícias. Esperávamos que aqueles que já tiveram a COVID-19 não fossem infectados novamente. Isso abre as portas para o vírus com essas mutações reinfectar as pessoas. É uma das principais questões a serem respondidas nas próximas semanas".

Oliveira assinala que mais estudos são necessários para determinar o impacto disso em nossa imunidade, pois nossa resposta imunológica não depende apenas dos anticorpos, mas também das chamadas células T, que atuam em conjunto com eles.

Jesse Bloom, professor-associado de Ciências do Genoma e Microbiologia da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, concorda.

"É definitivamente claro que as mutações no RBD (domínio de ligação ao receptor), especialmente a mutação E484K encontrada na linhagem 501Y.V2, reduzem a neutralização do anticorpo. No entanto, atualmente não está claro o quanto essa neutralização reduzida diminui a eficácia protetora da imunidade", diz ele por e-mail à BBC News Brasil. O RBD é uma pequena porção da proteína S do SARS-CoV-2, chave para a ligação do vírus às células humanas e sua infecção.

Cientistas acreditam que essa "neutralização reduzida" pode ser uma das razões pelas quais algumas partes da África do Sul e da cidade de Manaus, no Amazonas, muito atingidas durante o primeiro pico da pandemia, foram de novo amplamente afetadas pela segunda onda — levantando dúvidas sobre a chamada "imunidade de rebanho" que alguns especialistas já haviam dito ter sido alcançada nessas áreas por meio de infecções em massa.

A imunidade de rebanho ocorre quando uma parcela grande o suficiente da população desenvolve uma defesa imunológica contra um patógeno. Nesse cenário, a doença não consegue se espalhar porque a maioria das pessoas é imune e ela passa a ter grande dificuldade para encontrar alguém suscetível. Esse patamar é atingido pela vacinação em massa, e não por infecções em massa.

"Naturalmente, seria de se esperar que essas regiões não fossem muito afetadas pela segunda onda da pandemia, e não é o que vimos", diz Oliveira.

"Ainda temos que investigar se essa nova variante menos neutralizada por anticorpos em laboratório causará maiores taxas de infecção", acrescenta.

"O objetivo da vacina não é parar a transmissão; é fazer com que as pessoas que são infectadas não desenvolvam sintomas muito sérios. O principal objetivo é salvar vidas. E não só a vacina, mas a resposta da saúde pública, de testagem e rastreamento e isolamento e medidas de distanciamento social para tentar diminuir o número de infectados", conclui.


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