Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

É falso que eficácia da CoronaVac seja somente 0,38% superior ao placebo

Publicações que somam milhares de interações nas redes sociais desde o último dia 14 de janeiro afirmam que o imunizante contra a covid-19 CoronaVac seria apenas 0,38% melhor que o placebo, já que o resultado de sua eficácia foi de 50,38%. Mas, segundo especialistas consultados, a eficácia global de 50,38% significa que essa porcentagem dos vacinados está totalmente protegida da covid-19. Os outros 49,62%, apesar de poderem contrair a doença, também desenvolvem anticorpos, o que pode reduzir a incidência de casos moderados e graves.

“Resumindo: a Coronavac tem um resultado 0,38% superior ao do placebo, eu fico com o segundo”, dizem algumas postagens, compartilhadas no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram desde meados de janeiro.





A afirmação também viralizou no Twitter (1, 2, 3), onde muitos usuários demonstraram desconfiança em relação à  CoronaVac, produzida pela farmacêutica Sinovac em parceria com o Instituto Butantan e aprovada para uso emergencial no último dia 17 de janeiro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

As alegações compartilhadas nas redes sociais, contudo, são falsas.

Eficácia da CoronaVac

A eficácia da vacina é calculada levando em conta o quanto de efeito ela provoca a mais do que o placebo, que tem eficácia zero na proteção contra o vírus. Ou seja: se a eficácia geral da CoronaVac foi de 50,38%, significa que ela teve 50,38% mais efeito do que o placebo administrado nos participantes dos testes da fase III.

Além da eficácia global, os testes com a CoronaVac alcançaram outros percentuais secundários, em casos leves, moderados e graves. 





“É importante reforçar que essa eficácia diz que 50,38% dos vacinados estão totalmente protegidos em relação a contrair o Sars-CoV-2, ou seja pegar a covid-19. Os outros 49,62%, apesar de poderem contrair a doença, também desenvolvem anticorpos. Desses, 78% ficaram protegidos de evoluírem para as formas mais severas e nenhum deles, 100%, foi à óbito”, afirmou Rafael Dhalia, doutor em Biologia Molecular e especialista em desenvolvimento de vacinas de DNA pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), à equipe do Comprova, da qual o AFP Checamos faz parte.

Por e-mail, o Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, encaminhou o relatório da pesquisa simplificado, apresentado na coletiva de imprensa que divulgou a eficácia do imunizante. E, por telefone, reafirmou que enquanto o placebo tem efeito zero de proteção contra a covid-19, a vacina tem eficácia de 50,38%.

De acordo com as definições da Anvisa contidas nessa resolução, o placebo é uma “formulação sem efeito farmacológico, administrada ao participante do ensaio clínico com a finalidade de mascaramento ou de ser comparador”.





Ao Comprova, Luiz Gustavo Almeida, doutor em Microbiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto Questão de Ciência (IQC), explicou que nos estudos clínicos para medicamentos ou vacina é sempre medido qual o efeito a mais que o imunizante gera em relação ao verificado sobre o grupo placebo.

No caso da CoronaVac, o placebo tinha uma série de substâncias, mas não o vírus inativado usado na vacina. Assim, pode-se dizer que o placebo não apresentava o necessário para que o sistema imunológico produzisse anticorpos contra o novo coronavírus, como explica o Butantan em seu site.

Mesmo que a substância não seja totalmente inerte, a eficácia do placebo é zero, já que não tem um princípio ativo capaz de gerar uma resposta do organismo que proteja as pessoas do vírus. 

“A vacina CoronaVac tem 50,38% de eficácia em relação ao placebo, ou seja, o placebo tem 0%, portanto a diferença é de 50,38% e não 0,38%, como comentado, assinalou Dhalia.





A enfermeira Monica Calazans é vacinada com a CoronaVac contra a covid-19 em São Paulo, em 17 de janeiro de 2021 (Nelson Almeida / AFP)

Por que não é possível dizer que a diferença é de 0,38%?

No caso da CoronaVac, os testes foram feitos em 9.242 voluntários, todos profissionais de saúde que trabalham na linha de frente do combate à covid-19. Destes, 4.653 receberam a vacina e outros 4.599 receberam o placebo. No primeiro grupo, o dos vacinados, 85 pessoas adoeceram, enquanto no segundo, que receberam placebo, 167 contraíram a doença causada pelo novo coronavírus.

Para que a eficácia da CoronaVac fosse apenas 0,38% superior à do placebo seria necessário considerar que cada um dos grupos - imunizante e placebo - tem uma eficácia de 50%, e que a vacina teria, após os testes, conseguido “avançar” apenas 0,38% em relação ao placebo, alcançando uma eficácia de 50,38%. 

Os especialistas ouvidos pelo Comprova explicaram que durante os testes é feito um cálculo de risco de se contrair a doença a partir do número de pessoas que adoeceram no grupo vacina e no grupo placebo, de forma proporcional.





A partir desses resultados, calcula-se a eficácia da vacina, que aponta quanto de êxito se obtém  em imunizar as pessoas de seu grupo em relação ao placebo administrado no outro grupo. 

Nesse processo, a escolha de quem vai participar do grupo vacina e quem vai para o grupo placebo é a única aleatoriedade, assinala o biomédico e mestre em Microbiologia Mateus Falco, integrante da Rede Análise covid-19.

“Não tem como você comparar dois grupos e falar que você jogou uma moeda para cima para selecionar aquele que se infectou ou não. Você pode jogar uma moeda para cima para saber quem vai ficar em cada grupo , mas não para dizer quem se infectou, isso não existe”, afirma.

Em resumo, é falsa a afirmação de que a CoronaVac é somente 0,38% superior ao placebo, já que a sua eficácia é de 50,38%. De acordo com os especialistas consultados, 50,38% é a porcentagem de vacinados totalmente protegida contra a covid-19. O placebo, por sua vez, tem eficácia zero na proteção contra o vírus.

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Correio e do Favela em Pauta. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.





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