O físico Ricardo Galvão, exonerado do cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019 após defender os dados de desmatamento da Amazônia gerados pela instituição, foi contemplado nesta segunda-feira, 8, com o prêmio internacional de Liberdade e Responsabilidade Científica.
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Doria ameaça levar governo ao STF por queda na oferta de leitos de UTI para covidLewandowski dá 5 dias para governo informar quem terá prioridade na vacinaçãoLuiza Helena Trajano cria movimento para vacinar todo o Brasil até setembroA láurea foi concedida pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), a equivalente da SBPC nos Estados Unidos, 1 ano e meio após Galvão protagonizar um episódio que despertou o mundo para a devastação que a Amazônia vinha sofrendo no primeiro ano da gestão Bolsonaro.
Quando dados de alertas do Inpe vieram à tona mostrando que a ação da motosserra estava acelerando na região, o presidente afirmou que os números eram mentirosos e insinuou que Galvão estaria "a serviço de alguma ONG". O pesquisador reagiu, defendeu a ciência produzida pelo Inpe e seus pesquisadores e acusou Bolsonaro de tomar uma "atitude pusilânime e covarde". Após duas semanas de embates, Galvão foi exonerado. Ele estava no Inpe desde 1970 e cumpria mandato à frente do órgão até 2020. Com a exoneração, ele voltou a atuar na USP.
Os dados produzidos pelo instituto, porém, continuaram mostrando mês a mês o aumento da devastação. Os números consolidados pelo sistema Prodes, que apontam a taxa oficial e anual de desmatamento, tiveram duas altas consecutivas em 2019 e 2020 - no ano passado chegou ao maior valor desde 2008.Nos dois anos de gestão Bolsonaro, os alertas de desmatamento da Amazônia foram, em média, 82% superiores aos três anos anteriores ao seu governo.
"O professor Galvão defendeu a ciência sólida em face da hostilidade. Ele agiu para proteger o bem-estar do povo brasileiro e da imensa maravilha natural que é a floresta amazônica, um patrimônio mundial", afirmou em nota Jessica Wyndham, diretora do Programa de Responsabilidade Científica, Direitos Humanos e Direito da AAAS.
Em agradecimento à instituição, Galvão lembrou a luta contra o negacionismo científico, contra a qual muitos cientistas brasileiros vêm lutando nos últimos anos. "Como latino-americano, receber este prêmio é bastante significativo, não apenas para mim, mas também para muitos outros cientistas que, em diferentes ocasiões, reagiram bravamente às políticas negacionistas de líderes políticos poderosos, em particular no que diz respeito à preservação da Floresta Amazônica", disse.
A AAAs concede a honraria anualmente, desde 1980, a "cientistas que demonstraram liberdade científica e / ou responsabilidade em circunstâncias particularmente desafiadoras, às vezes em risco para sua segurança profissional ou física", conforme informou a instituição em seu site. Anteriomente receberam a distinção pesquisadores que atuaram, por exemplo, para proteger a saúde, a segurança ou o bem-estar público; ou lutaram pela defesa da liberdade profissional dos cientistas e engenheiros.
Desde que foi exonerado, Galvão se transformou em uma voz importante reconhecida no Brasil e no mundo em defesa da ciência e da proteção da Amazônia. Por seus atos, foi reconhecido ainda em 2019 pela revista britânica Nature como uma das personalidades da ciência mundial, ao lado da adolescente sueca Greta Thunberg.
O pesquisador receberá o prêmio em uma cerimônia virtual nesta quarta-feira, 10, durante a 187ª reunião anual da AAAS.