Eles já estiveram no olho de um furacão que parece não ter fim. Ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich fizeram parte do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) durante parte da pandemia do novo coronavírus.
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O que o senhor faria de diferente se soubesse o que se sabe agora, um ano depois, sobre o vírus?
MANDETTA: Se tivéssemos as informações da China e da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que o vírus era altamente contagioso – e não aquilo que mostraram no começo, de que era um vírus lento e pesado –, teríamos redimensionado a testagem. Essa era a grande informação que a gente precisava ter naquele momento. O resto foi processo de trabalho.
TEICH: A gente não sabe como a pandemia vai evoluir. Há sete dimensões importantes para trabalhar situações como essa: estratégia, planejamento – isso é fundamental –, liderança e coordenação, muita informação em tempo real – porque se você não consegue ter informação, não consegue diagnosticar o momento para entender o que fazer –, o tempo de execução tem que ser rápido e é preciso se comunicar muito bem e muito rápido com a sociedade, com todos os envolvidos no processo. É preciso levar em conta o quanto o sistema de saúde consegue cuidar, porque muito das situações muito graves de hoje são de lugares que já estão no limite de atendimento. Isso confunde um pouco a percepção da gravidade do momento, pois vemos um sistema sobrecarregado, que passa a ser o foco. Mas quando se analisa e consegue comparar estados e cidades, com mortes de milhão por dia, por exemplo, vemos a diferença entre esses estados e cidades. Tem de haver comunicação muito forte entre estados, cidades e governo federal. Não usaria, como avaliação, os percentuais de leitos vazios e ocupados. Não dizem, exatamente, os recursos que se têm. O que é preciso ter como gestor? Quanto acho que vou precisar de leitos, quanto tenho e quão rápido consigo evoluir. A discussão não é se vai haver hospital de campanha ou não. Precisa de leitos. Temos que ter um programa de distanciamento. Não é só testar. É testar, isolar, dar condições para a quarentena e isolar.
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O Brasil atravessa o pior momento da pandemia. Há um mês, a média móvel de mortos está acima de mil, enquanto algumas capitais têm quase 100% de UTIs ocupadas. O que deu errado?
MANDETTA: O governo errou quando sabotou o planejamento inicial de proteção. É a primeira linha: como as pessoas fazem para evitar pegar a doença. O governo estimulou que se arriscassem e levassem a doença para suas casas. Contaminaram pais, mães e familiares em nome de um comportamento que o presidente estimulou. Fecharam leitos de CTI que tínhamos habilitado. Pararam de pagar a partir de outubro, achando que a doença tinha terminado. Hoje, há menos leitos de CTI disponíveis. Estimularam as pessoas a acreditar que, se tomassem remédios sem comprovação, como a cloroquina, teriam solução benigna. Isso é a maior mentira mundial. Só o Brasil e seu presidente para fazer isso. Agora ele nega, mas induziu as pessoas a acharem que ‘se eu pegar a doença, tomo cloroquina e está resolvido’. Não adquiriram as vacinas em agosto, setembro ou outubro, quando foram oferecidas. Agora, correm atrás de vacinas que ainda não têm a fase três (de testes), em vez de negociar com aquelas (em estágio avançado). Perderam o timing. Não adianta comprar a vacina: é preciso conversar com a rede nacional de saúde, liderar. Ali não é lugar de comando militar; é local de liderança pelo exemplo e pelo comportamento. O Brasil não tem, hoje, liderança em saúde por parte do governo federal. São basicamente as famílias lutando com as armas que têm. Não existe absolutamente nada além disso. Os prefeitos e governadores tentam minimizar essas ações, mas são boicotados pelo governo federal.
TEICH: A pandemia mostrou a fragilidade de todos os sistemas, não só no Brasil. O Brasil, embora seja o segundo em número de mortes – só perde para os Estados Unidos –, é o 26° em mortes por milhão. Países como Reino Unido, Itália, Espanha e Estados Unidos, com condições consideradas melhores que as do Brasil, tiveram resultados piores. A capacidade de lidar com essa pandemia não é do tipo “se tivesse feito um esforço um pouco maior, tinha dado tudo certo”. Não é isso. É muito difícil. Os sistemas de saúde trabalham tentando ser o mais eficientes possível. Se não tem dinheiro sobrando, ele precisa ser usado da melhor forma. Aí, trabalha do jeito que pode em eficiência. Com uma doença como essa, com sobrecarga aguda, os sistemas têm dificuldades para trabalhar. Aqueles que conseguiram controlar a transmissão foram melhores pois evitaram alto número de doentes. Quem não consegue, fica sobrecarregado. Os Estados Unidos são o país que mais gasta com saúde no mundo. No ano passado, a projeção era de R$ 64 mil por pessoa por ano. No SUS, eram R$ 2,1 mil. Mesmo com todo esse dinheiro, estão performando mal. Não é só dinheiro. É dinheiro, é gestão, e outras coisas que precisam entrar em jogo. A COVID-19 mostra que os sistemas de saúde têm que ser realmente revistos.
Qual a responsabilidade do presidente Bolsonaro ante os mais de 251 mil brasileiros mortos em um ano de pandemia? Parte dos óbitos era evitável?
MANDETTA: Ele vai carregar isso nos livros de história. Sempre. E deve levar isso, também, para seu travesseiro e sua consciência. A gente sabe que muitas vidas poderiam ter sido poupadas e que outras poderiam ter sido perdidas. Mas entregar o jogo no primeiro tempo? Não lutar e entregar a vida das pessoas em nome de um falso dilema entre economia e saúde? Deixar as pessoas à própria sorte dizendo “elas que se contaminem, pois quero imunidade de rebanho”? Isso daí é de uma maldade antes de qualquer coisa. Do ponto de vista legal, eles têm muitos subterfúgios para se esconder.
TEICH: Esse tipo de pergunta, hoje, não tenho como responder com precisão. As pessoas, hoje, têm uma tendência de tentar achar uma razão de culpa ou um culpado. Isso é muito ruim, porque gera polêmica e conflito. É a política falando acima da técnica. Esse tipo de pergunta é política, e não sou a melhor pessoa para responder, porque minha condição é muito mais técnica.
Qual o cenário para os próximos meses? Sentiremos o impacto das variantes e teremos uma megaepidemia?
MANDETTA: Vivemos uma megaepidemia com viés de alta. Estamos, praticamente, com todas as capitais do Nordeste — e conversei com Rio Grande do Norte, Fortaleza e João Pessoa – lá em cima (nos números da pandemia). Todos tentando fazer um tipo de lockdown ou algo similar. O Rio Grande do Sul, nesta semana, vai passar por um problema de estrangulamento (falta de leitos). No Sudeste – em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro – o aumento de casos é entre março e abril. A tendência é que o Sudeste aumente os casos progressivamente. A velocidade com que o vírus está se propagando é muito mais rápida que a velocidade da vacinação. Você vai vacinando e convivendo com a doença. As pessoas vão tendo a sensação de que a vacina já chegou e, por isso, podem fazer tudo. A vacina está servindo de álibi e as pessoas estão querendo suas vidas de volta, o que é legítimo, mas antevejo aumento, ainda maior, do número de perdas. Até lá (vacinar cerca de 60% da população), vamos convivendo com a situação e levando sustos, todos os dias, com cidades com maior índice. Goiás está em situação crítica. O governador do DF quer fechar Brasília, para que não entre gente de Goiás ou do Tocantins. Já começa a haver esse tipo de situação, em que irmão desconhece irmão, por conta da absoluta falta de prevenção, falta de clareza sobre tratamentos, vagas e hospitais. Médicos, enfermeiros e fisioterapeutas estão esgotados. Muitos morreram dessa doença, assim como familiares. les estão para lá de esgotados, o que gera uma somatória muito complexa para calcular o que vem pela frente.
TEICH: Todas as previsões feitas no começo deram errado, pois é muito difícil saber, na prática, o que vai acontecer. Depende da existência de novas variantes, da eficácia das vacinas, da rapidez de modificação delas para pegar novas variantes e da capacidade de manter pessoas isoladas. O gestor não pode tentar adivinhar o futuro, mas sim construí-lo. Você tem que pensar em todas as possibilidades: das menos prováveis as mais prováveis, principalmente se as menos prováveis são muito graves, catastróficas. As previsões não podem ser tomadas como verdade, pois às vezes, relaxa-se um pouco. A única coisa que não pode ser feita em momentos como esse é relaxar. Não sabemos como vai evoluir.
O que é o coronavírus
Principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
- Em casos graves, as vítimas apresentam:
- Pneumonia
- Síndrome respiratória aguda severa
- Insuficiência renal
- Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus