Após três recordes de mortes em sete dias e 1.910 mortes em 24 horas, segundo boletim divulgado nessa quarta-feira (3/3), o Brasil caminha para viver dias ainda piores no enfrentamento ao novo coronavírus. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse que, se não houver rápida reação do sistema de saúde, o número de baixas diárias vai passar de 2 mil e pode beirar os 3 mil. O médico crê que a “megaepidemia” citada diversas vezes por ele desde janeiro — e ocasionada pelas mutações do vírus — ainda está em fase inicial.
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Mourão sobre 1.840 mortes em 24h: 'é lamentável, estamos com situação complicada'Bolsonaro sobre compra de vacinas: 'Só se for na casa da tua mãe'Bolsonaro confirma compra da Pfizer: 'Vão chegar alguns milhões no Brasil' 'Segunda onda é fruto de decisão direta do governo federal', diz MandettaMandetta: 'O Brasil está sendo governado pelo algoritmo'Mandetta: 'Kalil é o prefeito com as posições mais pró-vida'Mandetta rebate Pazuello: Ministério da Saúde é 'fábrica de problemas'O agravamento da crise imposta pela COVID-19 vai depender da reação dos estados do Sudeste à propagação do vírus. Se não houver contenção, recordes podem ser superados sucessivamente.
“São mais de 100 milhões de pessoas na região. É metade da população brasileira. Se pegar uma espiral ascendente, como deve acontecer nos próximos dias, esse copo vai transbordar. O sistema não tem vasos comunicantes instalados para gerenciar isso. E aí vamos passar de 2 mil (mortes ao dia), chegando rapidamente a 2,5 mil e 3 mil. Vai de quais medidas que o Sudeste tomará para tentar diminuir a transmissão e aumentar o número de leitos”.
Reflexos de um ‘boicote’
Na visão de Mandetta, o país não precisava atravessar a pandemia batendo marcas negativas recorrentemente. Ele tece críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e diz que a postura negacionista do chefe do Executivo federal prejudicou o combate à infecção.
“Chegamos até aqui porque foram boicotadas a prevenção — não lave as mãos, não use máscara, aglomere e faça festas eram as falas do presidente. O eixo da atenção (também foi boicotado): a ciência tentando achar caminhos e (o governo dizia) use cloroquina e ivermectina, tome isso daqui que você fica bom. Tumultuou completamente o eixo do tratamento. O eixo das vacinas é uma tragédia que estamos passando — e vamos passar por um bom tempo. Não precisava ter sido assim, e não precisava ter sido eu (o ministro)”, sustentou, em tom crítico ao atual comandante da pasta de saúde, o general Eduardo Pazuello.
Interior em colapso
Enquanto as capitais precisam lidar com impactos como os pacientes vindos do interior, os rincões do país já sentem os perversos efeitos da subida da curva da COVID-19. Em Minas Gerais, cidades como Montes Claros (Norte), Pouso Alegre (Sul), Uberaba e Uberlândia (ambas no Triângulo) lutam contra a desassistência.
Os níveis de ocupação de leitos têm crescido. Para deter o vírus o governador Romeu Zema (Novo) anunciou um pacote de restrições válido para as regiões Triângulo Norte e Noroeste. O toque de recolher compõe a série de ações.
Para Mandetta, o avanço da doença está relacionado às aglomerações proporcionada pelos eventos de campanha eleitoral, ocorridos antes dos pleitos municipais de novembro passado. Promessas feitas por candidatos ajudaram a piorar o cenário
“Em setembro e outubro, a gente estava diminuindo. Quando o processo eleitoral termina, os casos começam a subir, pois política e eleição são encontros, reuniões e corpo a corpo. É típico da democracia. Depois, houve uma renovação, com muita gente que ganhou a eleição falando que não ia mais fazer restrições, que ia liberar geral, que aquilo era um absurdo, um exagero. Falando o que as pessoas queriam escutar. Os prefeitos que venceram com colocações do tipo ficaram presos a isso e, simplesmente, deixaram o barco correr no réveillon e no Natal”, explicou o ex-ministro.
A entrevista
Jornalistas do Estado de Minas conversaram, por vídeo, com Luiz Henrique Mandetta. Entre esta quinta (04/03) e esta sexta-feira (05/03), pílulas da entrevista serão publicadas. No domingo, vão ao ar os trechos que tratam de temas políticos, como a disputa eleitoral em 2022.