A pandemia da COVID-19 deixou todo o mundo mais pobre, mas terá um efeito especialmente duro na economia brasileira. É que, embora tenha caído menos do que outros países em 2020, o país vai demorar mais a se recuperar desse baque.
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Número de vacinados contra a covid-19 no Brasil chega a 8,1 milhõesSaúde reduz previsão de doses de vacina contra covid-19 em março, para 30 milhõesBrasil supera dez mil mortes por covid-19 em uma semana, recorde da pandemiaO Brasil está cada vez mais pobre. O ano de 2021 começou com 27 milhões de pessoas (12,8% da população) na miséria, conforme a Fundação Getulio Vargas (FGV).
Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil caiu 4,1% em 2020. O impacto é o maior dos últimos 30 anos e tirou o Brasil do grupo das 10 maiores economias do planeta.
Porém é bem melhor do que a queda de quase 10% projetada no início da pandemia e também é menor do que a recessão registrada por países como México (-8,7%), Reino Unido (-9,9%) e Alemanha (-5,3%), tanto que foi comemorado pelo governo de Jair Bolsonaro, a despeito de a miséria ser cada vez maior país afora.
Especialistas explicam que, ao injetar R$ 293 bilhões na economia e impulsionar o consumo das famílias, o auxílio emergencial conseguiu amortecer o tamanho do tombo econômico no ano passado. Porém dizem que não há motivos para celebrar neste ano. É que o cenário que se desenha para 2021 é completamente diferente.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial vai crescer 5,5% neste ano, influenciada pelos estímulos monetários anunciados por países como os Estados Unidos ou pelo sucesso de nações como a China no controle da pandemia.
O Brasil, que não tem mais espaço fiscal para manter muitos dos auxílios emergenciais de 2020 e não tem tido sucesso no combate à covid-19, por sua vez, deve crescer 3,6%. E agentes do mercado financeiro dizem que essa taxa será ainda menor, já que a segunda onda da pandemia deve causar contração no PIB neste primeiro trimestre.
O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre) já calcula, inclusive, que o PIB do Brasil vai cair 0,3% no biênio de 2020/2021, enquanto o do grupo das economias emergentes subirá 1,8%.
A Índia, por exemplo, deve crescer 1,3% no período; a Indonésia, 1,4%; e a Coreia do Sul, 1%. Não à toa, o Brasil caiu da nona para a 12º posição no ranking das maiores economias mundiais em 2020 e deve cair mais em 2021.
Segundo a Austin Rating, mesmo se crescer 3,6%, o país será ultrapassado pela Austrália e pela Espanha, caindo para a 14ª posição desse ranking.
“Em 2020, praticamente todos os países do mundo registraram queda do PIB. O problema é que o Brasil já havia caído em 2015 e 2016 e ainda não havia se recuperado disso. O quadro já era ruim. E, neste ano, vai apresentar um ritmo de recuperação muito aquém do de outros países, pois a pandemia está fora de controle, e o Brasil está atrasado na vacinação. Por isso, ficará um pouco mais distante de outras economias”, explica Silvia Matos, pesquisadora sênior da área de Economia Aplicada do FGV/Ibre.
“O país vai crescer neste ano, mas o crescimento não será maior que o de outros países emergentes para tirar a diferença. Além disso, o risco fiscal continua afetando os investimentos e o câmbio, o que atrapalha o crescimento”, acrescenta o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.
“Década perdida”
Segundo os especialistas, para garantir a retomada do crescimento econômico e conter o avanço da pobreza, o país precisa avançar na vacinação contra a COVID-19, que vai permitir o funcionamento seguro das atividades econômicas, mas também olhar para o longo prazo.
Afinal, antes da pandemia, o Brasil já vinha com dificuldades de crescer. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que o PIB do país cresceu, em média, 0,8% ao ano entre 2010 e 2019, porque problemas estruturais vinham segurando o crescimento e os investimentos.
Por isso, com a queda de 4,1% de 2020, o país teve mais uma “década perdida”. Nas contas do FGV/Ibre, o Brasil cresceu apenas 0,2% ao ano entre 2010 e 2020. É um resultado bem pior que o registrado na década perdida de 1980: 1,6%. Ou seja, continuamos repetindo os erros que perpetuam a pobreza.
“Antes da pandemia, o Brasil havia sofrido uma crise brutal entre 2014 e 2016. E, depois disso, ficou praticamente estagnado, porque a produtividade vinha ruim, o investimento colapsou, e a recuperação do mercado de trabalho veio pela informalidade, que é quatro vezes menos produtiva que o setor formal. Além disso, o Brasil não tem mais o bônus demográfico ajudando a produtividade, já que o país está envelhecendo”, explica Silvia.
A economista diz, então, que o país precisa avançar nas reformas estruturais, como a tributária, que prometem aumentar a produtividade e atrair investimentos.
“Superada a pandemia, o Brasil voltará a enfrentar os mesmos problemas de antes. Por isso, precisa reduzir o custo Brasil, a complexidade tributária, os problemas de infraestrutura e de educação”, reforça o gerente executivo de economia da CNI, Renato da Fonseca.
“O país já tinha um desafio antes da crise da covid-19. E, agora, veio uma crise muito dura, que aumentou o desemprego, o endividamento. Por isso, precisa enfrentar as reformas”, reforça Silvia. Ela ainda alerta: “O risco de não conseguir fazer reformas é retroceder, perder investimentos, perder mão de obra qualificada e ter um empobrecimento generalizado, como aconteceu com outros países latino-americanos”.