O agravamento da pandemia de coronavírus no Brasil, com recorde de casos e de óbitos, está levando os países vizinhos a reforçarem suas medidas contra o avanço da doença nas fronteiras.
Na madrugada de sábado (13/3), foi publicada no Diário Oficial da Argentina a medida que restringe ainda mais os voos com destino para o Brasil, além do México, Peru, Chile e Estados Unidos. No início do ano, o governo já tinha determinado a redução de 50% dos voos de entrada e saída do Brasil. O corte das viagens aéreas para o Brasil agora será de mais 20%.
Os turistas estrangeiros, de países limítrofes, já não poderão entrar na Argentina também por terra. Atualmente, somente argentinos e residentes podem entrar no território argentino.
O ministro da saúde do Uruguai, Daniel Salinas, informou em suas redes sociais que enviaria mais doses de vacinas contra a COVID-19 para "blindar" e "resguardar" a região na fronteira com o Brasil.
Novas cepas preocupam autoridades
A preocupação cresceu na semana passada, disseram fontes uruguaias, quando surgiram informações sobre o drama sanitário em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, com a falta de leitos e a escalada no número de vítimas fatais de covid-19.
"Estamos muito preocupados e especialmente com a variante P.1, a cepa de Manaus, desde que a situação se agravou em Porto Alegre. Nosso país tem muita ligação com o Sul do Brasil", disse à BBC News Brasil o virologista uruguaio Rodney Colina.
Ele integra o consórcio de sequenciamento do genoma de coronavírus, formado pelo governo uruguaio, a Universidade da República e o Instituto Pasteur, de Montevidéu. Os pesquisadores do consórcio rastreiam as cepas do vírus no país, que podem ser tanto as do Brasil como as da Europa, disse Colina.
Ele afirmou que, no caso das variações detectadas incialmente no Brasil, até poucos dias, a "P.1 não tinha entrado e a P.2, a do Rio de Janeiro, sim ingressou" no Uruguai.
Especialista do laboratório Cenur Litoral, da cidade de Salto, ligado à Universidade da República, o virologista explicou que a preocupação é justificada pela "rapidez com que o vírus se propaga", e que esta forte transmissibilidade poderia "pressionar a rede de saúde" uruguaia.
Com cerca de 3,5 milhões de habitantes, o Uruguai iniciou há cerca de 10 dias a campanha nacional de vacinação contra a covid-19. Na quarta-feira (10/3), o governo enviou doses de reforço para Rivera, departamento limítrofe com Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Rivera registra os maiores índices de covid-19 no território uruguaio, seguida de Cerro Largo, também na fronteira com o Brasil.
As doses da CoronaVac, contaram assessores uruguaios, deverão imunizar pessoas de idade entre 18 e 59 anos que tenham tido alguma comorbidade.
A campanha de imunização no país tem características diferentes das que estão sendo realizadas em nações vizinhas, como o Brasil e a Argentina, onde a imunização começou com pessoas com mais de 80 anos.
A partir das orientações de um comitê especial de assessores — com médicos, virologistas, matemáticos, entre outros —, o cronograma uruguaio incluiu, na primeira etapa, profissionais da educação (não professores), policiais, bombeiros e militares da ativa com até 59 anos.
"Nós demos prioridade aos que tinham entre 55 e 59 anos porque era o que tínhamos autorizado (através do comitê de assessores). Agora, daremos prioridade aos grupos de 60 a 70 anos ou de 65 a 70 anos e, em 14 dias, aos com mais de 85 anos", disse o ministro Salinas na quinta-feira (11/3).
Pedidos de fechamento de fronteiras para impedir a entrada de brasileiros
A vacinação no país vizinho se baseia nos dados de eficácia dos imunizantes de acordo com as faixas etárias, entre outras caractéristicas. Além da CoronaVac, que começará a ser usada em quem tem entre 60 e 70 anos, o país recebeu, na noite de quarta-feira carregamentos com as primeiras 50 mil doses da vacina da Pfizer. Com as novas doses, foi iniciada na sexta-feira (12) a vacinação dos profissionais de saúde.
O cronograma inicial foi ajustado para reforçar a região de fronteira com o Brasil, país cuja situação passou a ser chamada de "tragédia" e de "colapso" na imprensa argentina e boliviana.
O boliviano El Diario, por exemplo, publicou na sexta-feira que "Tragédia no Brasil coloca a região em perigo". No mesmo dia, o argentino La Nación escreveu na sua capa: "A pandemia colapsa o Brasil". Na semana passada, a imprensa argentina já destacava que "Porto Alegre repete as cenas de Manaus e sofre com caos sanitário".
O temor que as variantes brasileiras ganhem terreno na Argentina levou um popular comunicador argentino, Mauro Viale, da TV América, a sugerir que o governo do presidente Alberto Fernández fechasse as fronteiras por terra com o Brasil, o quanto antes.
"São vários caminhoneiros do Brasil que entram todos os dias na Argentina. Me expliquem por que as fronteiras não são fechadas?", disse Viale. Ele também afirmou que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro tinha dito que quem usava máscara era 'maricón' (homossexual) e que esperava que na Argentina as pessoas continuassem usando a proteção e outras medidas preventivas contra o coronavírus.
A preocupação com a chegada de outras cepas do coronavírus no país levou governadores a pedirem que o governo suspenda viagens de argentinos e de residentes do país ao exterior, incluindo o Brasil, como relatou à BBC News Brasil o presidente da Sociedade Argentina de Infectologia, Omar Sued.
Na sexta-feira, venceu o decreto assinado pelo presidente que determinou, há quase um ano, restrições de entrada de estrangeiros no território argentino. As medidas preventivas foram ampliadas até abril, após reunião de Fernández com sua equipe na Casa Rosada nesta sexta-feira.
"Os governadores querem ganhar tempo enquanto mais pessoas são vacinadas no país. É uma precaução para que novas cepas não sejam disseminadas pela Argentina", explicou Sued.
Na sua visão, a cepa da África do Sul é a mais preocupante por demonstrar ser a mais resistente às vacinas. Mas fez uma ressalva: "Há aqui também muita preocupação com a cepa de Manaus, pela rapidez da sua transmissão".
No ano passado, a Argentina criou uma comissão que rastreia o genoma do coronavírus. Até agora, foram encontradas quatro amostras com variantes do Reino Unido, cuja transmissão já é considerada "comunitária" porque duas delas não tinham vínculos com pessoas que viajaram ao exterior, como contou o virologista Humberto Debat, do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária.
Debat, que integra o Projeto Argentino Interinstitucional de Genômica de SARS-CoV2 (País), disse que nos rastreamentos foram detectadas 43 amostras com cepas do Rio de Janeiro e, em menor medida, de Manaus, com apenas quatro casos. O grupo de pesquisadores entende que, por enquanto, a variante de Manaus não circula na Argentina.