Como era esperado pelos infectologistas, o mês de março foi devastador para o Brasil pela pandemia do coronavírus. Os últimos 30 dias já são de longe o pior mês da doença no Brasil, com mais de 66 mil mortos e mais de 2,1 milhões contaminados. Mas o cenário pode ser ainda pior: a perspectiva é de que abril seja ainda mais trágico, com hospitais saturados e, em alguns casos, forçados a escolher quem receberá atendimento.
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Mortes por covid-19 no Estado do Rio atingem pico de 10 meses pelo 2º dia seguidoAnvisa impõe autorização para exportação de remédios do 'kit intubação'Na contramão do comitê, Bolsonaro critica medidas de distanciamentoMinistro reduz quase pela metade previsão de vacinas para abrilGoverno autoriza reajuste dos preços de medicamentos em até 10%De 1º a 31 de março, o país registrou o dobro dos 32.881 de julho de 2020, que havia sido o mês mais letal até agora.
O último balanço, divulgado nesta quarta-feira (31/3) pelo Ministério da Saúde, contabilizou um novo recorde diário de óbitos: 3.869 em 24 horas, elevando o total de vidas perdidas pela COVID-19 a 321.515, estatística superada apenas pelos Estados Unidos, que somam mais de 500 mil mortes. A média em sete dias, que cresce sem parar desde fevereiro, é de 2.976, mais do que o quádruplo do início do ano.
A semana de 21 a 27 de março também foi a que registrou mais casos (quase 540.000). Isso representa que, em duas semanas, haverá mais pessoas precisando de internação nos hospitais.
A situação só piora quando se imagina que muitos centros de saúde estão saturados: 18 das 27 unidades da federação têm mais de 90% de seus leitos de UTI para COVID-19 ocupados, e outros sete registram uma ocupação entre 84% e 89%, segundo o último boletim da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Especialistas imaginam que em abril o número de diários de mortes atinja 5 mil sem dificuldade. "É o pior momento, com o maior número de óbitos e maior número de casos. O que indica que o mês de abril ainda vai ser muito ruim", comentou, por sua vez, a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
"Nunca um único evento gerou tantas mortes em 30 dias na história do Brasil", disse à agência AFP o médico Miguel Nicolelis, ex-coordenador da Comissão Científica formada pelos estados do Nordeste para enfrentar a pandemia.
Diante de um futuro desanimador, vários estados relatam situação de emergência acerca da falta de leitos e medicamentos para intubação. Muitos começaram a adotar protocolos para alocar as vagas disponíveis para pacientes com mais chances de sobreviver.
"Chegamos a uma situação muito trágica, semelhante à que aconteceu na Itália" no início do ano passado, disse Ethel.
Fila por leitos
Cerca de 2 mil pacientes estão à espera de espaço para internações em Minas Gerais, mais de 100 em Belo Horizonte. Já na região metropolitana de São Paulo, pelo menos 230 pessoas com COVID-19 ou suspeitas de estarem com a doença morreram em março à espera de leito em uma UTI.
E os riscos aumentam com a proximidade do inverno, quando há maior demanda para internações por outras doenças respiratórias.
Negligência do governo
Somente no pior momento da pandemia é que o Brasil formou um comitê nacional de prevenção à doença, composto pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do presidente do senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do ministro da Saúde, o recém-empossado Marcelo Queiroga. Eles prometeram trabalhar para agilizar a liberação de recursos para medicamentos, UTIs e vacinas e a adoção de medidas de isolamento em conjunto para diminuir o contágio do vírus.
A conduta negligente do Brasil repercutiu em todo o mundo, culminando em críticas pesadas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos países vizinhos. Por causa do alto índice de mortes, várias nações também proibiram a entrada de brasileiros, como Portugal e Peru.
No início, Bolsonaro sempre deixou de lado a quarentena e pediu que os brasileiros voltassem ao trabalho, num momento em que todo o mundo ficou em quarentena.
A comparação do país com outras nações é acachapante: enquanto quase 4 mil vidas são dizimadas diariamente no território verde-amarelo, os demais presidente valorizam o fato de somarem menos de 1 mil mortes em 24 horas.
Tudo isso ocorre em meio ao surgimento de variantes da COVID-19, vindas do Amazonas, da África do Sul e do Reino Unido. Especialistas dizem que elas contaminam muito mais que a versão que aparecem no ano passado. “A primeira coisa que deveria ter sido feita era fechar o estado do Amazonas e proibir voos vindos da Inglaterra. Nada foi feito”, afirma o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, Domingos Alves, ao Estado de Minas.
Vacinação lenta
Enquanto isso, a vacinação avança lentamente. Até o momento, em torno de 8% da população recebeu a primeira dose e 2,3% está totalmente imunizada com uma das duas vacinas disponíveis no país: a chinesa CoronaVac e a anglo-sueca da AstraZeneca.
A crise da saúde anda de mãos dadas com a crise econômica. O desemprego passou de 11,2%, em janeiro de 2020, para 14,2%, em janeiro deste ano, afetando 14,3 milhões de pessoas.