Um caso ainda sem explicação tem provocado angústia entre familiares, amigos e conhecidos da cardiologista Sabrina Nominato Fernandes, 37 anos. Em 10 de outubro, a médica foi encontrada morta em casa, no Lago Sul, no Distrito Federal. Entre as pessoas próximas a ela, que descartam a hipótese de suicídio, a notícia levantou questionamentos sobre o que teria provocado o fato. O inquérito do caso, ao qual o Correio teve acesso, detalha que não há “elementos para definir a causa do óbito”.
O laudo da perícia termina com três possibilidades: “Associação entre ingestão alcoólica e da substância hemitartarato de zolpiden, produzindo o óbito por depressão do sistema nervoso central e depressão respiratória; asfixia por sufocação direta, seja posicional ou intencional; (ou) associação entre as duas hipóteses”. Outros pontos, porém, chamaram a atenção, como fraturas em duas costelas, além de escoriações nos lábios e no braço de Sabrina.
Os quase seis meses passados desde o início das investigações e a falta de detalhes conclusivos sobre o caso afligem a família. “Só quero saber a verdade, entender o que aconteceu com ela. Tudo, desde o início, é um quebra-cabeças de 10 mil peças, em que nenhuma se conecta. É uma tristeza que vai fazer seis meses, e não tivemos respostas. É um caso peculiar, e os laudos não mostram nada”, contou a irmã de Sabrina, a dentista Larissa Nominato, 35.
A médica atuava no Hospital de Base, dava plantões em um hospital particular na Asa Sul e atendia em dois consultórios no Plano Piloto. Nascida em Minas Gerais, Sabrina morava em Brasília havia sete anos. Primeiro, na 211 Norte, depois, em uma casa de alto padrão alugada no Lago Sul. Ela dividia o imóvel com o marido, o personal trainer André Villela, 40. Os dois se conheceram sete anos antes e estavam casados havia seis.
Depoentes afirmaram à polícia que Sabrina confidenciava estar infeliz no casamento. O motivo seriam desavenças entre o casal, além de situações de violência verbal, física e psicológica, segundo testemunhas relataram ao Correio. Antes da morte dela, outros acontecimentos abalaram o casamento: fases de depressão, suicídio de um amigo próximo, duas gravidezes perdidas e brigas. Em uma das ocasiões, a discussão quase acabou na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), mas Sabrina desistiu de prestar queixa.
Apesar dos relatos, não há boletins de ocorrência registrados por crime de violência doméstica vinculados ao casal. Devido às circunstâncias da morte, no início das investigações, a Polícia Civil não descartou a hipótese de feminicídio. Contudo, o delegado-chefe da 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), Ricardo Viana, afirmou que a apuração tem ido por um caminho diferente. “O laudo fala que ela ingeriu álcool, tomou um medicamento e teve asfixia. Os peritos não descartam que ela possa ter se sufocado no próprio travesseiro. A condução (do caso) não está sendo pela linha de feminicídio”, reforçou.
O investigador não deu mais detalhes, pois o responsável pela apuração é o delegado-adjunto da 6ª DP, Zander Vieira Pacheco,que está doente e ficará afastado até o início desta semana. O documento mais recente anexado ao relatório policial partiu do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em 23 de fevereiro. A instituição dá prazo de mais três meses para continuação das investigações, a pedido da polícia.
Limitações periciais
Em depoimento à polícia, o marido de Sabrina relatou que a encontrou morta ao chegar. Ele afirmou que, naquele sábado, havia saído de casa para o trabalho, na Asa Sul, por volta das 7h50. Antes disso, porém, viu que Sabrina dormia “de lado e encolhida” sob as cobertas. Ao retornar, aproximadamente às 14h30, encontrou a mulher ainda na cama, “deitada quase de bruços, com os cabelos sobre o rosto, (...), o rosto com a parte frontal no travesseiro e com as mãos (em forma) de concha (contraídas)”, segundo inquérito policial.
O professor de educação física acionou o Samu, e a equipe de profissionais da saúde constatou a morte. Por volta das 16h, um dos porteiros do condomínio ligou para a polícia. Quando os investigadores chegaram, não encontraram indícios de arrombamento do imóvel ou de invasão. No relatório da perícia, legistas não precisam a quantidade de comprimidos ingerida pela médica. Além disso, não houve abertura do corpo durante a necropsia, como recomendado pela direção do Instituto de Medicina Legal (IML) para todos os casos, devido à pandemia da covid-19.
Na noite anterior à morte de Sabrina, ela e marido haviam participado do aniversário de uma amiga em um restaurante na QI 5 do Lago Sul. Por volta das 19h, seguiram para um bar na 202 Sul, onde ficaram até meia-noite. André disse à polícia que a médica havia se sentido mal durante um momento e que, depois de chegarem em casa, não viu quando a companheira se deitou para dormir. Antes disso, ela estava na cozinha, segundo ele.
Pai de Sabrina, o cirurgião-dentista Eduardo de Abreu Fernandes, 66, disse que nunca interferiu no casamento da filha. Mesmo assim, estranhou não ter sido comunicado sobre a morte pelo marido da médica. “Foi um colega deles quem me avisou. Perder um filho de uma forma dessas, em que está tudo escuro, é muito doído. Ela foi uma pessoa que deu a vida à profissão, para ajudar os outros”, completou.
A advogada Sofia Coelho, contratada pela família como assistente da acusação, sustenta a hipótese descartada pela polícia de feminicídio. “Existem depoimentos de colegas de trabalho que presenciaram ela chegando com machucados, arranhões, braço quebrado. E ela dava desculpas que não eram compatíveis com o nível das agressões”, comentou. “O inquérito está um pouco parado. Há provas que devem ser produzidas com certa urgência e não estão no inquérito. A perícia está bastante genérica. Nesse tipo de caso, tem de ser muitíssimo específica”, ressaltou.
À reportagem, André Villela disse que colaborou espontaneamente com as investigações e negou ter agredido Sabrina em qualquer ocasião. “Estou sofrendo muito com a situação de minha esposa. Ao delegado e a todos que vieram conversar comigo, dei todas as informações que me pediram. Entreguei meu celular e o de minha esposa. Eu estaria preso se a tivesse matado. Não teria entregado meu celular, o de minha esposa e todas as informações. Fui à delegacia cinco, seis vezes. Quem deve não teme”, afirmou.