Pela tela do computador, Damián, de 7 anos, tem aulas. A escola fica em São Paulo, mas o menino está em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, a mais de 2 mil quilômetros de distância. Novato, ele só conhece o colégio onde já estuda por fotos e vídeos e está de olho na lona de circo que sabe que vai encontrar na escola quando a família finalmente conseguir se mudar para o Brasil.
Enquanto as aulas permanecem online ao menos para parte da turma, estudantes de outros Estados brasileiros e até do exterior frequentam escolas particulares na capital. Com ajustes no fuso horário e uma dose de paciência, o "intercâmbio" se torna possível e a troca de experiências e culturas pode virar até parte da aula.
Quando os pais matricularam Damián na Escola Castanheiras, em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo, já sabiam que se mudariam para o Brasil, por causa do emprego do pai. O processo de mudança atrasou e a família continua em Santa Cruz de La Sierra à espera de uma chance de chegar ao Brasil. As aulas de Damián, no entanto, estão a todo vapor.
"Achamos importante ter aulas porque ele tem de começar a conhecer os companheiros, os amigos, aprender a língua. Tem de ter um ritmo, rotina", diz o pai, o advogado Javier Castellanos, de 34 anos. O sotaque novo deixa a turma atenta e curiosa, conta a mãe, a psicóloga Paloma Peró, que também aproveita as classes do filho para aprender português. As professoras se esforçam para falar devagar. Difícil mesmo é acompanhar o fuso brasileiro, que põe o menino de pé antes das 7 horas.
Quem também sofreu com o fuso horário foi Laura Fabris, de 16 anos, que às 6h30 já está a postos na frente do computador, enquanto os relógios dos colegas de classe marcam 7h30. Laura mora em Cuiabá com a família e a escola onde estuda fica em São Paulo. "No começo foi mais difícil, mas acabei me adaptando e virou essa a rotina." No início do ano passado, antes da pandemia, a adolescente deixou mãe e pai em Cuiabá e se mudou para São Paulo para estudar no Colégio Poliedro. Com o avanço do vírus e o fechamento do colégio, Laura voltou para a cidade natal, mas continua matriculada na escola em São Paulo, fazendo aulas remotas. No último ano do ensino médio, quer tentar uma vaga em Administração. "Sem menosprezar as escolas de Cuiabá, mas São Paulo é uma cidade maior, com mais chance de crescer e a escola me proporciona a oportunidade de conhecer essa área."
Em fevereiro, quando teve início o ano letivo, a adolescente chegou a viajar para São Paulo, mas durou pouco a estadia. O colégio foi novamente fechado e, agora em Mato Grosso, Laura não tem data para voltar à capital paulista. E já pensou até na possibilidade de se formar sem nunca mais pisar no colégio (algo só possível pelo ensino remoto). "Por enquanto, meu plano é continuar aqui porque, mesmo com a volta das aulas, ainda acho arriscado ir. Os casos (de coronavírus) ainda estão aumentando cada vez mais."
Na capital paulista, escolas foram autorizadas a reabrir na semana passada porque o Estado saiu da fase emergencial, a mais restritiva da quarentena. Laura sente falta do contato com os professores e amigos - ela acredita que aprendia também com a interação social em sala de aula -, mas conseguiu manter as amizades que fez quando podia ir à escola.
Sem troca
Guilherme, de 6 anos, se despediu de São Paulo, mas não da escola onde estuda. A família se mudou para Barão de Cocais, uma cidade de 30 mil habitantes no interior de Minas Gerais, e o menino continua matriculado no Colégio Santa Maria, na zona sul de São Paulo. "Ele tinha acabado de se mudar para o colégio. Não pretendo trocar de escola, pelo menos enquanto durarem as aulas remotas", diz a mãe, a advogada Mariana Giraldes, de 39 anos.
As incertezas sobre o avanço da pandemia dificultam os planos, mas a mãe tem a ideia de mantê-lo matriculado na escola longe de casa pelo menos até o meio do ano. Em Barão de Cocais, também não há aulas presenciais. "Acho que no mínimo até junho não volta 100% presencial, que é quando encerraria mais um ciclo. Depois, em junho, a gente avalia."
Ela também trocou de emprego - está agora em um totalmente remoto - para conseguir se mudar com o marido, engenheiro, que foi transferido para Minas. "Se fosse uma situação normal, em que ele (Guilherme) pudesse frequentar a escola, não trocaria uma escola presencial por uma online, ainda que a presencial não fosse tão boa. Ele sente bastante falta de ir à escola, mas nessa condição de aulas online preferimos manter na que já está", diz a mãe, que notou avanços no processo de alfabetização desde que o menino começou a estudar no Santa Maria.
Enquanto uns vão, outros chegam. O colégio já tem matrícula de alunos que vêm de outro Estado - caso do Gabriel, de 9 anos, e da Lara, de 7. "É um coleguinha que está longe, está em outro Estado, mas quando passar a pandemia vai estar com a gente", disse a professora para apresentar Gabriel à turminha no Santa Maria. "Eles ficaram agitados, querendo ver, conhecer o Gabriel, saber onde ele estava", conta a mãe, a enfermeira Elizângela Oliveira, de 36 anos.
Em Blumenau (SC), as crianças tiveram aulas remotas no colégio de São Paulo desde o início de fevereiro e só agora, em abril, a família se mudou para a capital paulista, após a transferência de emprego do marido. Lara finalmente conheceu a escola na semana passada e Gabriel aguarda a sua vez para pisar no colégio. "O ponto positivo do online é esse: se estiver em outro país, você consegue manter as aulas, mas o contato, a vida social, de criança com criança, não tem preço." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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