Em reunião extraordinária que durou mais de quatro horas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vetou, nesta segunda-feira (26/4), a importação da vacina russa Sputnik V para o Brasil. Técnicos e diretores do órgão questionaram os riscos à saúde e a ausência de documentos que comprovam a eficácia do imunizante.
O governo federal já havia feito acordo para a compra de 10 milhões de doses da vacina, caso ela fosse aprovada pela agência reguladora. Outros 14 estados e duas prefeituras enviaram pedidos de importação da Sputnik V à Anvisa nos últimos dias – a maioria do Nordeste e Norte do país.
O pedido de uso emergencial do imunizante foi feito em 25 de março pela União Química, responsável pela produção no Brasil.
A Sputnik V já havia sido liberada em 17 países, como a própria Rússia, Argentina, Bolívia e México. Em seu Twitter oficial, a vacina pediu que a Anvisa autorizasse o uso emergencial no Brasil. Desenvolvida pelo Centro Gamaleya, estatal russa, a vacina demonstrou eficácia de 97,6% contra a COVID-19.
Os números foram baseados em uma análise feita com 3,8 milhões de pessoas. Do total de vacinados entre 5 de dezembro de 2020 a 31 de março de 2021, a taxa de infecção a partir do 35º dia após a primeira dose foi de apenas 0,027%.
De acordo com a análise técnica da Anvisa, a Sputnik V usa um tipo de vírus que automaticamente se multiplica na célula, com risco à saúde humana. “Um dos pontos críticos foi a presença de adenovírus replicante na vacina. O vírus, que deve ser usado apenas para carrear o material genético do coronavírus para a células e assim provocar resposta imune, ele mesmo se replica. Isso é uma não conformidade grave”, avaliou o gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da agência, Gustavo Mendes.
Ele entende que, ao ser injetada no corpo humano, a vacina pode produzir uma mutação perigosa: “Numa sequência de fabricação de vacinas, que começamos com a seleção de células cultivadas para depois serem infectadas e replicadas para servir como carreadores, vai ocorrer uma mutação desse vírus que faz com ele que se torne replicante. O vírus era para ser um vetor, mas no seu procedimento de cultivo ele começa a se replicar. Essa célula para cultivo está passando por um processo contrário ao que deveria ocorrer, já que o vírus readquire sua capacidade”.
Uma das diretoras da Anvisa, Meiruze Souza Freitas também não aprovou o imunizante: “Todo registro sanitário de autoridade é embasado numa avaliação robusta em relatórios e pareceres emitidos. Nesse sentido, quando a Anvisa estabeleceu o artigo 10 da RBC, entendeu-se subsequente que o relatório e os pareceres estariam públicos ou acessíveis para ser enviados às autoridades quando necessários. Não tivemos acessos aos documentos”.
O relator do processo, Alex Campos, questionou a falta de dados da vacina russa: “O agente regulador tem que lançar mão de todo e qualquer informação disponível ao seu alcance num cenário de pandemia e urgência sanitária para ir ao encontro do que é a vontade de todos, que são as vacinas”.
De acordo com um painel divulgado pela Anvisa, 15,48% da documentação necessária para a aprovação da vacina ainda não haviam sido entregues ao órgão. Os dados públicos da agência também informavam que outros 63,75% dos documentos continham pendências.
Baixa eficácia
Em seu parecer, Campos apresentou dados técnicos para criticar a baixa efetividade do imunizante russo nos demais países em que ele foi aprovado, como Argentina, Rússia e Hungria.
“Cabe destacar o baixo percentual de vacinados na Argentina, apenas 13% da população, o que dificulta qualquer conclusão quanto o perfil de segurança da Sputnik V. Na própria Rússia, é difícil conciliar a posse de uma vacina dita extremamente eficaz e fácil de fabricar com as baixas taxas de vacinação do país (menos de 8% receberam a primeira dose). A liderança da Hungria em vacinações, baseando em vacinas chineses e russas, não se traduziu na redução da propagação do vírus”.