Depois de quase perder milhares de testes para covid-19 por não conseguir distribuí-los antes do prazo de validade, o Ministério da Saúde ainda não conseguiu organizar um plano que garanta o fornecimento de exames a longo prazo. Desde outubro, a pasta promete comprar modelos mais modernos, como testes rápidos de antígeno, mas até agora não há nem mesmo dinheiro reservado para isso.
A maior parte dos exames RT-PCR, considerado "padrão ouro", que ainda estão nos estoques federais (cerca de 2 milhões) deve vencer até o fim de maio. A expectativa da pasta, porém, é distribuí-los antes aos Estados, pois a demanda por diagnósticos tem crescido. Como revelou o Estadão, esses testes estavam prestes a perder a validade a partir de dezembro, quando havia cerca de 7 milhões de kits encalhados - o ministro era Eduardo Pazuello. Depois, os produtos tiveram a vida útil ampliada em quatro meses após aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Gestores do SUS temem que testes já enviados a Estados percam a validade nos estoques dos laboratórios centrais. O ministério, porém, diz que tem acordo com a fabricante para trocar os exames que ultrapassarem o prazo. Há ainda contrato para a Fiocruz produzir mais 4,3 milhões de exames do mesmo modelo a partir de junho.
Especialistas veem falta de política eficiente de uso dos exames. Até mesmo o resultado é lento. Segundo dados do ministério, cerca de 10% das amostras levam até 5 dias para serem levadas a um laboratório de análise. Depois, são cerca de 2 dias para divulgar o resultado. Além disso, ideias do governo de criar aplicativos para rastrear contatos de infectados, entre outras, ficaram no caminho.
O resultado das falhas na estratégia é que o País ainda está longe das próprias metas. A ideia do governo era fazer mais de 24 milhões de exames RT-PCR até dezembro, mas só 15,63 milhões foram feitos até agora. A demanda subiu nos últimos meses e atingiu recorde de 2,42 milhões de exames em março. Em abril, foram 1,61 milhões, mas os dados costumam levar dias até serem consolidados.
Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, tem dito que lançará nova estratégia de testagem, com base no uso dos exames de antígeno. O modelo também detecta a doença ativa e pode liberar o resultado em minutos. "Em breve lançaremos um programa de testagem da população, usando testes com antígeno, que são mais rápidos. Assim, conseguir identificar aqueles casos positivos, seus contactantes, para que possamos adotar melhor uma política de quarentena para aqueles indivíduos afetados pela covid", disse ontem, sem citar prazos.
Há cerca de seis meses o ministério promete entregar 12 milhões deste tipo de exame, mas o Estadão apurou que ainda falta liberação de verba para a compra e cotação de preços. Questionada há mais de duas semanas, a Saúde não respondeu quando abrirá a compra de testes - antígeno ou RT-PCR. Queiroga também não aponta prazos em suas declarações.
Para a epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Ethel Maciel, o Brasil diz que seria mais eficiente decidir como flexibilizar quarentenas ou não ao avaliar a taxa de exames positivos. "Esse parâmetro de poder abrir se tem leito vago foi criado no Brasil. Estamos investindo na doença, esperando as pessoas adoecerem para usar o leito."
Ethel defende que funcionários de serviços essenciais, grupo muito exposto, deveriam ser testados regularmente. Isso evita surtos no ambiente de trabalho ou que o empregado transmita o vírus no transporte público, por exemplo. Testagem também ajuda a isolar um parente infectado e impedir que toda a família se contamine.
Na mira
A omissão para organizar a testagem pode levar Pazuello e alguns de seus auxiliares a serem punidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em maio, o órgão deve votar se abre processo para apurar irregularidades nesta área. Em relatório técnico, o tribunal cita "letargia" na Saúde para a compra de insumos do processo de diagnóstico. Segundo o tribunal, a pasta abriu em novembro processo de compra de reagentes de extração do RNA e ainda nem publicou o pregão para receber ofertas.
O TCU aponta que a Saúde mudou o próprio plano de contingência nacional para se livrar de responsabilidades. No documento, a atribuição de "garantir" insumos para diagnósticos foi trocada por "subsidiar a rede laboratorial quanto aos insumos para diagnóstico". Para o tribunal, houve "enfraquecimento da política nacional de combate à pandemia".
O relatório do TCU diz que a tentativa de empurrar a responsabilidade a Estados "não pode prosperar", com risco de disputa por produtos, elevação de preços e desabastecimento. A área técnica da Saúde apontava desde maio de 2020, que não havia planejamento na compra de exames e os produtos poderiam vencer. Um dos entraves era a falta de outros insumos usados na análise de amostras, além da necessidade de equipar laboratórios nos Estados. Com largo estoque e validade curta, a Saúde negociou dar 1 milhão de exames ao Haiti, mas só 30 mil foram aceitos.
Cotação de preços
A Saúde diz, em nota, trabalhar em programa de testagem da população com exames de antígeno e estar na fase de cotação de preços, mas não apontou prazo e volume a ser adquirido. Também não disse quantos exames RT-PCR vai adquirir. Sobre o prazo para liberar resultados, cita como dificuldades "o tempo de logística no transporte das amostras e reduções de voos" no País, entre outros fatores. "A taxa total de exames liberados em até dois dias, está em 86% e 98% em até cinco dias", diz a pasta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.