Aprovado no Senado na noite de anteontem, o projeto de lei que autoriza a quebra de patentes de vacinas e medicamentos contra a covid-19 no Brasil deve ser engavetado na Câmara. O Estadão apurou que o presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), trata o tema como a última de suas prioridades e já avisou que "não vai nem olhar" para esse assunto. Com exceção de nomes da oposição, a maioria dos líderes de partido evita declarar apoio. O governo de Jair Bolsonaro é contra.
O projeto altera uma lei de 1996 que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. A versão aprovada pelos senadores por 55 votos a 19 foi sugerida pelo relator, Nelsinho Trad (PSD-MS), com base no texto original, do senador Paulo Paim (PT-RS). Com a quebra de patentes, a produção de imunizantes, insumos e remédios não precisaria observar os direitos de propriedade industrial durante a pandemia. No âmbito internacional, países como Índia e África do Sul tentam aprovar essa medida na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas nações desenvolvidas, como Estados Unidos, Reino Unido, Suíça e Japão são contra. O governo brasileiro não se posicionou oficialmente.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), questiona a efetividade de o Brasil adotar a medida de forma isolada. "Poderíamos ter como efeito as empresas não venderem vacinas para nós", afirmou ao Estadão. O argumento é o mesmo usado pelo líder do governo na Casa, o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR).
O presidente da Câmara também tem afirmado à interlocutores que a medida terá como efeito afugentar registros de medicamentos no País. Lira tem se informado sobre o assunto com especialistas e chegou a conclusão de que é impossível quebrar patentes no Brasil se não há registro dos medicamentos. O que torna o projeto aprovado pelos senadores inócuo.
Mesmo entre aqueles que defendem a flexibilização das regras, a avaliação é que promover a quebra de patente sem mudar acordos internacionais não é suficiente para produzir vacinas. O que só seria possível caso o Brasil dominasse todas as etapas do ciclo de produção. Além disso, o processo para o País descobrir o modo de fabricação de imunizantes como os produzidos pela Pfizer e Janssen poderia levar meses ou anos.
"Nosso problema agora não é quebra de patente, mas como a gente consegue vacina para os próximos meses? Para este problema a licença compulsória não parece ser a solução", afirmou o advogado Otto Banho Licks, especializado na área de propriedade intelectual. "Duvido muito que a gente, na prática, teria uma licença compulsória. A lei permite, mas a gente não vai ter (por causa dos processos de fabricação das vacinas)."
Acordos
Na Câmara, um dos defensores da quebra de patente é o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que assumiu recentemente o comando da Comissão de Relações Exteriores. O tucano disse que pretende procurar o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), para discutir o texto. "Vou conversar com ele sobre esse tema na terça-feira. A dúvida é se tem alguma efetividade como está", disse ao Estadão. O tucano também é autor de um projeto de quebra de patentes.
O projeto do Senado autoriza a licença compulsória apenas quando a empresa que detém o produto não suprir o mercado de forma suficiente em uma situação de emergência como a pandemia do novo coronavírus. Mesmo com a patente quebrada, seus detentores receberão 1,5% do lucro líquido advindo da venda do produto.
Apesar das resistências, deputados de oposição pressionam para que o projeto seja colocado em votação. "Seremos a favor. Acredito que possamos ter maioria", afirmou o líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-PE). O líder do PT, deputado Bohn Gass (RS), declarou que a medida é necessária neste momento para "evitar mortes". A decisão sobre a pauta cabe a Arthur Lira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.