Jornal Estado de Minas

MASSACRE NO RIO

Operação no Jacarezinho: Defensora relata 'cenas de crime desfeitas' e 'choque' com morte em quarto de criança



Membros de organizações que estiveram na favela do Jacarezinho depois da operação policial que deixou 25 pessoas mortas na quinta-feira descrevem cenários de devastação e dizem que cenas de crimes foram desfeitas antes que perícias pudessem ser feitas nesses locais.





A Defensoria Pública, a Comissão de Direitos Humanos da OAB e a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio foram à favela e ouviram moradores.

"O primeiro choque inicial (ao chegar ao Jacarezinho) foi a quantidade de sangue nas ruas", disse a defensora pública Maria Júlia Miranda depois da visita. "Eram muitas poças. Relatos de violação de domicílio e de mortes neles. Muitos muros cravejados de bala, muitas portas cravejadas de bala".

Ela também descreveu cômodos de casas cobertos de sangue, inclusive o quarto de uma criança, e mães procurando seus filhos pelas ruas.

Cenas de crimes desfeitas

A Defensoria disse que pelo menos três cenas de crime foram desfeitas antes que a perícia pudesse chegar.





Numa delas, segundo a defensora Maria Júlia, o corpo de um homem que foi morto numa via pública foi retirado dali. Há, diz ela, uma foto que mostra o homem já morto numa cadeira e outra, que teria sido tirada mais tarde, mostra a mesma cadeira ensanguentada, mas já sem o corpo.

A Defensoria visitou também duas casas que chamaram a atenção. Numa delas, havia sangue pelo chão e pedaços de corpos. Na outra, o quarto de uma criança de oito anos estava coberto de sangue.

A família contou à Defensoria que testemunhou a execução de um homem ali. Ele entrou na casa já ferido e foi morto no quarto da menina, que, inclusive, viu a cena, segundo contou a família à defensora. Também há depoimentos de outros moradores que descrevem corpos sendo retirados de casas, diz a Defensoria.

"Nesses casos provavelmente houve execução. Pessoas foram tiradas já mortas, o que para a gente configura desfazimento de cena de crime", diz Maria Júlia.


Moradores reagem à retirada do corpo de uma das 25 pessoas que morreram durante operação policial no Jacarezinho (foto: Ricardo Moraes/Reuters)

Guilherme Pimentel, ouvidor-geral da Defensoria Pública e portanto responsável por receber denúncias de moradores, disse que recebe com frequência relatos desse tipo de moradores de favelas.





A operação policial desta quinta-feira, que deixou 25 mortos, foi a mais letal da história do Rio de Janeiro, segundo o Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), superando os recordes anteriores registrados na Vila Operária em Duque de Caxias (23 mortos em janeiros de 1998), no Alemão (19 mortos em junho de 2007) e em Senador Camará (15 mortos em janeiro de 2003).

A deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, vê falta de transparência da polícia em relação à identidade dos mortos.

"Não está clara a ligação das 24 vítimas com a operação, que até então tinha 21 suspeitos (a 25ª vítima é um policial civil). É óbvio que a morte dessas pessoas não se justificaria mesmo com um crime, mas é ainda mais chocante que operações saiam com 24 mortos e não tenhamos um relato preciso da polícia de qual era seu objetivo e como ele foi alcançado. Se essa operação tivesse vislumbrado esses 21 suspeitos, já sairíamos do processo com identificação dessas pessoas. Várias seguem sem identificação".

Polícia descumpre decisão do STF, dizem entidades

As organizações também lembraram que está valendo uma decisão do STF que proíbe operações policiais durante a pandemia, a não ser em casos excepcionais, e disseram que a ação no Jacarezinho descumpre a decisão.





O advogado Daniel Sarmento, que apresentou o pedido de proibição ao STF em nome do partido PSB, disse que esse tipo de descumprimento já vinha acontecendo e que o Ministério Público, que deveria avaliar as operações, o faz de forma burocrática.


Polícia carioca exibiu armas e drogas apreendidos na ação no Jacarezinho (foto: Reuters)

Em nota, o MP disse que "vem adotando todas as medidas para verificação dos fundamentos e circunstâncias que a envolvem, bem como sobre as mortes dela decorrentes".

Sarmento disse também que fará petição ao STF pedindo que esclareça quais circunstâncias poderiam ser consideradas excepcionais para justificar uma operação e também requerendo uma investigação sobre o descumprimento da decisão judicial.





O que diz a polícia

Em coletiva de imprensa no fim da tarde desta quinta-feira, representantes da Polícia Civil do Rio de Janeiro negaram que tenham acontecido execuções ou irregularidades na operação que terminou com 25 mortos em Jacarezinho.

Questionado sobre a decisão do STF que inibiu operações policiais em favelas durante a pandemia, Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, afirmou que a medida judicial não impede as operações, mas estabelece uma série de protocolos para que elas sejam realizadas. Segundo ele, todas as medidas necessárias para justificar a operação foram previamente cumpridas.

Quanto às denúncias de invasões de casas de moradores e abusos cometidos pelos policiais durante a operação, o delegado Fabrício Oliveira, coordenador da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil), disse que foram os criminosos que invadiram as casas.





Quanto ao rapaz fotografado morto em uma cadeira de plástico, cuja imagem circulou amplamente nas redes sociais na tarde desta quinta-feira, o delegado disse apenas que se tratava de um "criminoso" e que o caso está sob investigação.

A polícia não comentou, até a publicação deste texto, a acusação de desfazimento de cenas de crime.

Os representantes da polícia civil criticaram em diversos momentos da coletiva o que chamaram de "ativismo judicial" que, segundo eles, tem impedido a presença do Estado, através da polícia, nas comunidades. Questionados mais de uma vez se estavam se referindo ao STF, os policiais disseram que não iriam nomear nenhuma pessoa ou instituição.


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