Há 31 anos, ser homossexual era considerado doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O dia 17 de maio de 1990 foi marcado pela retirada da “homossexualidade” da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Por isso, esta segunda-feira, é marcada pelo Dia Internacional Contra a LGBTFobia.
Luta essa que envolve agressões físicas ou verbais. Muitas pessoas da comunidade LGBT já ouviram alguma vez na vida na rua frases como "Isso é fase”, “Que desperdício”, “Você virou sapatão porque desiludiu com homens” e “Você é tão feminina que não parece sapatão”.
Luta essa que envolve agressões físicas ou verbais. Muitas pessoas da comunidade LGBT já ouviram alguma vez na vida na rua frases como "Isso é fase”, “Que desperdício”, “Você virou sapatão porque desiludiu com homens” e “Você é tão feminina que não parece sapatão”.
Pedro Henrique Lariano, 24 anos, é um homem gay e conta que algumas frases podem não ter impacto para quem fala, mas machucam aqueles que escutam. “Quando você é um homem gay ou uma mulher lésbica, ao longo da sua vida você sofre diversas demonstrações de homofobia, discriminação e de maneira gratuita. Uma delas que me marcou bastante aconteceu inclusive recentemente, no meu ambiente de trabalho”, disse.
“Eu trabalho com eventos e, em um deles, eu tinha que ir de um ponto até o outro. Só que nesse local onde eu tinha que passar tinha uma boa parcela do público. Era próximo de uma área de camarim de artistas. Então, o público estava ali concentrado tentando passar e segurança, fazendo todo o trabalho dele de não autorizar”, relata.
“Porém eu tinha autorização e pedi ao segurança para que ele me autorizasse e eu passei. Só que no momento que estava passando, uma das pessoas do público estavam ali, mais precisamente um homem, ele estava bastante raiva, então ele já veio, gritou pra mim, alta, bom sono ‘tinha que ser viado’”, disse. “Essa frase ali ecoou muito forte não somente no ambiente, mas também a minha cabeça e me fez lembrar de outras determinadas situações que já vivenciei que foram de demonstração gratuitas de preconceito, de discriminação, de homofobia, de raiva, que é muito do que a gente já sofre no dia dia”, lamentou.
“Então isso me machucou bastante. Eu estava simplesmente trabalhando, fazendo aquilo que eu mais amo fazer, e ouvir isso ali, em alto e bom som, como uma forma de xingamento, como uma demonstração gratuita de raiva, foi algo bem marcante para mim e que me machucou bastante”, finalizou.
Traumas na infância
Este tipo agressão é comum até na infância. Lauro Moura, 22 anos, relata um caso que aconteceu ainda quando criança. “Eu sempre me considerei uma criança diferente, mesmo não entendendo muito sobre minha sexualidade. Desde quando eu estava no pré-primário, me percebendo como homem, eu sempre tive uma afinidade maior com coisas do universo feminino. Jeitos, uma personalidade mais doce e delicada. Isso foi notado desde muito cedo por colegas, coordenadores e diretores. Até conversas com meus pais foram realizadas para solicitar um acompanhamento psicológico, já que no início dos anos 2000 ainda era um assunto totalmente tabu e eu já dava sinais de que eu ser eu incomodava, era algo que causava estranhamento”, conta.
“Tem um caso que vou levar comigo até meu último dia na terra. Na hora do intervalo com outros alunos dessa creche, eu estava quieto, era bem solitário nesse período, tinha poucos amigos, conversava com poucas pessoas, andava no recreio isolado de outras pessoas devido ao estranhamento que as outras crianças tinham em relação a mim”, relembra.
“Em uma brincadeira específica, eu estava quieto e foi pedido que quatro alunos me segurasse pelo braço e me arrastaram pelo chão. Dois me seguraram pelos braços e outros dois pelas pernas. Um deles falava: 'eu quero ver ele passando por todo esse chão, eu quero ele até o chão ficar limpo', como se eu fosse um pano de chão. Eu pedia para parar por favor e só pararam quando eu parei de reagir. Eu já estava chorando muito e eu lembro que a primeira pessoa que me estendeu a mão, eu não tinha muita intimidade, mas ela me ajudou pela situação.”
“Foi um dos piores momentos, é algo que foi um marco negativo pra mim. Eu acho importante falar, sobretudo neste dia, para que atos assim não possam acontecer. Dizer para qualquer pessoa vítima de agressão física ou verbal não se cale porque nós merecemos respeito e sermos livres para amar”, pediu.
Mulheres também são vítimas
Não somente os homens, mas também as mulheres sofrem com a homofobia. Uma mulher lésbica, que prefere não se identificar, conta que o medo de se assumir vem por parte da rejeição em casa. “Já ouvi muitas coisas preconceituosas, mas a maior de todas é a pressão em casa. Não poder me assumir, pois a minha própria mãe fala coisas terríveis. Ela já chegou a dizer que prefere morrer que ter filha lésbica”, lamentou.
Na rua, ela já ouviu frases como “É lésbica porque um homem não te pegou direito” ou “não fica faltando alguma coisa na hora do sexo?”. “Mas o pior é não poder ser quem eu sou em casa, por medo de rejeição, e na rua, por medo de ser morta”, relata.
Maísa Cristina, de 25 anos, também é uma mulher lésbica e conta que na rua, já escutou todo tipo de ofensa. “Uma vez eu estava com uma menina, andando de mãos dadas, conversando e rindo normal. A gente foi passar por uma rua e a gente viu dois caras na frente e eles ficaram encarando a gente. Ela sugeriu da gente soltar as mãos porque eles ficaram olhando. Passamos por eles e mexeram com a gente, mas não respondemos. Eles levantaram e foram atrás da gente, aí saímos correndo, morrendo de medo até chegar em casa”, disse. “Se eu saio com uma menina é uma chatice, a gente escuta muita coisa na rua. É muita coisa baixa, muita coisa feia”, completou.
Bárbara Gonçalves, 20 anos, é bissexual, e contou uma situação que viveu há dois anos, quando foi parada na rua por um homem e ninguém a defendeu. “Eu fazia curso pré-Enem e na saída para descer para a minha escola, eu estava passando pela Avenida João César, em Contagem, estava com uma pulseira LGBT que eu tinha e usava piercing no septo. Quando eu estava descendo, um homem começou a gritar comigo na rua, chegou a vir pra cima de mim para arrancar meu piercing no nariz e começou a falar várias coisas horríveis, super ofensivas sobre mim, que eu ia para o inferno, que tinha que morrer. Todo mundo na rua ficou parado olhando, o ponto de ônibus estava lotado e ninguém fez nada. Eu fiquei achando que ele ia me agredir e depois ele foi embora. Ninguém me defendeu”, conta.
“Me senti vulnerável, muito injustiçada e desrespeitada, chorei tanto que nem dei conta de chegar na escola. Fui embora com o corpo cheio de adrenalina e assim que ela passou eu não conseguia dar um passo, eu só sabia chorar. Tive que chamar um amigo pra ir me buscar porque eu não tinha condições”, acrescentou.
Ela conta que além do preconceito de pessoas heteronormativas, há também uma discriminação dentro da própria comunidade contra bissexuais. “Na maioria das vezes vêm como uma brincadeira e sempre estão lá para reafirmar a sua própria orientação sexual. Sempre com frases como ‘você é gay, não bi. Para de esconder’ ou ‘você é sapatão, assume aí’”, afirmou.
Ataques nas redes
Nas redes sociais, os ataques são ainda piores. Sophia Mendonça, 24 anos, é jornalista, escritora, apresentadora, cineasta e mestranda em Comunicação Social pela UFMG. Ela tem um portal e canal do YouTube "O Mundo Autista" desde 2015. "Eu sou uma mulher transgênero. Quando iniciei a minha transição social em 2020, fui muito bem recebida pelos meus seguidores. No entanto, a postagem em que eu falava pela primeira vez sobre a transição teve que ser deletada", relatou."
"O post viralizou e comecei a receber ataques de pessoas que não conheciam o meu trabalho e começaram a compartilhar a postagem em grupos para que mais pessoas viessem me atacar com comentários misóginos e transfóbicos. Como também sou autista, pontuaram que eu havia sido manipulada para ser trans e pediram a volta dos manicômios, dentre outras coisas sem sentido. Foi um momento muito duro e eu tive que por em prática tudo que aprendi sobre ser inabalável aos fatores externos. Felizmente, pude seguir em frente", complementou.
Especialista critica preconceito
Psicóloga e integrante do Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG), Larissa Amorim Borges avalia que a violência tanto verbal como física, acarreta inúmeros problemas psicológicos que pessoas da comunidade LGBT enfrentam.
"As pessoas e instituições precisam cada vez mais se preparar para lidar com a diversidade. Os limites do que aprendemos como o que é ser homem e o que é ser mulher, há muito tempo não dizem tudo sobre as possibilidades de ser e existir das pessoas no mundo. É preciso ampliar os horizontes pois, a violência LGBTfóbica gera impactos do corpo e na subjetividade das pessoas. A exposição à situações de violência, bem como recorrência das agressões pode gerar e também agravar processos de baixa auto-estima, depressão, síndrome do pânico entre outros agravos e adoecimentos", apontou.
"Vale ressaltar: ser LBGTQIA+ não é doença e por isso, não tem cura. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) aponta: 'Contra a LGBTfobia só há um remédio: cure o seu preconceito!'", destacou.
"As pessoas e instituições precisam cada vez mais se preparar para lidar com a diversidade. Os limites do que aprendemos como o que é ser homem e o que é ser mulher, há muito tempo não dizem tudo sobre as possibilidades de ser e existir das pessoas no mundo. É preciso ampliar os horizontes pois, a violência LGBTfóbica gera impactos do corpo e na subjetividade das pessoas. A exposição à situações de violência, bem como recorrência das agressões pode gerar e também agravar processos de baixa auto-estima, depressão, síndrome do pânico entre outros agravos e adoecimentos", apontou.
"Vale ressaltar: ser LBGTQIA+ não é doença e por isso, não tem cura. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) aponta: 'Contra a LGBTfobia só há um remédio: cure o seu preconceito!'", destacou.
Projetos buscam promoção de direitos
Em Minas Gerais, ações para o combate à LGBTfobia têm sido desenvolvidas pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese). Promoção da cidadania e defesa de direitos da população LGBT+, por meio da Coordenadoria da Política de Promoção da Cidadania LGBT . Nesse sentido, mantém diálogo com demais órgãos e entidades para acompanhar a execução de políticas públicas de Direitos Humanos para esse público.
Dia Internacional Nacional e Estadual de Combate à Homofobia
A Sedese apoiou a construção e a divulgação da campanha de combate à LGBTfobia da Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias, em visibilidade ao Dia Internacional, Nacional e Estadual de Combate à homofobia, celebrado no dia 17/05. Ressaltamos também o hasteamento da bandeira LGBT na Casa de Direitos Humanos, localizada no centro de Belo Horizonte, em homenagem ao Dia Internacional, Nacional e Estadual de Combate à Homofobia.
Projeto Empregabilidade
A Sedese está elaborando o projeto, que visa capacitar 150 pessoas LGBT em cursos das áreas da Economia Criativa e Tecnologia da Informação, realizar ações de sensibilização com empresas atuantes nesses segmentos e fazer levantamento das demandas de capacitação apresentadas pelas empresas. Com isso, busca fomentar a inserção da população LGBT no mercado formal de trabalho e, assim, estimular o desenvolvimento social em MG.
Outras ações
- Qualificação das Regionais da Sedese para o devido acolhimento dos municípios dos casos de LGBTfobia e desenvolvimento de ações de educação em Direitos Humanos na temática LGBT ;
- A Sedese irá oferecer o curso de formação em Direitos das Pessoas LGBT e Identidade de Gênero, na modalidade EAD, com previsão de lançamento em junho de 2021.
- Articulação junto à Coordenadoria Estadual de Políticas para População em Situação de Rua quanto à abordagem da população LGBT , orientação quanto ao respeitado o Nome Social bem como a garantia de acesso aos banheiros nas instituições de acolhimento conforme identidade de gênero;
- Articulação junto à Secretaria de Justiça e Segurança Pública para acompanhamento das ações e demandas da ala LGBT , localizada na Penitenciária Jason Soares Albergaria;
- Acompanhamento das ações do Comitê Técnico de Saúde Integral LGBT nas iniciativas intersetoriais relacionadas à saúde da população LGBT.
- Reestruturação da Comissão Estadual de Políticas de Enfrentamento às violações relativas à orientação sexual e à identidade de gênero das pessoas LGBT .
- Mobilização de organizações da sociedade civil que atuam no atendimento de casos de LGBTfobia para pactuar acesso ao Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação– SIMA para tratativa de violações de direitos humanos contra o público LGBT .
- Articulação com a Secretaria de Justiça e Segurança Pública para tratativa dos casos de LGBTfobia. Lembramos que o REDS já tem campos predefinidos para a anotação do nome social, orientação sexual e identidade de gênero.