Manhã de sexta-feira. Fabiana (nome fictício), 53 anos, dormia em um colchão na sala, quando acordou assutada com a chegada da polícia. Mãe de duas filhas, a dona de casa relatou, à reportagem, a situação que está passando. A caçula, de 19 anos, é investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) por arquitetar um massacre em uma escola pública no Recanto das Emas, versão contestada por Fabiana.
A operação Shield, deflagrada nessa sexta-feira (21/5), contou com o apoio da Adidância da Polícia de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos e do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Na delegacia, a suspeita prestou depoimento e foi liberada, por não se enquadrar na prisão em flagrante.
Em uma casa de esquina, moram Fabiana, o marido, a jovem e a neta, de 9 anos. O endereço não será divulgado para preservar a identidade dos envolvidos. A investigação começou após policiais dos EUA apurarem informações sobre indivíduos que teriam a intenção de cometer atos graves de violência no DF. A Coordenação do Laboratório de Inteligência Cibernética do MJSP fez inquirições preliminares e repassou as informações à Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC/PCDF).
Por meio de nota oficial, a Embaixada e os consulados dos EUA no Brasil destacaram que contam “com uma forte colaboração com as autoridades brasileiras em questões de segurança nacional e segurança pública de interesse comum” e que dispõem de uma série de acordos de cooperação técnica para combater o crime transnacional.
Por meio de nota oficial, a Embaixada e os consulados dos EUA no Brasil destacaram que contam “com uma forte colaboração com as autoridades brasileiras em questões de segurança nacional e segurança pública de interesse comum” e que dispõem de uma série de acordos de cooperação técnica para combater o crime transnacional.
A partir das informações contidas na internet, os policiais civis do DF localizaram o endereço da suspeita e cumpriram o mandado de busca e apreensão na residência. Na casa, os agentes apreenderam dois simulacros de arma de fogo que estariam sendo utilizados para treinamento para o dia do massacre, duas máscaras, celulares e dois cadernos de anotações. “Ela (suspeita) confessou o crime, mas não temos como dar mais detalhes, pois as investigações continuam e podemos chegar a outros suspeitos e ter um novo desdobramento”, afirmou o delegado Dário Freitas, da DRCC. O policial enfatizou, ainda, que o trabalho foi “um exemplo de cooperação internacional”.
Perfil
Ao Correio, a mãe da jovem afirmou que a filha sofre de esquizofrenia e tem distúrbios psicológicos. Contou, ainda, que sente medo de “tudo e todos”, desde o dia em que sofreu um acidente, quando voltava da escola, há dois anos. “Ela pesava 55kg, na época. Hoje, está com 103kg. Isso a abalou muito. Todos os dias, ela chora, não consegue andar sozinha, porque fica muito ofegante, se acha feia o tempo inteiro e pensa que todos zombam dela”, descreveu.
A jovem estuda em uma escola pública do Recanto das Emas e, como relata a mãe, quando as aulas estavam no modo presencial, a filha questionava o fato de um colega sofrer bullying e se sentia mal por isso. De acordo com Fabiana, a menina usou as redes sociais para desabafar com amigos de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Ela dizia para os colegas que ficava com muita raiva, chateada e queria matar as pessoas que faziam isso, mas isso faz tempo. Conversa de adolescente, mas nada que indicasse que ela estava arquitetando um massacre. De forma alguma”, defende.
Questionada sobre as máscaras e os simulacros de arma de fogo, a mãe revelou que comprou os equipamentos no próprio cartão de crédito por meio da internet. “Ela nem mexia nessas coisas. Minha filha é bipolar e, toda hora, quer uma coisa. Esses dias mesmo, ela estava me pedindo um urso de pelúcia, depois um brinquedo. Isso foi só para a diversão dela”, disse a dona de casa.
Segundo Fabiana, a filha faz acompanhamento psiquiátrico e psicológico e toma medicação todos os dias. “Ela não consegue tomar banho sozinha. Depois desse acidente, ela teve muitas sequelas e, às vezes, chega a não se lembrar de muita coisa”, frisou.
Investigação
A apuração policial segue na tentativa de localizar outros suspeitos que podem estar envolvidos no planejamento do atentado. Em entrevista ao Correio, Alessandro Barreto, coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas do MJSP, explica que casos como esses têm aumentado em todo o país. “Temos visto um número maior de ocorrências nesse sentido. Há três semanas, tivemos uma tentativa em Cabo Frio (RJ). A partir do ciberespaço, conseguimos uma metodologia de buscar mais informações e difundir para as polícias estaduais e judiciárias. Temos tido sucesso”, destacou.
Coordenador-Geral de Combate ao Crime Organizado, Carlos Augusto do Prado Bock, detalha como funciona o trabalho do MJSP nesses casos. “Não há uma investigação por parte do ministério. Nós ligamos os pontos. Recebemos a informação, e o nosso objetivo é identificar quem seria a instituição que vai cuidar desse crime. Então, repassamos as informações, dando o apoio logístico de que eles vão precisar”, explica.
O secretário de Operações Integradas do MJSP (Seopi), Alfredo de Souza Lima Coelho Carrijo, complementa. “Esse fluxo de informações é constante e chega para nós notícia-crime, denúncias anônimas. Certos crimes inspiram outras pessoas. Então, nesse contexto de assassinato em massa, você tem um ambiente virtual que pode incentivar esse tipo de propagação de ideias. Melhor trabalharmos com a prevenção do que deixar determinadas situações passarem”, avaliou.
Segundo Carrijo, é prematuro cravar que o caso do DF tenha ligação com o massacre de Santa Catarina, onde três crianças, uma professora e uma monitora foram mortas a facadas. “Quando você tem um crime que já foi cometido com os mesmos métodos e viés, a linha de investigação não pode descartar nada. Mas, ainda é cedo para afirmar algo. Esse é um tipo de crime que não ocorre de um dia para o outro. Esses indivíduos, ao longo de determinado tempo, dão sinais”, revela.
Na avaliação de Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública, antes de acontecerem esses eventos, polícias pelo mundo se concentram no monitoramento de comportamentos de grupos extremistas e seus membros, em especial em redes sociais abertas, mas também nas secretas como a Deep Web. “Esse tem sido o caminho mais comum. Tudo isso precisa estar aliado à informação e à capacitação de quem trabalha nos ambientes escolares, de professores e dos alunos, aos moldes do que se realiza em treinamentos para evacuação em casos de incêndios, por exemplo”, argumenta.
Ele destaca, ainda, a efetividade dos sistemas para investigações em meios digitais. “Há meios que reconhecem palavras, expressões, códigos e quaisquer outros mecanismos que indiquem preparação desses ataques. Mas, nos casos em andamento, empresas já oferecem recursos que monitoram movimentos de agressores durante as ações de ataque. Nesses casos, os alarmes chegam para as autoridades em tempo real com base na identificação das imagens das agressões, captadas pelas próprias câmeras nos ambientes”, finalizou.
» Colaborou Edis Henrique Peres e Luana Patriolino
Palavra de Especialista
Ponto fora da curva
No Brasil, esse tipo de ação em escolas é um ponto fora da curva, não costuma ser regra no nosso país. Mesmo nos Estados Unidos, em que casos de atentados são mais comuns, ainda são considerados uma exceção à regra. Porque, geralmente, essas ações são feitas por pessoas que surtam e decidem fazer um atentado. Além disso, hoje, pela legislação brasileira, não podemos classificar esse tipo de comportamento como terrorismo, porque a lei define terrorismo como as ações de causa xenófobica ou religiosa. De forma geral, é até mesmo difícil para os agentes monitorarem e traçarem um perfil dos autores desse tipo de crime, pois são episódios esporádicos e realizados por diferentes motivações.
Willy Hauffe, diretor da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)