Jornal Estado de Minas

REPERCUSSÃO

Médicos repudiam críticas do presidente do CFM à CPI da COVID-19

As recentes declarações do Conselho Federal de Medicina (CFM) contestando a condução da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19, conduzida pelo Senado Federal, têm desagradado médicos país afora. O presidente da entidade, Mauro Ribeiro, gravou vídeo dizendo que o comitê de investigação tem “ambiente tóxico”. As imagens, em versão editada, foram compartilhadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).



Nessa quarta-feira (2/6), além do vídeo, o CFM já havia emitido nota de repúdio sobre o tema. O documento é subscrito por Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Nas imagens propagandeadas por Bolsonaro, Mauro Ribeiro argumenta que o coronavírus desperta dúvidas.

“Não temos certeza sobre nada em relação a essa doença desconhecida. Temos todas as dúvidas do mundo. Esse é o ponto”, diz.



O infectologista, epidemiologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geraldo Cunha Cury, porém, lembra que há ações comprovadamente eficazes para barrar o vírus. “Existem muitas dúvidas em relação ao coronavírus, mas existem certezas científicas: não existe tratamento precoce e precisamos de mais vacinas contra a COVID-19 com urgência”, rebate.

“No Brasil temos que usar máscara, manter distanciamento social e higiene das mãos até que aproximadamente 70% dos brasileiros estejam vacinados”, completa o especialista.

Nesta semana, além da médica Luana Araújo, que deixou o Ministério da Saúde após passagem relâmpago e “extraoficial”, a CPI tomou o depoimento da oncologista Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina, remédio sem eficácia para tratar a enfermidade. Ela foi inquirida por parlamentares que contestam a tese do “tratamento precoce”, sem evidências científicas que atestam seu sucesso.



Mauro Ribeiro afirmou que Nise Yamaguchi foi “destratada” pelos congressistas. Ele também reclamou do tratamento dado à médica Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde pejorativamente chamada de “capitã cloroquina”.

Ribeiro teceu fortes críticas ao médico e senador Otto Alencar (PSD-BA), que repudiou duramente a conduta de Nise ante a COVID-19.

“Infelizmente, o CFM fala em ambiente tóxico na CPI. Entretanto o que aconteceu no depoimento da doutora. Yamaguchi foi que ela não respondia às perguntas e gastava tempo dos 15 minutos que cada senador tinha sem responder ao que tinha sido perguntada”, sustenta Geraldo Cunha Cury.

Mais críticas

Quem também mostrou descontentamento com as declarações de Mauro Ribeiro foi Gerson Salvador, infectologista do Hospital da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em saúde pública. 



Ele saiu em defesa da apuração conduzida pelo Senado Federal e gravou vídeo contestando os posicionamentos do dirigente do conselho. “O senhor deveria ter obrigação de zelar pelo cumprimento ético da medicina. O senhor não é representante dos médicos. O CFM é uma autarquia pública e o senhor tem responsabilidade com isso. A CPI tem sido instrumento para averiguar os desvios na condução da pandemia”, protestou.

Salvador aproveitou para apontar contradições no comportamento da entidade médica.

“Gostaria de saber onde estava o presidente do Conselho Federal de Medicina quando o Ministério da Saúde divulgou tratamentos ineficazes, inclusive com prescrição por aplicativo, ferindo frontalmente a autonomia do médico. Gostaria de saber porque o Conselho Federal de Medicina não se pronunciou quando o presidente da República disse que nós somos escravos de protocolo. Ou quando o governo federal foi a Manaus, com falta de oxigênio, entregar cloroquina para tratar coronavírus”.



Na nota que publicou em seu site, o CFM alega falar “em nome dos mais de 530 mil médicos brasileiros”. Incomodado com a generalização, o cardiologista Marcio Bittencourt, da USP, subiu o tom ao reclamar. “Desculpe, não sou um dos 530 (mil). Solicito uma recontagem que inclua somente os médicos com vocação de capacho do governo como o presidente do conselho”, escreveu.





Presidente do CFM pede para depor


Mauro Ribeiro quer, a todo custo, ir à CPI. Segundo o dirigente, “deputados, senadores, jornalistas e procuradores” têm sido escutados sobre o combate à epidemia.

“Todos falam, hoje, sobre tratamento, sobre lockdown e sobre a doença COVID. Os únicos que não estão sendo ouvidos são os médicos brasileiros, os enfermeiros, os técnicos de enfermagem, os fisioterapeutas, as assistentes sociais, os psicólogos e os dentistas”.

Ele disse ter enviado ofício ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que não compõe a comissão, protestando contra o ambiente dos trabalhos. Ao comentar o vídeo do presidente do CFM, Jair Bolsonaro voltou a alfinetar os participantes do comitê, dizendo que falta “coragem moral” aos parlamentares para concretizar a oitiva de Ribeiro.





 

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.


Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.





O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.

O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.





Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.





Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão
 





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