Conteúdo verificado: Post no Instagram, de uma página chamada Diário do Presidente, contendo a frase “Acusado de ser lento, o ritmo de vacinação do Brasil supera o ritmo da Alemanha”. O conteúdo alega que os brasileiros teriam chegado a 11% da população imunizada em 138 dias, contra 140 dias da Alemanha.
Esta semana, uma publicação do Instagram viralizou nas redes sociais afirmando que o ritmo da vacinação contra a COVID-19 do Brasil seria superior ao da Alemanha. O argumento é de que os brasileiros teriam alcançado a marca de 11% da população vacinada mais rapidamente, mas essa informação não está correta. Na verdade, o Brasil precisou de 142 dias para atingir esse número, enquanto a Alemanha levou 139 dias — ou seja, três dias a menos.
Leia Mais
Sem coveiros em cemitério, família tem de enterrar corpo de parenteSecretaria de Saúde de Mossoró investiga uma festa dentro da ala de COVIDAnvisa autoriza vacinação de adolescentes com mais de 12 anos com Pfizer'PIFAIZER!': vídeo ironizando governo pela recusa de vacinas viraliza; vejaCaso Kathlen: OAB do Rio avalia que PM desrespeitou decisão do STFAlém disso, o país europeu começou a aplicar os imunizantes contra o novo coronavírus quase um mês antes que o Brasil e estava com 23,9% da população totalmente vacinada nesta quarta-feira, 9 de junho. Esse índice é mais do que o dobro do brasileiro, de 11,06%. A diferença é semelhante entre o percentual de pessoas que receberam apenas uma dose da vacina: 47% a 24,48%.
Segundo a plataforma Our World In Data, mantida por pesquisadores da Universidade de Oxford, o percentual de 11% do Brasil coloca o país no 76º lugar no ranking que mede a parcela da população com imunização completa, enquanto a Alemanha aparece na 47ª posição. Considerando apenas nações e territórios com mais de 1 milhão de habitantes, os brasileiros ficam em 44º lugar, e os alemães, em 23º.
Quanto ao ritmo de vacinação, a Alemanha está aplicando hoje uma média de 714.909 doses da vacina por dia, segundo dados oficiais do governo relativos aos últimos sete dias e coletados em 9 de junho. O Brasil tinha uma média de 801.140 doses diárias nesta mesma data, a partir de dados do consórcio de veículos de imprensa.
Ao levar em conta o tamanho da população, no entanto, o Brasil está novamente atrás dos europeus: o número de doses aplicadas a cada 100 mil habitantes é de 860 na Alemanha e 379 no Brasil, na média móvel de sete dias.
Como verificamos?
O Comprova fez essa verificação a partir de dados das campanhas de vacinação contra a COVID-19 no Brasil e na Alemanha.
As informações referentes ao Brasil foram consultadas em três levantamentos do consórcio de veículos de imprensa, formado por G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL. Esses dados são apurados diariamente em boletins das secretarias estaduais de saúde.
O cenário da vacinação na Alemanha foi consultado em uma plataforma oficial do governo, atualizada diariamente pelo Ministério da Saúde da Alemanha e pelo Instituto Robert Koch.
Os jornalistas também consultaram o site Our World In Data, vinculado à Universidade de Oxford, para colocar essas informações em perspectiva global, além de notícias para checar a data de início da vacinação nos países e contextualizar o assunto.
Por fim, o Comprova pediu a opinião de dois especialistas sobre como a velocidade das campanhas deve ser medida e como avaliam o ritmo atual do Brasil: Mauro Sanchez, da Universidade de Brasília (UnB), e Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
A página Diário do Presidente foi procurada por mensagens no Instagram, mas não respondeu até a publicação desta checagem.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de junho de 2021.
Verificação
Dados incorretos
O post que viralizou no Instagram apresenta uma série de dados incorretos sobre a vacinação contra a COVID-19. O Brasil realmente chegou a 11% da população vacinada com duas doses na terça-feira, 8 de junho, mesma data em que o conteúdo foi compartilhado.
Porém, as primeiras vacinas foram aplicadas em 17 de janeiro no Brasil — o que faz com que a diferença seja de 142 dias, e não 138, como disseminado pela peça de desinformação. No dia seguinte, a campanha de imunização foi aberta oficialmente pelo Ministério da Saúde.
A Alemanha começou a vacinar contra a COVID-19 em 26 de dezembro de 2020, sendo o terceiro país da União Europeia a iniciar o processo de imunização. O país tinha vacinado 22,8% da população com as doses necessárias até o dia 8 de junho.
Quando a campanha estava no 142º dia, em 17 de maio, cerca de 11,62% da população estava totalmente imunizada, pelos dados oficiais do governo. Dois dias antes, em 14 de maio, com 139 dias de campanha, o país europeu atingiu 11,03% de imunizados, superando pela primeira vez essa marca.
Portanto, não é verdade que o Brasil tenha vacinado essa porcentagem de pessoas mais rápido do que a Alemanha. O país europeu levou três dias a menos — e não dois a mais — para chegar a 11%.
Ritmo de vacinação
Além das informações incorretas, o método de comparação usado pelo post não é o ideal para avaliar o ritmo de vacinação no Brasil. O cálculo geralmente é feito com base no número de doses aplicadas na média de pelo menos sete dias, como forma de mitigar distorções nos valores que variam ao longo da semana, e considerando também o tamanho da população em cada localidade.
Em números absolutos, os brasileiros aparecem na frente neste momento. Nesta quarta-feira, 9 de junho, eram aplicadas 801.140 doses de vacinas contra a COVID-19 por dia no Brasil, com base na média dos últimos sete dias. O número foi calculado a partir de dados divulgados pelo consórcio de veículos de imprensa. Nessa mesma data, a média móvel de aplicação de vacinas na Alemanha era de 714.909 doses por dia, segundo informações prestadas pelo governo.
A questão é que o Brasil tem cerca de 2,5 vezes mais habitantes do que a Alemanha, conforme painel do Banco Mundial. Como a quantidade total de doses aplicadas não difere muito, isso significa dizer que a cobertura vacinal está avançando menos entre os brasileiros, que precisam de uma quantidade maior de doses para que o cenário evolua na mesma velocidade.
Quando a análise leva em conta esses fatores, fica evidente a disparidade no ritmo de vacinação. O Brasil está aplicando 379 doses a cada 100 mil habitantes por dia, enquanto na Alemanha o número sobe para 860.
Esses valores se refletem diretamente no percentual de pessoas vacinadas em cada país. Em uma semana, a Alemanha adicionou 4,14% de sua população ao quadro de pessoas com vacinação completa e 2,34% com a primeira dose. O Brasil aplicou a segunda dose em 0,37% da população e a primeira, em 2,28%.
A Alemanha utiliza vacinas da Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e Moderna, que necessitam de duas doses, e também a da Janssen, uma vacina de dose única, ainda que em menor quantidade. A campanha de vacinação no Brasil conta hoje com imunizantes da Oxford/Astrazeneca, Coronavac e Pfizer/BioNTech, sendo que as três demandam duas doses.
Comparativo omite informações
O percentual de pessoas vacinadas sobre toda a população é considerado o parâmetro mais adequado para avaliar o andamento da vacinação contra a COVID-19. Essa informação permite analisar o quanto a sociedade está protegida contra o vírus e estimar quanto falta para reduzir a sua circulação. Quando uma porcentagem alta da população estiver imune, a tendência é que a contaminação diminua por conta da dificuldade de se encontrar indivíduos suscetíveis à doença.
Ainda não existe um consenso a respeito de que percentual seria necessário para desencadear esse efeito, mas cientistas esperam que a chamada imunidade coletiva seja atingida com cerca de 60% a 80% da população vacinada. Dados preliminares de um estudo com a Coronavac na cidade de Serrana (SP) sugerem que a pandemia poderia ser controlada com índice próximo a 75%, mas a pesquisa avaliou apenas um imunizante e ainda não foi publicada.
A comparação feita pelo post checado pelo Comprova, por outro lado, é insuficiente para avaliar o andamento da campanha de vacinação no Brasil. Um dos motivos é que a associação é feita entre o número de dias que foram necessários para alcançar um patamar pouco representativo, de apenas 11%.
Além disso, apesar de o período em dias estar próximo, a Alemanha já conta atualmente com um índice que é mais que o dobro do Brasil, que recém alcançou a marca de 11,06% com imunização completa. A Alemanha tinha 23,9% da população totalmente vacinada nesta quarta-feira, 9 de junho. Da mesma forma, 47% dos alemães já haviam recebido a primeira dose nessa mesma data, contra 24,48% dos brasileiros.
O post checado ainda omite o fato de que a Alemanha começou a vacinar a sua população quase um mês antes que o Brasil — 1,2 milhão de pessoas já haviam recebido ao menos uma dose por lá antes de a primeira pessoa ser imunizada por aqui. Isso significa que parte da população ficou protegida mais cedo em um período crítico, quando surgiram novas variantes do vírus, como a P.1, em Manaus, e a B.1.1.7, no Reino Unido.
Outro alerta a ser feito é que comparações isoladas entre países podem ser enganosas. A plataforma Our World In Data traz um panorama mundial da vacinação e contextualiza melhor esses dados.
O Brasil é o 76º país do mundo em porcentagem de pessoas com a imunização completa, em uma consulta feita na quarta-feira, 9 de junho. Considerando apenas nações e territórios com mais de 1 milhão de habitantes, os brasileiros aparecem em 44º lugar no ranking (veja abaixo). A Alemanha fica em 47º na primeira lista e em 23º na segunda. O Our World In Data não tem informações de alguns locais, como a China.
Se o mesmo método de comparação fosse realizado com Israel, por exemplo — que lidera o ranking de percentual de vacinados, com 59,3% da população — o Brasil teria uma enorme desvantagem. Os israelenses demoraram apenas 34 dias para ter 11,19% de seus habitantes totalmente imunizados, ainda em 22 de janeiro de 2021.
Mauro Sanchez, epidemiologista da UnB, explica que a comparação entre países é válida, mas sempre deve ser feita por meio da porcentagem de pessoas vacinadas, para se ter uma equivalência. “Os números absolutos dependem da população geral e outros fatores do país, por isso, a comparação não é justa. O Brasil demorou mais para atingir os 11%, então, logicamente, está mais devagar que a Alemanha.”
Renato Kfouri, diretor da SBIm, destaca que o percentual de 11% da população totalmente vacinada no Brasil ainda é baixo, pois a maioria da população permanece desprotegida. “E quanto mais demorar, mais estaremos acumulando casos, hospitalizações e mortes”, aponta. O Brasil perdeu mais de 479.791 vidas para a COVID-19 desde o início da pandemia, entre mais de 17 milhões de infectados.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos de grande alcance e que tenham relação com políticas públicas, eleições e COVID-19. O post enganoso da página Diário do Presidente teve quase 8 mil interações em menos de dois dias no Instagram.
A velocidade da vacinação contra a COVID-19 no Brasil é tema de disputa política no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro recebe críticas sobre o percentual de brasileiros imunizados hoje e a falta de vacinas, apontada como o principal entrave da campanha. A CPI da COVID investiga ainda a falta de empenho do governo em adquirir vacinas no ano passado, como o fato de que ofertas da Pfizer/BioNTech foram ignoradas por meses a partir de agosto.
Em resposta, apoiadores, aliados e o próprio Bolsonaro, a exemplo de um pronunciamento recente, argumentam que o país está entre os países com mais doses aplicadas no mundo — quarto lugar em números absolutos, sem levar em conta o tamanho da população. O G1 mostrou que, na data do pronunciamento, 2 de junho, o Brasil também era o 6º país com maior número de não vacinados.
O Comprova verificou outros conteúdos duvidosos sobre a campanha de imunização anteriormente. No final de maio, uma checagem mostrou que é enganoso o tuíte que afirma ter sido uma estratégia do governo não ter assinado um contrato com a Pfizer ainda em 2020, entre outros.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.