O preço pago pelo produto, de US$ 15 por dose, foi 1.000% mais alto do que o estimado pela própria fabricante seis meses antes da compra.
O contrato de compra de 20 milhões de doses da Covaxin por R$ 1,6 bilhão já era alvo de um inquérito civil no MPF. Diante das suspeitas de que pode ter ocorrido crime, Oliveira solicitou que o caso seja enviado ao 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa.
De acordo com o jornal Estado de S. Paulo nesta terça (22/6), telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova Délhi de agosto do ano passado informava que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em 100 rúpias (US$ 1,34 a dose).
Em dezembro, outro comunicado diplomático dizia que o produto fabricado na Índia "custaria menos do que uma garrafa de água". Em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por unidade (R$ 80,70, na cotação da época) – a mais cara das seis vacinas compradas até agora.
A ordem para a aquisição da vacina partiu pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro. A negociação durou cerca de três meses, um prazo bem mais curto que o de outros acordos. No caso da Pfizer, foram quase 11 meses, período no qual o preço oferecido não se alterou (US$ 10 por dose).
Mesmo mais barato que a vacina indiana, o custo do produto da farmacêutica americana foi usado como argumento pelo governo Bolsonaro para atrasar a contratação, só fechada em março deste ano.
Diferentemente de outros imunizantes adquiridos pelo governo federal, feitas diretamente com os fabricantes, a compra da Covaxin foi intermediada pela Precisa Medicamentos. A empresa é alvo da CPI da COVID, que quebrou os sigilos de um dos sócios, Francisco Maximiano.
A firma já foi alvo do Ministério Público Federal sob acusação de fraude na venda de testes para COVID-19.
No despacho, do dia 16 de junho, o Ministério Público Federal cita o fato de que cada dose da vacina ter sido comprado por US$ 15, "preço superior ao da negociação de outras vacinas no mercado internacional, a exemplo da vacina da Pfizer".
"Expirados os 70 dias de prazo para a execução escalonada do contrato, nenhum dos lotes de 4 milhões de doses fora entregue pela contratada Precisa, porque a vacina em questão não havia obtido, pelo menos até 5 de junho de 2021, autorização emergencial da Anvisa para importação e/ou uso no Brasil", relata a procuradora.
O acordo da Covaxin previa o fornecimento de 6 milhões de unidades já em março, mas condicionava a um aval da Agência Nacional de Saúde (Anvisa), que só foi dado no dia 4 deste mês.
Ainda assim, a autoridade sanitária impôs uma série de condições para que o governo distribua a vacina, como um plano de monitoramento de quem receber as doses, o que, segundo a Anvisa, ainda não foi apresentado.
"A omissão de atitude corretiva da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal, uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público."
A procuradora cita ainda no documento que a Precisa tem como sócia a empresa Global Saúde, que, "há pouco mais de três anos, entabulou contrato para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde".
A Global é alvo de ação na Justiça Federal do DF por ter recebido R$ 20 milhões da pasta para fornecer remédios que nunca foram entregues.
O negócio foi feito em 2017, quando o ministério era chefiado pelo atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), do Centrão. Passados mais de três anos, o ministério diz que ainda negocia o ressarcimento.
O ex-ministro e servidores da pasta também são alvo da ação por improbidade administrativa.
Em depoimento ao Ministério Público, um servidor do Ministério da Saúde aponta "pressões anormais" para a aquisição da Covaxin.
O funcionário relatou ter recebido "mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões" fora de seu horário de expediente, em sábados e domingos. Esse depoimento está em poder da CPI.
O servidor assegurou que esse tipo de postura não ocorreu em relação a outras vacinas. O coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde do Ministério da Saúde, Alex Lial Marinho, foi apontado como o responsável pela pressão.
Procurado, o Ministério da Saúde e a Precisa não se manifestaram até a publicação da notícia.